Em conferência realizada na manhã desta sexta-feira (25) no Seminário Comemorativo dos 75 Anos da Justiça do Trabalho e dos 70 Anos do TST – Sessão Brasília, o jurista português Pedro Romano Martinez, professor doutor da Universidade de Lisboa, falou sobre "Crise Econômica e Reforma Trabalhista na Europa" e defendeu a negociação entre patrões e empregados como caminho para a superação de momentos econômicos difíceis.
Martinez falou sobre as reformas trabalhistas ocorridas no século XXI em quatro países – Portugal, França, Alemanha e Itália –, tendo em comum a necessidade de recuperação da competitividade das empresas, a redução do desemprego e a modificação do paradigma do Direito do Trabalho. Segundo o jurista, o paradigma clássico desse ramo do Direito – que pressupõe um sistema unitário de direitos iguais para todos os trabalhadores – está em crise, e a experiência europeia aponta para um sistema fracionado, com regras diferenciadas para grupos de trabalhadores.
No caso da Alemanha, Martinez observa que a reforma, promovida em 2002 (quando o desemprego chegava a quase 10%), passou a admitir que as regras fossem estabelecidas por meio de negociação com conselhos de empresa, e não apenas com sindicatos. A ideia, segundo ele, é que não se pode equiparar uma montadora da Baviera com uma empresa que tem outra realidade de produção. As mudanças permitiram que, na crise de 2008, a Alemanha fosse o único país, além do Reino Unido, que não aumentou o desemprego, e sim diminuiu.
Na Espanha, o estatuto dos trabalhadores foi substancialmente reformado a partir de 2010, como consequência da crise de 2008. A época coincide com o auge da crise econômica no país, quando o desemprego chegou a 20%. As reformas, segundo o professor, resultaram num mecanismo muito mais flexível em relação ao tempo de trabalho, com banco de horas, prestação de trabalho diferenciada, trabalho parcial, contratos temporários e dispensa imotivada mediante indenização. "Isto mudou a lógica que existia em vários países europeus no sentido da proteção da estabilidade do contrato de trabalho", assinalou. "A taxa de desemprego caiu de 20% para 7%, e a Espanha é, no momento, o país da União Europeia com maior crescimento econômico".
Sobre o sistema francês, Martinez disse que era o mais clássico, no sentido de conferir direitos aos trabalhadores genericamente. Até este ano, as alterações introduzidas foram poucas, mas, em julho, uma reforma alterou totalmente o paradigma, seguindo o modelo alemão. A mudança, porém, gerou grande resistência dos trabalhadores e sindicatos, com protestos e múltiplas greves.
A reforma no sistema italiano, feita em 2002, segundo o jurista, foi a mais criativa, com a flexibilização do tempo e do modo de prestação do trabalho, mas sem afetar a segurança e a estabilidade, flexibilizada apenas em função do tipo de empresa, para beneficiar empresas pequenas, familiares. "Essa reforma levantou tanta celeuma a ponto de seu idealizador, Marco Biagi, ter sido assassinado pelas Brigadas Vermelhas", observou. Em 2014, porém, as mudanças foram aprofundadas, e já apresenta resultados em termos de recuperação do desemprego. "A ideia é a de que o elemento predominante é reduzir o desemprego", afirmou. "É preferível que quem é despedido rapidamente encontre um outro emprego do que garantir estabilidade a quem está no emprego".
Finalmente, a experiência portuguesa teve início em 2003, e Martinez fez parte da comissão que trabalhou no novo Código de Trabalho. "O que esteve subjacente foi basicamente uma flexibilização do tempo de trabalho, do modo da prestação do trabalho, mas a estabilização do contrato", explicou. "O despedimento não foi minimamente tocado, ou seja, a ideia de flexibilização foi permitir regimes de adaptabilidade em relação às horas semanais, por exemplo". Outro ponto foi a possibilidade de que a contratação coletiva afaste as regras do Direito do Trabalho. "O regime introduzido em 2003 foi de abertura para dinamização da contratação coletiva, no sentido de que as normas do código de trabalho não eram imperativas. Em 2009, uma revisão aumentou a flexibilização em relação à jornada. "Há uma grande abertura dos mecanismos de flexibilização, mas por outro lado restringiu-se possibilidade da contratação coletiva alterar o regime do Código de Trabalho".
A Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho decidiu nesta segunda-feira (21), por maioria de votos, que o divisor aplicável para o cálculo das horas extras dos bancários, inclusive para os submetidos à jornada de oito horas, é definido com base na regra geral prevista no artigo 64 da CLT, sendo 180 e 220, para a jornada normal de seis e oito horas, respectivamente. A decisão seguiu majoritariamente o voto do relator, ministro Cláudio Brandão (foto).
O julgamento foi o primeiro do TST a ser submetido à sistemática dos recursos repetitivos, introduzida pela Lei 13.015/2014. A tese fixada tem efeito vinculante e deve ser aplicada a todos os processos que tratam do mesmo tema, conforme a modulação de efeitos também decidida na sessão. Assim, os recursos contra decisões que coincidem com a orientação adotada terão seguimento negado. Caso seja divergente, a decisão deverá ser novamente examinada pelo Tribunal Regional do Trabalho de origem.
Ao fim da sessão, que durou cerca de 12 horas, o presidente do TST, ministro Ives Gandra Martins Filho, destacou a importância do julgamento. "Inauguramos um novo sistema de julgamentos, de temas e não de casos", afirmou. Somente no TST, existem cerca de 8 mil processos que discutem o divisor bancário.
O julgamento mobilizou as instituições do sistema financeiro e as entidades sindicais de representação dos trabalhadores. Em maio, o TST realizou audiência pública para colher subsídios para a decisão. Na sessão de hoje, além dos advogados das partes diretamente envolvidas (uma bancária e o Banco Santander Brasil S. A.), participaram como amici curiae representantes da Federação Nacional dos Bancos (Fenaban), das Federações dos Trabalhadores em Empresas de Crédito do Centro Norte (FETEC-CUT/CN), do Paraná (Fetec/PR) e de São Paulo, da Federação dos Trabalhadores do Ramo Financeiro de Minas Gerais (Fetrafi-MG/CUT), do Rio de Janeiro e Espírito Santo (Fetraf-RJ/ES), do Nordeste (Fetrafi/NE) e do Rio Grande do Sul (Fetrafi-RS/CUT), do Banco de Brasília S.A. (BRB), do Banco do Estado do Rio Grande do Sul, das Confederações Nacionais dos Trabalhadores no Ramo Financeiro (Contraf) e nas Empresas de Crédito (Contec) e da Associação Nacional dos Beneficiários dos Planos de Regulamento Básico e Regulamento dos Planos de Benefícios (ANBERR).
Controvérsia
Segundo o artigo 224 da CLT, a duração normal do trabalho dos bancários é de seis horas contínuas nos dias úteis, "com exceção dos sábados", num total de 30 horas de trabalho por semana.
Até 2012, a jurisprudência do TST previa que o divisor a ser aplicado no cálculo das horas extras dos bancários seria de 180 para a jornada de seis horas e 220 para a de oito horas. Em 2012, a redação da Śúmula 124 foi alterada para estabelecer que, "se houver ajuste individual expresso ou coletivo no sentido de considerar o sábado como dia de descanso remunerado", o divisor aplicável é de 150 para a jornada de seis horas e 200 para a jornada de oito horas.
Desta forma, o tema central da controvérsia era a natureza jurídica do sábado - se dia útil não trabalhado ou dia de repouso remunerado. No caso dos bancos estatais (Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal), os regulamentos consideram expressamente que o sábado como dia de descanso. No caso dos bancos privados, os acordos não são explícitos nesse sentido.
Segundo as entidades representativas dos trabalhadores, a lei, ao prever que o trabalho semanal do bancário será cumprido de segunda a sexta, estabeleceu o sábado e o domingo como dias de repouso semanal remunerado, o que, consequentemente, repercutiria na fixação do divisor das horas extras. Segundo sindicatos e federações, as normas coletivas firmadas pela Federação Nacional dos Bancos (FENABAN) também consagram essa tese, ao preverem que, quando houver prestação de horas extras durante toda a semana anterior, serão pagos também o valor correspondente ao dia de descanso, "inclusive sábados e feriados". Apesar da legislação, dos acordos e da súmula, as entidades afirmavam que "os bancos continuam se recusando a utilizar o divisor correto".
Os bancos, por sua vez, sustentavam que os divisores 150 e 200 só seriam aplicáveis quando houver expressa previsão em norma coletiva do sábado como dia de repouso remunerado, o que não ocorre em diversos estabelecimentos. Segundo a FENABAN, a cláusula normativa firmada pelos bancos privados se limita a tratar dos reflexos das horas extras, "sem alterar, nem mesmo implicitamente, a natureza jurídica dos sábados", que é a de dia útil não trabalhado, nem repercute no divisor.
