segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

TST: FUNDAÇÃO CASA INDENIZARÁ AGENTE TRAUMATIZADO POR AMEAÇAS


CONDIÇÕES DE TRABALHO

Fundação Casa deve indenizar agente que desenvolveu trauma após ameaças

Por não oferecer condições adequadas de trabalho, a Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente - Fundação Casa, de São Paulo foi condenada a indenizar empregado que desenvolveu diversos traumas psicológicos após sofrer, no ambiente de trabalho, agressões verbais e ameaças, inclusive de morte, por parte de adolescentes que cumprem medidas socioeducativas na instituição. A decisão é da 8ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho. 
O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP) absolveu a Fundação Casa de culpa, com o entendimento de que o agente de apoio técnico tinha conhecimento dos riscos da função quando prestou, livremente, concurso público para o cargo.
Em recurso ao TST, o agente alegou que os artigos 186 e 927, do Código Civil, obrigam todo aquele que, por ação, omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar dano, a reparar a parte violada. De acordo com o laudo pericial, o agente adquiriu fobia social grave, depressão severa, episódio depressivo grave sem sintomas psicóticos e estado de estresse pós- traumático.
O desembargador convocado Breno Medeiros, relator do processo, conheceu do recurso e condenou a Fundação ao pagamento de R$ 50 mil de indenização. Ele considerou evidente a culpa da instituição, "pois não forneceu condições adequadas de trabalho, com adoção de medidas de segurança eficientes, expondo seus empregados a sérios riscos".
O recurso do agente também tentava reverter o indeferimento do adicional de insalubridade em grau médio, devido ao contato permanente com os adolescentes doentes na enfermaria da Fundação Casa. Ele alegava que sua função se enquadra na no Anexo 14 da Norma Regulamentar 15 do Ministério do Trabalho e Emprego, que trata de atividades que envolvem contato permanente com agentes biológicos e pacientes em isolamento por doenças infectocontagiosas.
Apesar de o laudo pericial ter concluído que as condições eram insalubres, a 8ª Turma seguiu o entendimento do TRT-2 e não conheceu do recurso do empregado, por não ser conclusivo o fato de que ele trabalhava em contato constante com os pacientes com doenças infectocontagiosas.
O relator destacou a Orientação Jurisprudencial 4 da Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do TST, que explica que não basta apenas o laudo pericial para garantir o direito ao adicional, mas se faz necessário a atividade laboral constar na relação oficial do Ministério do Trabalho. Com informações da Assessoria de Imprensa do TST.
Clique aqui para ler a decisão do TST.
Recurso de Revista 231900-22.2008.5.02.0045

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

STF: MIN. LUIZ FUX NEGA PEDIDO DE INCLUSÃO EM OBRA DE MONTEIRO LOBATO

Negado pedido de inclusão de nota explicativa em livro de Monteiro Lobato

Caso chegou ao STF por um MS que questiona elementos racistas na obra do escritor.
terça-feira, 23 de dezembro de 2014

 
 
No último dia 19, o ministro Fux negou seguimento ao MS que pedia a inclusão de uma nota explicativa sobre racismo no livro "Caçadas de Pedrinho", de Monteiro Lobato, distribuído pelo governo Federal no Programa Nacional Biblioteca na Escola.




O caso chegou ao Supremo por meio de um MS de autoria do Iara - Instituto de Advocacia Racial e do técnico em gestão educacional Antônio Gomes da Costa Neto. Ambos afirmam que a obra de Monteiro Lobato possui "elementos racistas".
 
Ao citarem trechos do livro Caçadas de Pedrinho, dizem que "não há como se alegar liberdade de expressão em relação ao tema quando da leitura da obra se faz referências ao "negro" com "estereótipos fortemente carregados de elementos racistas".
 
Publicado em 1933, Caçadas de Pedrinho relata uma aventura da turma do Sítio do Picapau Amarelo à procura de uma onça-pintada. Entre os trechos que justificariam a conclusão de racismo estão alguns em que Tia Nastácia é chamada de negra. Outra parte diz: "Tia Nastácia, esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou que nem uma macaca de carvão".
 
