terça-feira, 7 de agosto de 2012

DISPENSA COLETIVA NA REESTRUTURAÇÃO DA EMPRESA


DISPENSA COLETIVA NA
REESTRUTURAÇÃO DA EMPRESA

(Aspectos Jurídicos do Desemprego Tecnológico)
ORLANDO COMES


INTRODUÇAO
Nos países que estão se industrializando a política de emprego enfrenta o problema do desemprego tecnológico.
Com esta expressão designa-se a dispensa coletiva de trabalhadores em conseqüência de mudanças na organização do trabalho e na técnica de produção que determinam a redução do pessoal de determinada empresa.
 A despedida por essa razão e com esse propósito constitui interessante modalidade da dispensa coletiva, que demanda tratamento especial da lei, no quadro da solução jurídica desse problema social.
 Para sugeri-lo à luz dos interesses peculiares das nações em desenvolvimento é preciso limpar o terreno por maneira a facilitar, com noções e distinções, a sua exploração racional.
Releva definir, no começa dispensa coletiva, diferençá-la, de imediato, da dispensa plúrima, classificar as suas espécies e conferir sua repercussão nos contratos de trabalho em curso.
Estabelecidos esses prolegômenos, há que partir para a determinação do regime legal a que deve sujeitar-se tal dispensa, avançando advertências e alvitres inspirados na necessidade de conciliar os interesses contrapostos da empresa e dos trabalhadores em função do desenvolvimento econômico e da proteção ao trabalho. Esta perspectiva em que deve ser situado o desemprego tecnológico onde a industrialização começa, dá-lhe a nota particular que preconiza a especialização do tratamento legal.
 Se bem que o objetivo último de combate ao desemprego se possa alcançar, nos países desenvolvidos, sem intervenção do legislador na relação contratual, mas através das novas técnicas fundadas sobre a previsão, o ajustamento e a ação comum de organismos públicos e sindicais[1], não
é desprezível a experiência desses povos no emprego dessas técnicas quando não pressuponham a existência de organismos profissionais, de trabalhadores, que ainda não conhecem os países mais atrasados, merecendo, pois, sumária referência.

CARACTERIZAÇÃO DA DISPENSA COLETIVA
Dispensa coletiva é a rescisão simultânea, por motivo único, de uma pluralidade de contratos de trabalho numa empresa, sem substituição dos empregados dispensados.
Dois traços caracterizam a dispensa coletiva, permitindo distinguí-la nitidamente da dispensa plurima. São:
a — a peculiaridade da causa;
b — a redução definitiva do quadro do pessoal.
 Na dispensa coletiva é única e exclusiva a causa determinante. O empregador, compelido a dispensar certo número de empregados, não se propõe a despedir determinados trabalhadores, senão aqueles que não podem continuar no emprego. Tomando a medida de dispensar uma pluralidade de empregados não visa o empregador a pessoas concretas, mas a um grupo de trabalhadores identificáveis apenas por traços não-pessoais, como a lotação em certa seção ou departamento da empresa, a qualificação profissional, ou o tempo de serviço. A causa da dispensa é comum a todos, não se prendendo ao comportamento de nenhum deles, mas a uma necessidade da empresa.
A finalidade do empregador ao cometer a dispensa coletiva não é abrir vagas ou diminiuir, por certo tempo, o número dos empregados. Seu desígnio é, ao contrário, reduzir definitivamente o quadro do pessoal. Os empregados dispensados não são substituídos, ou porque se tornaram desnecessários ou porque não tem a empresa condições de conservá-los.
A exigência da reunião desses elementos de caracterização da dispensa coletiva facilita sua distinção da dispensa ou despedida plúrima.

DISPENSA COLETIVA E DESPEDIDA PLÚRIMA
Dispensa dessa espécie sucede quando numa empresa se verifica uma série de despedidas singulares ou individuais, ao mesmo tempo, por motivo relativo à conduta de cada empregado dispensado.
Essa dispensa há de ser praticada, primeiramente, contra número considerável de empregados, por fato que a todos diga respeito, como, por exemplo, a insubordinação dos trabalhadores da seção de embalagem de uma empresa. Os dispensados têm de ser pessoas determinadas, constituindo um conjunto concreto de empregados. Afastados, hão de ser substituidos, eis que o serviço precisa ser prestado continuadamente por igual número de trabalhadores. A dispensa plurima não tem, por último, a finalidade de reduzir o quadro do pessoal.
Os pontos de semelhança entre dispensa plurima e coletiva desautorizam a aceitação do critério quantitativo para a caracterização da última, pois a primeira também supõe uma pluralidade de dispensados. Algumas leis qualificam como coletiva, entretanto, a despedida, em certo período, de empregados em número superior aos que indica em função da quantidade de trabalhadores da empresa. Pode, no entanto, ser plurima a dispensa que atinge proporção superior à estabelecida para que se considere coletiva. Nem deve perder esta conotação a despedida de empregados em pequeno número ou em número inferior às percentagens estabelecidas, se reveste os outros caracteres da dispensa coletiva.