Tese
A tese jurídica fixada no julgamento, conforme exige a sistemática dos recursos repetitivos, foi a seguinte:
1. O número de dias de repouso semanal remunerado pode ser ampliado por convenção ou acordo coletivo de trabalho, como decorrência do exercício da autonomia sindical.
2 . O divisor corresponde ao número de horas remuneradas pelo salário mensal, independentemente de serem trabalhadas ou não.
3. O divisor aplicável para cálculo das horas extras do bancário, inclusive para os submetidos à jornada de oito horas, é definido com base na regra geral prevista no artigo 64 da CLT (resultado da multiplicação por 30 da jornada normal de trabalho), sendo 180 e 220, para a jornada normal de seis e oito horas, respectivamente.
4. A inclusão do sábado como dia de repouso semanal remunerado, no caso do bancário, não altera o divisor, em virtude de não haver redução do número de horas semanais, trabalhadas e de repouso.
5. O número de semanas do mês é 4,2857, resultante da divisão de 30 (dias do mês) por 7 (dias da semana), não sendo válida, para efeito de definição do divisor, a multiplicação da duração semanal por 5.
6. Em caso de redução da duração semanal do trabalho, o divisor é obtido na forma prevista na Súmula 431 (multiplicação por 30 do resultado da divisão do número de horas trabalhadas por semana pelos dias úteis).
Ficaram vencidos, quanto à tese, os ministros Emmanoel Pereira, Aloysio Corrêa da Veiga, José Roberto Freire Pimenta, Alexandre Agra Belmonte e Ives Gandra Filho.
Pelo voto prevalente do ministro presidente, decidiu-se que as convenções e acordos coletivos dos bancários, no caso concreto, não deram ao sábado a natureza de repouso semanal remunerado. Neste tópico, ficaram vencidos os ministros Cláudio Brandão, Emmanoel Pereira, Augusto César Leite de Carvalho, Aloysio Corrêa da Veiga, José Roberto Freire Pimenta, Hugo Carlos Scheuermann e Alexandre Agra Belmonte.
Por maioria, a SDI-1 também decidiu remeter à Comissão de Jurisprudência a matéria para efeito de alteração da redação da súmula 124, a ser submetida ao Tribunal Pleno. Ficaram vencidos nesse ponto os ministros Rernato de Lacerda Paiva, Aloysio Corrêa da Veiga, José Roberto Freire Pimenta, Hugo Carlos Scheuermann e Alexandre Agra Belmonte.
Modulação
Para fins de observância obrigatória da tese, a nova orientação não alcança estritamente as decisões de mérito de Turmas do TST, ou da própria SDI-1, acerca do divisor bancário, proferidas no período de 27/9/2012, quando entrou em vigor a nova redação da Súmula 124, até a presente data.
A modulação aprovada foi proposta pelo ministro João Oreste Dalazen. Ficaram vencidos os ministros Márcio Eurico Vitral Amaro, Augusto César Leite de Carvalho e Ives Gandra Filho, que votaram pela não modulação, e parcialmente os ministros Brito Pereira, José Roberto Freire Pimenta e Hugo Carlos Scheuermann, que votaram por modulação em sentido diverso.
O novo CPC modificou os efeitos dos embargos de declaração nos juizados especiais, passando a interromper – e não mais suspender – o prazo para outros recursos. A aplicação do novo CPC aos juizados especiais, porém, vem sendo duramente questionada e até mesmo rejeitada por alguns tribunais do país.
Palavras-Chave: Direito Processual Civil. Contagem de Prazos nos Juizados Especiais e o Novo CPC. Alteração da redação dos artigos 50 e 83 da Lei dos Juizados Especiais. Modificação dos efeitos dos Embargos de Declaração que antes suspendiam e agora interrompem o prazo para eventual recurso. Manifestação do CNJ a respeito do artigo 219 do CPC e exposição de motivos. Manifestação do TJDFT acerca da aplicação do Novo CPC aos Juizados Especiais. Diferença entre a aplicação das manifestações e suas respectivas consequências.