Em relação aos animais, um exemplo mencionado é: "Não é à toa que os macacos se parecem tanto com os homens. Só dizem bobagens". Outro é: "Não vai escapar ninguém — nem Tia Nastácia, que tem carne preta".
 
O instituto e o técnico pretendiam anular ato homologatório do parecer do CNE - Conselho Nacional de Educação que liberou a adoção de livros do autor após cassar um primeiro posicionamento no sentido de que não fossem distribuídos a escolas públicas ou que trouxessem uma "nota explicativa" sobre estudos "que discutam a presença de estereótipos raciais na literatura". 

Eles requeriam, ainda, a "imediata formação e capacitação de educadores" para que a obra seja utilizada "de forma adequada na educação básica'.
 
O parecer contra a adoção do livro de Monteiro Lobato foi apresentado pelo CNE após Antônio Gomes da Costa Neto apresentar um pedido de providência perante a Secretaria de Políticas da Promoção da Igualdade Racial que, por sua vez, enviou manifestação ao Conselho.
"Reconhecendo a qualidade ficcional da obra de Monteiro Lobato, em especial, no livro Caçadas de Pedrinho e em outros similares, bem como o seu valor literário, é necessário considerar que somos sujeitos da nossa própria época e responsáveis pelos desdobramentos e efeitos das opções e orientações políticas, pedagógicas e literárias assumidas no contexto em que vivemos. Nesse sentido, a literatura, em sintonia com o mundo, não está fora dos conflitos, das hierarquias de poder e das tensões sociais e raciais nas quais o trato à diversidade se realiza."
Trecho do parecer do CNE

NOVO CPC E O PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO -DRA. ANA AMÉLIA.

FALTOU REGRAS

Ana Amelia: O novo CPC e o processo judicial eletrônico


O novo Código de Processo Civil pouco se ateve a tramitação processual por meio eletrônico, mesmo apesar dos sete anos de existência da Lei que instituiu o processo judicial informatizado.
A Lei 11.419/2006 se traduz em texto reduzido de 22 artigos, que delegou aos órgãos do Poder Judiciário sua regulamentação, no âmbito de suas respectivas competências.
Desde março de 2007 o exercício da advocacia em meio eletrônico se condiciona ao conhecimento da regulamentação concretizada por cada um dos 27 Tribunais de Justiça, pelos cinco Tribunais Regionais Federais, pelo Supremo Tribunal Federal, pelo Superior Tribunal de Justiça, além da Justiça Trabalhista, absolutamente díspares.
Invariavelmente a regulamentação protagonizada pelos Tribunais adentra a seara alheia, instituindo regras e exigências inexistentes no ecossistema do Direito Processual, fato que vem causando grave insegurança jurídica.
O novo CPC não trouxe a tão desejada unificação das regras e procedimentos da tramitação judicial por meio eletrônico. Perdeu-se rara oportunidade de exterminar essas dezenas de ilhas isoladas de normas internas.
Caberá ao Conselho Nacional de Justiça a competência de regulamentar supletiva aos tribunais quanto a prática e a comunicação oficial de atos processuais por meio eletrônico, cabendo velar pela compatibilidade dos sistemas, disciplinar a incorporação progressiva de novos avanços tecnológicos e editando, para esse fim, os atos que forem necessários, respeitadas as normas fundamentais do novo CPC.
Muito ainda será comentado e analisado. Viver para ver os resultados!
Selecionamos os artigos do novo CPC que fazem referência direta ao meio eletrônico. Clique aqui para ler. 
 é advogada do Barros Ribeiro Advogados Associados e diretora de inclusão digital da OAB-RJ.
Revista Consultor Jurídico, 22 de dezembro de 2014, 9h53