DISPENSA COLETIVA POR FORÇA MAIOR
 A dispensa coletiva pode ter como causa a força maior e a reorganização da empresa por mudanças tecnológicas.
Conforme seja a motivação variam, e devem variar, as conseqüências jurídicas, as questões e as soluções.
A força maior determina: a) ou a extinção da empresa; b) ou a extinção de um dos estabelecimentos em que se divide. No primeiro caso, não se verifica propriamente a dispensa coletiva no sentido estreito da expressão, porque não se trata de redução de quadro de pessoal. No segundo caso, configura-se, como uma de suas espécies, tal dispensa. As conseqüências são, porém, idênticas em nosso ordenamento jurídico (2) - (2) CLT art. 502.. A lei assegura ao empregado o direito a uma indenização, segundo critérios diversos em função de sua posição jurídica na empresa. Tendo ele a garantia da estabilidade (3) fará jus à indenização simples, assim definida a que se atribui ao empregado não-estável quando despedido sem justa causa. Não estando no gozo dessa garantia, terá direito à metade dessa indenização. O direito ao recebimento de indenização tem como pressuposto, igualmente nessas hipóteses, a despedida do empregado. Ao erigí-la como tal, a lei cogita obviamente da dispensa coletiva por força maior determinante da extinção de um dos estabelecimentos da empresa, uma vez que a extinção desta, confunda-se ou não com o estabelecimento, implica necessariamente a despedida de todos os empregados, mas, conquanto restrita a essa hipótese única a solução indenizatória, a sua adoção pelo legislador não afasta a do aproveitamento dos empregados, ou de alguns deles, em outros estabelecimentos da empresa, quando a extinção não seja desta. Por outras palavras: no caso de extinção, por força maior, de um dos estabelecimentos, o empregador não está adstrito à solução da despedida, pois é uma alternativa a seu arbítrio adotá-la ou aproveitar os empregados do estabelecimento que fechou.
Considerando-se a conveniência social e política de assegurar-se a continuidade do emprego seria aceitável o regime legal, que, nessa hipótese, estando comprovada a viabilidade do aproveitamento, fosse obrigatório para o empregador e irrecusável ao empregado, ainda quando o serviço não fosse idêntico mas estivesse em limites toleráveis a sua alteração. O Interesse de conservar os empregados do estabelecimento extinto poderia determinar até a dispensa de outros empregados da empresa com menor tempo de serviço ou em condições de ser — a despedida —, menos danosa.

DISPENSA TECNOLÓGICA
Com a dispensa coletiva em conseqüência de força maior que não afete a situação econômica e financeira da empresa tem grande afinidade a
que se poderia denominar dispensa tecnológica.
Com esta qualificação quer-se significar a despedida coletiva de empregados de uma empresa em razão da introdução de novas técnicas que motivam a redução do pessoal.
A solução indenizatória é inconveniente, mesmo sem o abatimento previsto para o caso de força maior, tanto para a empresa como para os empre gados, sobre ser desinteressante socialmente.
Deve-se encontrar, desse modo, fórmula capaz de atender aos respeitáveis interesses da empresa, do pessoal e da sociedade.
(3) CLI’ arte. 492 a 500;


Tem a empresa o interesse de se modernizar adotando novos métodos e técnicas que incrementem a sua produtividade e rentabilidade e permitam a redução do seu quadro de empregados. Esse interesse arrefece intuitivamente se, para alcançar o objetivo renovatório, tiver de arcar com o peso de indenizações extremamente onerosas a ponto até de desaconselhar economicamente o empreendimento, ou se defrontar com numerosos empregados estáveis, de alijamento impossível, ou, quando menos, pretendentes a indenizações em dobro.
Têm os empregados, principalmente os mais antigos ou os mais velhos, o interesse de conservar o emprego que nenhuma indenização compensa ou substitui.
Tem a sociedade interesse em que as empresas se modernizem e se aperfeiçoem, não haja desemprego e concorram todos, empresários e trabalhadores, para seu desenvolvimento econômico como a via por excelência do bem estar comum.
Não se deve, portanto, entravar com medidas jurídicas o crescimento e o progresso das empresas, nem permitir, do mesmo passo, que, para se fortalecerem, se desapartem de numerosos empregados privando-os da fonte de sua subsistência e tornando-os as vitimas preferidas do desenvolvimento. Tanto não devem ser admitidas dificuldades à reorganização das empresas como não se pode imolar a esse impulso progressista o direito ao emprego, a mais positiva expressão da liberdade de trabalho. Por outro lado, sendo a redução de quadro do pessoal um problema que, em certa dimensão, interessa ao segmento da sociedade onde atua a empresa que a efetiva por motivos técnicos, a ele não deve ficar alheia.
A solução jurídica para os problemas criados pelo desemprego tecnológico há de consultar, para harmonizá-los, esses distintos interesses.
Antes de tentar a indicação de algumas normas inspiradas no propósito de conciliar esses interesses, é preciso selecionar alguns pontos interessantes no campo das dispensas coletivas. Esses pontos são os seguintes:
a)     o controle da dispensa;
b)    os efeitos das despedidas;
c)     a determinação dos atingidos.