1. Introdução
O papel do advogado na sociedade é tão necessário e importante quanto o do Magistrado, do Ministério Público ou da Defensoria Pública, no tocante à administração da Justiça, assim reconhecido pela Constituição Federal de 1988. O Código de Processo Civil é, notoriamente, norma criada por processo legislativo democrático e buscou, em sua nova redação, nos mais diversos setores da comunidade jurídica, atualizar-se em prol da sociedade. Essa atualização trouxe, além de grandes benefícios no exercício do devido processo legal, reais ganhos na prestação jurisdicional exercida pela advocacia, destacando-se a modificação dos efeitos aplicados na oposição dos Embargos de Declaração nos Juizados Especiais, os quais, antes do advento do Novo Código de Processo Civil, possuíam efeitos suspensivos, e agora, assim como já ocorria na seara do procedimento comum e ordinário, passaram a ter efeitos interruptivos dos prazos para interposição de novos e quaisquer recursos, de acordo com a redação dada pelos artigos 1.065 e 1.066, § 2º da nova Lei em questão, Lei nº 13.105/2015 (NCPC), que alterou o comando do artigo 50 da Lei dos Juizados Especiais (Lei nº 9.099/95), bem como do artigo 83, caput e § 2º do mesmo diploma legal especial. Por fim, mister salientar a alteração promovida pelo Novo Código de Processo Civil ao alterar, em seu artigo 219, a contagem dos prazos antes ininterruptos, para contagem considerando-se apenas os dias úteis, o que tem trazido verdadeiro embate entre alguns Tribunais Estaduais que entendem não ser aplicável a nova regra processual aos Juizados Especiais ante seu conflito com o princípio da celeridade processual inerente aos Juizados. Sobre o tema, o CNJ esboçou entendimento por meio da Nota Técnica nº 01/2016. Já o TJDFT manifestou-se a favor da aplicação integral do Novo Código de Processo Civil ao regime dos Juizados Especiais, aplicando no âmbito do Distrito Federal as regras de contagem em dias úteis também aos Juizados Especiais, merecendo, por consequência, neste artigo, singelos comentários a respeito da aplicação destas regras e suas consequências para o ordenamento jurídico nacional.
2. As mudanças com a vigência do Novo CPC sobre os efeitos dos Embargos de Declaração nos Juizados Especiais
O novo Código de Processo Civil trouxe consigo várias inovações ao direito brasileiro, algumas foram recebidas de forma negativas, mas em sua maioria, foram consideradas positivas para a advocacia, função essencial à realização e alcance da Justiça.
Dentre tais mudanças, destacam-se: a) a nova contagem dos prazos; b) as alterações feitas na Lei dos Juizados Especiais sobre a interrupção do prazo para interposição de novos recursos nos casos de Embargos de Declaração e; c) as consequências destas alterações segundo as manifestações e entendimento do CNJ e do TJDFT, que as aplicam de maneira oposta, conflitando posicionamentos e interpretações jurídicas.
A Lei dos Juizados Especiais, Lei nº 9.099/95, em seu artigo 50, sofreu modificação imposta pelo artigo 1.065 do Novo CPC (Lei nº 13.105/2015), em vigor desde 18 de março de 2016, alterando a redação do dispositivo para, agora, prever que: “Art. 50. Os embargos de declaração interrompem o prazo para interposição de recurso”, (sem grifos no original). Ademais, a nova Lei Adjetiva Civil, por intermédio do seu art. 1.066, também alterou a redação do artigo 83 da Lei dos Juizados Especiais, em especial seu § 2º, passando a constar em seu caput que: “Art. 83. Cabem embargos de declaração quando, em sentença ou acórdão, houver obscuridade, contradição ou omissão”, repetindo-se, em seu § 2º, idêntica disposição legal já prevista no artigo 50 do Diploma Legal especial.
A mudança da Lei Especial dos Juizados trazida pelo Novel Código de Processo Civil é, portanto, inquestionável, por ter sido feita expressamente, e tem aplicação desde sua entrada em vigor a parti de 18 de abril de 2016, encerrando um problema que muitos advogados inexperientes com os Juizados Especiais acabavam enfrentando ao fazer a contagem integral do prazo para Recurso Inominado a partir da publicação da decisão que julgou os Embargos de Declaração opostos contra a Sentença do Juizado, sem considerar os dias já transcorridos entre a publicação da Sentença e a oposição dos Embargos, os quais, tendo em vista que antes eram apenas suspensos, e não interrompidos, tinham obrigatoriamente que ser computados no cálculo do prazo fatal para interposição do Recurso Inominado à Turma Recursal dos Juizados.