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

ELIANE BRUM - EXCELENTE CRÔNICA EM DEFESA DE UMA VIDA SEM AUTOAJUDA

Antiautoajuda para 2015

Em defesa do mal-estar para nos salvar de uma vida morta e de um planeta hostil. Chega de viver no modo avião


Não tenho certeza se esse ano vai acabar. Tenho uma convicção crescente de que os anos não acabam mais. Não há mais aquela zona de transição e a troca de calendário, assim como de agendas, é só mais uma convenção que, se é que um dia teve sentido, reencena-se agora apenas como gesto esvaziado. Menos a celebração de uma vida que se repactua, individual e coletivamente, mais como farsa. E talvez, pelo menos no Brasil, poderíamos já afirmar que 2013 começou em junho e não em janeiro, junto com as manifestações, e continua até hoje. Mas esse é um tema para outra coluna, ainda por ser escrita. O que me interessa aqui é que nossos rituais de fim e começo giram cada vez mais em falso, e não apenas porque há muito foram apropriados pelo mercado. Há algo maior, menos fácil de perceber, mas nem por isso menos dolorosamente presente. Algo que pressentimos, mas temos dificuldade de nomear. Algo que nos assusta, ou pelo menos assusta a muitos. E, por nos assustar, em vez de nos despertar, anestesia. Talvez para uma época de anos que, de tão acelerados, não terminam mais, o mais indicado seja não resoluções de ano-novo nem manuais sobre ser feliz ou bem sucedido, mas antiautoajuda.

Quando as pessoas dizem que se sentem mal, que é cada vez mais difícil levantar da cama pela manhã, que passam o dia com raiva ou com vontade de chorar, que sofrem com ansiedade e que à noite têm dificuldade para dormir, não me parece que essas pessoas estão doentes ou expressam qualquer tipo de anomalia. Ao contrário. Neste mundo, sentir-se mal pode ser um sinal claro de excelente saúde mental. Quem está feliz e saltitante como um carneiro de desenho animado é que talvez tenha sérios problemas. É com estes que deveria soar uma sirene e por estes que os psiquiatras maníacos por medicação deveriam se mobilizar, disparando não pílulas, mas joelhaços como os do Analista de Bagé, do tipo “acorda e se liga”. É preciso se desconectar totalmente da realidade para não ser afetado por esse mundo que ajudamos a criar e que nos violenta. Não acho que os felizes e saltitantes sejam mais reais do que o Papai Noel e todas as suas renas, mas, se existissem, seriam estes os alienados mentais do nosso tempo.