CONTROLE DA DISPENSA
 A reorganização da empresa que implique diminuição de seus efetivos deve ser submetida a controle da autoridade administrativa.
A interessada tem de comunicar, com certa antecedência, o seu projeto de reorganização, informando o número de empregados, com as respectivas qualificações, que sobrarão e a data provável da dispensa coletiva. Não importa que a redução do pessoal decorra de uma reestruturação da empresa ou de fusão de duas sociedades ou incorporação d’uma por outra.
No processamento da dispensa coletiva, a ser autorizada, devem ser levados em conta:
a) os fatores econômicos peculiares à empresa;
b) a situação geral de emprego no ramo de atividade e na região interessada (4)
 Justifica-se a redução do pessoal se a reestruturação é economicamente necessária ou propícia à preservação ou à expansão da empresa, desde que a situação geral do emprego permita a pronta reabsorção dos empregados dispensados. Na França, o órgão administrativo de controle pode opor-se a despedidas em massa suscetíveis de causar grave perturbação na vida econômica de uma localidade, ou distúrbios sociais. (5).
A intervenção estatal tem sido preconizada até o extremo de pretender-se que dependa de sua aprovação qualquer reestruturação de empresa que implique despedida coletiva e em convenções coletivas de trabalho têm sido introduzidas cláusulas que estipulam a proibição de despedir antes de esgotadas outras possibilidades de evitar a dispensa coletiva, como, por exemplo, a redução do horário de trabalho (6). Contrabalança-se a oposição estatal assegurando-se ao empresário uma indenização em ressarcimento do prejuízo que, nesse caso, sofre em proveito da coletividade, justificando-se esse seu direito na socialização da reparação das conseqüências danosas da ação administrativa (7).
É de se exigir, quando menos, uma comunicação à autoridade administrativa do trabalho para pô-la de sobreaviso, não somente para que tome as providências quanto ao desemprego dos futuros dispensados, proporcionando-lhes, se for o caso, subsídios ou encaminhando-os a outros empregos, mas também para fazer sentir aos trabalhadores que serão dispensados a presença do Estado e seu interesse em obviar as respectivas situações de desemprego (8).
De qualquer sorte, seja qual for o fundamento, a dispensa coletiva para reestruturação da empresa não pode ser encarada como uma soma de despedidas individuais, nem na comissão, nem nos efeitos.

EFEITOS DAS DESPEDIDAS
 Nos efeitos, não devem ser os que se atribuem à sessação do contrato individual do trabalho, sem justa causa, ou por força maior. O aviso prévio é, não só admissível, como teria cabimento a dilatação do prazo normal, razão não havendo para torná-lo variável em função da antiguidade do trabalhador na empresa. Tendo em vista que a despedida é coletiva não é possível assegurar aos empregados preavisados o direito à redução da jornada de trabalho, instituído para que tenham tempo de procurar novo emprego, porque o seu exercício simultâneo perturbaria a atividade da empresa. Dai a tendência para imprimir, no caso, novo significado ao pré-aviso, seja o de comunicação a órgão incumbido de colocação dos trabalhadores, seja o de complementação da indenização por despedida, solução pela qual se converteria em obrigação pecuniária ou seria dado no dia do afastamento do empregado, só se extinguindo o contrato ao expirar o prazo. Quanto à indenização por despedida, entende-se que deve ser atribuida a cada empregado envolvido na dispensa coletiva nas mesmas condições e pressupostos da dispensa individual. É discutível se o ônus das indenizações há de recair na empresa ou se, ao menos em parte, e sob a forma de subsidios, deverá ser atribuído a um fundo constituído para esse fim com recursos proporcionados pelas empresas.
Outras medidas para amortecer as conseqüências de uma dispensa tecnológica têm sido preconizadas para proteção ao emprego, como, por exemplo, a de assegurar aos despedidos preferência nas vagas supervenientes.