Com efeito, a partir do advento do novo CPC os efeitos da oposição de Embargos de Declaração, agora, são os mesmos já vivenciados no rito da Justiça Comum, qual seja, de interrupção do prazo para interposição de eventual recurso, “zerando-se” a contagem do prazo de 15 (quinze) dias para interposição de Recurso Inominado, que se inicia, agora, contando-se o primeiro dia de prazo como o dia útil seguinte à publicação da decisão que julgou os Embargos de Declaração, independentemente dos dias transcorridos entre a publicação da Sentença e a oposição dos Embargos Aclaratórios, evitando-se a perda do prazo por erro ou falha na contagem, muito comum no antigo comando que previa a suspensão do prazo para recursos.
A contagem dos 15 (quinze) dias para interposição do Recurso Inominado, porém, tem sido muito debatida pelos Tribunais Estaduais na seara dos Juizados Especiais no sentido de dever ou não ser aplicada em dias úteis, como prevê o Novo CPC em seu artigo 219 (Lei nº 13.105/2015), ou de dever ser contabilizada em dias consecutivos e ininterruptos em respeito ao princípio da celeridade processual, inerente aos Juizados Especiais e acolhido pela regra do artigo 2º da Lei nº 9.099/98, que assim dispõe: “Art. 2º. O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação”.
3. A contagem dos prazos processuais em dias úteis com o advento do Novo CPC e sua aplicação aos Juizados Especiais
O artigo 219, portanto, altera significativamente a contagem dos prazos, antes contabilizados “em dias corridos”, para agora serem contados em “dias úteis”.
Por mais evidente que pareça o novo dispositivo no tocante à contagem dos prazos processuais, muitos operadores do Direito tem defendido que a aplicação prevista no Novo CPC para contagem dos prazos processuais em dias úteis não deve ser imposta aos Juizados Especiais, assim se manifestando o Conselho Nacional de Justiça – CNJ em sua Nota Técnica nº 01/2016: “primeiramente pela incompatibilidade com o critério informador da celeridade (...) convindo ter em mente que a Lei 9.099 conserva íntegro o seu caráter de lei especial frente ao novo CPC, desimportando, por óbvio, a superveniência deste em relação àquela”.[1]
Possível perceber que tal argumento não se sustenta, pois a contagem em dias úteis não impede a celeridade processual, haja vista que o prazo correrá apenas por dois dias a menos a cada semana (finais de semana) e nos feriados esporádicos, o que, de fato, não atrasa o curso processual em praticamente nada, pois, no máximo, em duas semanas deverá ser retomado o andamento processual após o fim do prazo. A contagem em dias úteis preserva o direito do operador do Direito, seja ele o advogado, promotor, defensor público ou o próprio Magistrado, de ter o descanso semanal, evitando a necessidade e excesso de labor nos finais de semana, como ocorria com a contagem em prazos ininterruptos.
Assim, com a devida vênia, parece equivocada a interpretação do CNJ no tocante à justificativa de não aplicação do Novo CPC aos Juizados Especiais pois a contagem em prazos úteis iria contra a celeridade processual. Neste sentido, importante esclarecer-se o conceito de célere.
De acordo com o pacto de SAN JOSE DA COSTA RICA, celeridade traduz-se no sentido de que: “toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente(...)”. (sem grifos no original).
De acordo com o antigo Código de Processo Civil de 1973, seus artigos 125, inciso II e 130, dispunham que o Juiz dirigirá o processo competindo-lhe: “velar pela rápida solução do litígio” e “indeferir as diligências inúteis ou meramente protelatórias.”
Na atual redação do Novo código de processo civil de 2015, o artigo 139, inciso II já difere da redação do antigo CPC, dispondo que o Juiz dirigirá o processo incumbindo-lhe: “Velar pela duração razoável do processo”. (sem grifos no original).
Como visto, a diferença na contagem do prazo que costuma alcançar, no máximo, uma ou duas semanas a mais na atual contagem, preservando o direito de descanso dos finais de semana aos operadores do Direito na contagem dos prazos em dias úteis, mantém a duração razoável do processo, de modo que a lentidão ou demora nos julgamentos pelo ordenamento nacional podem ter sim problemas que afetam as partes e prejudica o direito de inúmeros litigantes, porém, não é por conta da contagem do prazo em dias úteis que a celeridade processual deixará de ser observada, devendo ser aplicado, sim, os ditames do novo regramento processual civil também aos Juizados Especiais naquilo que lhes compete como regra geral.
Há muito já se comenta que o novo CPC tornou o processo mais simples e eficaz para o jurisdicionado, porém, não necessariamente mais célere. Todavia, para o detentor da capacidade postulatória que defenderá o direito do jurisdicionado e até mesmo para o julgador, ter os prazos processuais contabilizados apenas nos dias úteis, de labor, parece algo que acabou sendo esquecido e tolhido pelo antigo Código Processual Civil, tendo sido acertadamente e finalmente contemplado contemporaneamente no Novo CPC, dado os avanços da psicologia, da eficiência no trabalho, do bem estar do trabalhador e, enfim, da sociedade na discussão e reforma do CPC.
Nessa linha de raciocínio o TJDFT se manifestou por meio do Enunciado nº 4, em notícia a seguir destacada tratando desta questão: “A Turma de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais do D.F., em sessão extraordinária, realizada na tarde desta segunda-feira, 28/3, deliberou sobre consulta formulada àquele órgão sobre a contagem de prazos nas ações que tramitam nos Juizados Especiais. O Colegiado, por maioria, decidiu que o enunciado do art. 219 do novo CPC, que estabelece que "na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis", alcançará também os Juizados Especiais, que seguirão a nova regra, no que tange aos prazos processuais. O questionamento surgiu uma vez que entendimento anterior estabelecia que as disposições do CPC não se aplicavam ao rito dos processos em tramitação nos juizados especiais cíveis na fase de conhecimento, mas apenas na fase de cumprimento de sentença. Com a decisão, ambas as fases passarão a ser regidas, no D.F., pela nova legislação”[2].
4. Conclusão
Como visto, “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”, conforme apregoa o artigo 133 da Constituição Federal de 1988, exercendo, portanto, função social e prestando serviço público à sociedade e à Justiça.
A atualização do Código de Processo Civil trouxe mais benefícios do que o revés, apesar das duras críticas de alguns operadores do Direito e Magistrados acerca das inovações promovidas.
A importante modificação dos artigos 50 e 83, caput e § 2º da Lei dos Juizados Especiais promovida pelos artigos 1.065 e 1.066 do Novo CPC acabou com o problema de contagem do prazo para interposição do Recurso Inominado, o qual agora inicia-se no primeiro dia útil após a publicação da Sentença que julgou os Embargos de Declaração independente de quantos dias tenham transcorridos entre a publicação da Sentença e o protocolo dos Embargos Declaratórios, haja vista que o prazo agora não mais se suspende, interrompendo-se e iniciando-se “do zero”.
Por fim, a alteração promovida pelo Novo Código de Processo Civil ao prever, em seu artigo 219, a contagem dos prazos antes ininterruptos, agora contabilizados apenas em dias úteis, apesar de ter trazido opiniões e orientações divergentes em alguns Tribunais Estaduais e no próprio CNJ, que entendem não ser aplicada referida regra aos Juizados Especais, em razão do princípio da celeridade processual inerente aos Juizados, parece adequada, merecendo ser aplicada também aos Juizados Especiais, sendo este o entendimento esboçado pelo TJDFT em uniformização da jurisprudência das Turmas Recursais do Tribunal para todo o Distrito Federal.
Notas
[1] Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/81833-corregedoria-prazos-do-novo-cpc-nao-valem-para-os-juizados-especiais>- FONAGE Nota técnica nº 01/2016.
Puskás, o ‘Major Galopante’ que brilhou na Europa, no Maracanã e no Pacaembu
Goleador húngaro ganhou ouro olímpico, bicampeonato europeu e Mundial pelo Real Madrid e, no Brasil, desafiou Fla e Bota. Morto há 10 anos, ele dá nome a troféu da Fifa
, maior craque da história do futebol húngaro e um dos maiores de todos os tempos no mundo, Ferenc Purczeld Biró, que ficou conhecido como Puskás, nasceu no dia 2 de abril de 1927, em Budapeste. Sua ligação com o futebol vem do berço: seu pai era jogador do Kipest, equipe local, e Puskás o acompanhava, fazendo o papel de gandula. Com apenas 10 anos, ingressou nas divisões de base do clube e, em 1943, em plena Segunda Guerra, iniciou-se no profissional pelo Kipest, aos 16 anos. Dois anos depois, estreou na seleção em uma partida com a Áustria, marcando um gol. Seu tipo físico não era tão magro como o dos outros jogadores de futebol e, com 1,72m, era considerado baixo, mas Puskás tinha passes precisos, dribles curtos e secos e um chute primoroso de canhota.