DETERMINAÇÃO DOS ATINGIDOS

Outro problema que a despedida para reorganização industrial levanta é o da determinação dos empregados que serão atingidos.
Se bem que, em tese, não devesse o legislador intervir na sua solução, deixando-a ao arbítrio do empregador, vem se entendendo que a escolha deverá obedecer a critérios traçados na lei, ou que a seleção se realize com a colaboração de órgãos do pessoal na empresa (comitês).
Certo é que, em função dos interesses da empresa, ninguém terá melhores condições para escolher que os dirigentes, mas, levando-se em consideração os interesses dos empregados e da sociedade não convém assegurar àqueles a irrestrita liberdade de despedir os empregados que julgue dispensáveis. Do ponto de vista individual e social é preferível demitir uim jovem, sem encargo de família e com pouco tempo de serviço, a um trabalhador idoso e antigo na casa, sem grande probabilidade de conseguir nova ocupação. Mas sentimentos humanitários ou razões de política social não devem ser levados ao ponto de prejudicar a empresa, obrigando-a, por exemplo, a dispensar, antes dos outros, os empregados de maior aptidão profissional ou de melhor comportamento. É necessário, certamente, estabelecer critérios de escolha, mas com flexibilidade que não assegure boa dosagem dos interesses em jogo, de tal sorte que não se sacrifique um para atender a outro.
Esta orientação contra-indica a fixação desses critérios na lei, por ser impossível lhes dar, nesse veículo, a necessária elasticidade. Há que referí-los ou reportá-los numa disposição legal, eliminando apreciações puramente subjetivas, mas sem atribuir pesos a cada qual e sem estabelecer prioridades, a fim de que os encarregados da escolha possam fazê-la com relativa liberdade em cada caso concreto. Na individuação do pessoal a despedir, o órgão competente para indicar os empregados a serem incluídos na dispensa coletiva deverá considerar as condições pessoais de cada qual, a sua posição na empresa, a sua qualificação profissional e outros tantos dados, mas também atentará para o interesse da empresa e para a repercussão, no indivíduo e na mão-
-de-obra, das dispensas a se consumarem.
O órgão competente para a indicação deve ser, onde existe, o comitê ou conselho de empresa, cabendo a decisão, em caso de discordância da direção da empresa, à autoridade administrativa do trabalho.

CONCLUSÃO

A simples indicação de algumas questões jurídicas suscitadas pela dispensa coletiva dá a medida de sua relevância no quadro da economia moderna, notadamente quando essa dispensa se impõe por força de reestruturação da empresa determinada pela necessidade de renovação tecnológica de sua maquinaria, reformulação de métodos ou concentração econômica.
Tais questões reclamam, solução específica e urgente, a ser adotada principalmente pelas nações que estão a se desenvolver, porque nelas são mais freqüentes as causas determinantes desse gênero de despedida. Por outro lado, parece ser uma fatalidade e inclinação desses países para um regime de economia dirigida. Por essas duas principais razões, a solução reclamada há de se inspirar predominantemente no interesse de acelerar o desenvolvimento econômico. Voltado para esse esse objetivo, o Estado se vê na contingência de oferecer soluções jurídicas que, nas relações entre empregados e empregadores, se afastam da finalidade humanitária e social da legislação do trabalho. E levada à condição de meta prioritária da política do Estado contemporâneo, a promoção do desenvolvimento econômico, sob sua orientação e controle, passa a ser questão de interesse nacional, a que se não devem sobrepor interesses de classe, justificando-se, na linha desse pensamento, a política de não entravar o crescimento e a prosperidade das empresas com obstáculos provenientes da legislação trabalhista, tanto no direito coletivo como no direito individual. Esse interesse geral não deve, porém, ser pretexto para se tratar o trabalhador “como uma ferramenta cujo rendimento convém ativar”, sacrificando-lhes direitos irreversivelmente conquistados.

A subordinação do Direito do Trabalho ao Direito Econômico justifica a pesquisa de soluções para a dispensa tecnológica que não dificultem ou impeçam a renovação das empresas de significação para o desenvolvimento nacional ou regional, mas, se devem ser abandonadas ou esvaziadas as que se encontraram para a despedida individual, busquem-se outras que não impliquem reviravolta no significado social e humanitário da legislação trabalhista, convocando o Estado, inclusive, para se co-obrigar no dever de amparar as vítimas indefesas da política de desenvolvimento que estimula e comanda.
Bahia, julho, 1973



[1] (1) P.IJ.OLLIER, Le droji dii havail, Libnairje Anmnd Colin, Paris, 1972, Ȓg. 543.

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