No Kipest, Puskás foi titular durante 11 anos e capitão em 56 partidas. Em 1948, quebrou o recorde de gols do campeonato húngaro, balançando a rede 50 vezes. No ano seguinte, o atleta deu um salto em sua carreira: o exército húngaro decidiu ter seu time de futebol e associou-se ao Kipest, que, assim, passou a se chamar Honved. Com o poder do exército no regime comunista, o Honved se tornou rapidamente a equipe mais forte do país. O técnico Gusztáv Sebes garimpou jogadores e reuniu os melhores que encontrou, como Czibor, Kocsis e Budai, além do próprio Puskás, que tinha a patente de major. Com entrosamento perfeito, o histórico time húngaro, comandado pelo famoso canhoto, conquistou o ouro olímpico em Helsinque, em 1952.
No ano seguinte, a equipe quebrou uma das maiores escritas da história do futebol: os húngaros foram os primeiros não-britânicos a derrotar a Inglaterra em casa. Na ocasião, mais de 100 mil pessoas ocupavam as tribunas do Estádio de Wembley, o templo do futebol inglês, para assistir ao confronto entre as seleções da Inglaterra e da Hungria. O confronto, batizado pelos ingleses de “O jogo do século”, terminou com um placar elástico, de 6 a 3, para os húngaros, derrubando os até então imbatíveis ingleses. A atuação de Puskás encantou os adversários, que o apelidaram de “Major Galopante”.
A Hungria de Ferenc Puskás chegaria, assim, na condição de favorita ao título da Copa de 1954, na Suíça. Na estreia, 9 a 0 na Coreia do Sul, com dois gols seus. Depois, 8 a 3 na Alemanha Ocidental, que jogou com o time reserva. Nesse jogo, Puskás fez o dele, mas saiu de campo com uma grave lesão no tornozelo. No jogo seguinte, já pelas quartas-de-final, a Hungria jogou com o Brasil. Puskás não entrou em campo e, com poucas chances de voltar a jogar naquela Copa, viu do banco a vitória húngara por 4 a 2. A partida que eliminou o Brasil da Copa ficou conhecida como “a batalha de Berna”, pois a duelo entre as duas delegações foi do campo aos vestiários. Sem o seu maior craque, a Hungria também venceu o Uruguai na semifinal, repetindo o placar aplicado ao Brasil, chegando à decisão contra a Alemanha Ocidental.
Ainda com dores no tornozelo, Puskás fez questão de jogar a final do Mundial, e foi dele o gol que abriu o placar, logo aos 6 minutos. No entanto, a Alemanha conseguiu uma improvável virada e ganhou por 3 a 2, num feito batizado como o “Milagre de Berna”. Em 5 de julho de 1954, O GLOBO noticiou a vitória alemã com a manchete “Campeões do mundo os alemães – os teutos quebraram sensacionalmente o favoritismo dos húngaros”.
Dois anos depois, em 1956, uma revolta popular contra o domínio imposto pela União Soviética – a famosa Revolução Húngara, que lutava contra a política comunista que dominava o país, – afetou diretamente a carreira do jogador. A revolta instaurou um novo governo, tentando quebrar a aliança militar estabelecida pelos países socialistas após a Segunda Guerra. Mas o regime soviético não retirou suas forças da Hungria e decidiu suprimir o movimento, aumentando sua ocupação. Durante a sangrenta invasão soviética, o Honved estava em Viena, na Áustria, a caminho da Espanha, onde jogaria três dias depois com o Atletico de Bilbao pela Copa da Europa. Eliminada pelos espanhóis na partida de volta, a equipe se dispersou no exílio, pois jogadores como Puskás, Sándor Kocsis e Zoltán Czibor se recusaram a retornar ao país, em solidariedade à causa revolucionária.
Em 1957, Flamengo e Botafogo se uniram para convidar o time de Budapeste, então itinerante, para uma série de amistosos no Brasil. Mesmo com autorização negada pela Federação Húngara, o Honved embarcou para a América do Sul. O primeiro jogo, contra o Flamengo, no Maracanã, valeu o “Troféu Ponto Frio”, iniciativa de uma companhia varejista anunciante das principais emissoras de rádio do Rio de Janeiro. Na ocasião, 114 mil pagantes, entre eles o presidente da República, Juscelino Kubitschek, e o prefeito do Distrito Federal, Francisco Negrão de Lima, viram o melhor time do mundo – com Grocsis, Lantos, Budai, Kocsis, Czibor e Puskás – perder para o rubro-negro por 6 a 4. Puskás marcou dois gols, o que não foi suficiente para evitar o triunfo do clube da Gávea, que contava em seu elenco com craques como Dida, Evaristo, Moacir e Henrique.
Dias depois, por iniciativa da companhia de cigarros Sudan e da Rádio Bandeirantes, foi promovida uma partida revanche entre o Honved e o Flamengo, no Estádio do Pacaembu, em São Paulo. Na ocasião, já melhor adaptada ao Brasil, a equipe húngara venceu por 6 a 4, com um verdadeiro show de bola. Dos gols do Honved, que chegou a estar vencendo por 6 a 1, quatro foram marcados por Puskás. A partida foi notícia no GLOBO em 28 de janeiro de 1957, com o título “Revanche completa do Honved”.
Pouco depois, o Honved voltou ao Maracanã, desta vez para enfrentar o Botafogo, de Mané Garrincha. Com mais uma bela atuação, a equipe venceu o alvinegro carioca por 4 a 2, com um dos gols marcados por Puskás. Na sequência, foi realizada uma partida “tira-teima” contra o Flamengo, novamente no Pacaembu, com nova vitória húngara, desta vez por 3 a 2. A despedida de Puskás & cia do Brasil se deu em partida contra um combinado Flamengo-Botafogo, quando os húngaros amargaram um impiedoso placar de 6 a 2. Com a possibilidade de reunir na mesma equipe craques como Garrincha, Didi, Evaristo e Dida, os brasileiros não deram chance ao Honved. Mesmo assim, Puskás deixou sua marca mais uma vez, marcando os dois gols de sua equipe.
Ao fim da turnê internacional do Honved, o atleta, ainda revoltado com a invasão soviética na Hungria e com a perseguição do governo local, que pressionava a Fifa para que o clube fosse impedido de realizar partidas, desertou definitivamente, tomando o caminho da Espanha e se naturalizando espanhol. Era o fim do Honved e da grande seleção húngara, que Puskás deixava com a marca de 83 gols em 84 partidas, numa excelente média de 0,99 gols por jogo, nunca superada.
Contratado pelo Real Madrid, Ferenc Puskás defendeu o clube entre 1958 e 1966, formando um dos maiores ataques do futebol mundial, ao lado do craque argentino Di Stéfano, e ajudando o clube a conquistar o pentacampeonato espanhol (1961/62/63/64 e 65), o bicampeonato europeu (1959 e 1960) e um mundial de clubes (1960). Em 1962, defendeu a Espanha no mundial, tornando-se um dos poucos jogadores a terem disputado Copas do Mundo por dois países.
Puskás encerrou sua carreira como jogador em 30 de julho de 1967. Mas sentindo-se incapaz de abandonar o futebol, transformou-se em técnico e trabalhou na função até 1993. Neste período, passou por muitos clubes, como Hércules, Alavés e Murcia (Espanha), Colo Colo (Chile), AEK e Panathinaikos (Grécia) e Cerro Porteño (Paraguai), além da seleção da Arábia Saudita e da própria seleção húngara. Os títulos como técnico não foram muitos: dois campeonatos gregos e dois australianos, estes dois últimos pelo South Melbourne. Com a extinção da União Soviética, voltou a morar em Budapeste, na Hungria, recebendo a patente de coronel do exército nacional.
Ferenc Puskás morreu em 17 de novembro de 2006, aos 79 anos, em conseqüência do mal de Alzheimer. Na ocasião, não resistiu a uma pneumonia e a uma febre alta que causaram falência cardiovascular e respiratória. Seu legado no futebol, no entanto, vai perdurar por muitos anos. Desde 2009, a Fifa entrega o Troféu Ferenc Puskás ao autor do gol mais bonito do ano. O primeiro ganhador foi o português Cristiano Ronaldo, e dois brasileiros já receberam o prêmio: Neymar, em 2011, e Wendell Lira, em 2015.
* com edição de Gustavo Villela, editor do Acervo O GLOBO
Milagre de Berna. Capitães Fritz Walter e Ferenc Puskás na final da Copa do Mundo de 1954, quando a Alemanha derrotou a Hungria por 3 a 204/07/1954 / Reprodução