Olho ao redor e não todos, mas quase, usam algum tipo de medicamento psíquico. Para dormir, para acordar, para ficar menos ansioso, para chorar menos, para conseguir trabalhar, para ser “produtivo”. “Para dar conta” é uma expressão usual. Mas será que temos de dar conta do que não é possível dar conta? Será que somos obrigados a nos submeter a uma vida que vaza e a uma lógica que nos coisifica porque nos deixamos coisificar? Será que não dar conta é justamente o que precisa ser escutado, é nossa porção ainda viva gritando que algo está muito errado no nosso cotidiano de zumbi? E que é preciso romper e não se adequar a um tempo cada vez mais acelerado e a uma vida não humana, pela qual nos arrastamos com nossos olhos mortos, consumindo pílulas de regulação do humor e engolindo diagnósticos de patologias cada vez mais mirabolantes? E consumindo e engolindo produtos e imagens, produtos e imagens, produtos e imagens?
Neste mundo, sentir-se mal é sinônimo de excelente saúde mental
A resposta não está dada. Se estivesse, não seria uma resposta, mas um dogma. Mas, se a resposta é uma construção de cada um, talvez nesse momento seja também uma construção coletiva, na medida em que parece ser um fenômeno de massa. Ou, para os que medem tudo pela inscrição na saúde, uma das marcas da nossa época, estaríamos diante de uma pandemia de mal-estar. Quero aqui defender o mal-estar. Não como se ele fosse um vírus, um alienígena, um algo que não deveria estar ali, e portanto tornar-se-ia imperativo silenciá-lo. Defendo o mal-estar – o seu, o meu, o nosso – como aquilo que desde as cavernas nos mantém vivos e fez do homo sapiens uma espécie altamente adaptada – ainda que destrutiva e, nos últimos séculos, também autodestrutiva. É o mal-estar que nos diz que algo está errado e é preciso se mover. Não como um gesto fácil, um preceito de autoajuda, mas como uma troca de posição, o que custa, demora e exige os nossos melhores esforços. Exige que, pela manhã, a gente não apenas acorde, mas desperte.
Anos atrás eu escreveria, como escrevi algumas vezes, que o mal-estar desta época, que me parece diferente do mal-estar de outras épocas históricas, se dá por várias razões relacionadas à modernidade e a suas criações concretas e simbólicas. Se dá inclusive por suas ilusões de potência e fantasias de superação de limites. Mas em especial pela nossa redução de pessoas a consumidores, pela subjugação de nossos corpos – e almas – ao mercado e pela danação de viver num tempo acelerado.
Sobre essa particularidade, a psicanalista Maria Rita Kehl escreveu um livro muito interessante, chamado O Tempo e o Cão (Boitempo), em que reflete de forma original sobre o que as depressões expressam sobre o nosso mundo também como sintoma social. Logo no início, ela conta a experiência pessoal de atropelar um cachorro na estrada – e a experiência aqui não é uma escolha aleatória de palavra. Kehl viu o cachorro, mas a velocidade em que estava a impedia de parar ou desviar completamente dele. Conseguiu apenas não matá-lo. Logo, o animal, cambaleando rumo ao acostamento, ficou para trás no espelho retrovisor. É isso o que acontece com as nossas experiências na velocidade ditada por essa época em que o tempo foi rebaixado a dinheiro – uma brutalidade que permitimos, reproduzimos e com a qual compactuamos sem perceber o quanto de morte há nessa conversão.
Defendo o mal-estar como aquilo que nos mantém vivos desde as cavernas
Sobre a aceleração, diz a psicanalista: “Mal nos damos conta dela, a banal velocidade da vida, até que algum mau encontro venha revelar a sua face mortífera. Mortífera não apenas contra a vida do corpo, em casos extremos, mas também contra a delicadeza inegociável da vida psíquica. (...) Seu esquecimento (do cão) se somaria ao apagamento de milhares de outras percepções instantâneas às quais nos limitamos a reagir rapidamente para em seguida, com igual rapidez, esquecê-las. (...) Do mau encontro, que poderia ter acabado com a vida daquele cão, resultou uma ligeira mancha escura no meu para-choque. (...) O acidente da estrada me fez refletir a respeito da relação entre as depressões e a experiência do tempo, que na contemporaneidade praticamente se resume à experiência da velocidade”. O que acontece com as manchas escuras, com o sangue deixado para trás, dentro e fora de nós? Não são elas que nos assombram nas noites em que ofegamos antes de engolir um comprimido? Como viver humanamente num tempo não humano? E como aceitamos ser submetidos à bestialidade de uma vida não viva?
Hoje me parece que algo novo se impõe, intimamente relacionado a tudo isso, mas que empresta uma concretude esmagadora e um sentido de urgência exponencial a todas as questões da existência. E, apenas nesse sentido, algo fascinante. A mudança climática, um fato ainda muito mais explícito na mente de cientistas e ambientalistas do que da sociedade em geral é esse algo. A evidência de que aquele que possivelmente seja o maior desafio de toda a história humana ainda não tenha se tornado a preocupação maior do que se chama de “cidadão comum” é não uma mostra de sua insignificância na vida cotidiana, mas uma prova de sua enormidade na vida cotidiana. É tão grande que nos tornamos cegos e surdos.
Como nos submetemos a viver num tempo acelerado e não humano?
Em uma entrevista recente, aqui publicada como “Diálogos sobre o fim do mundo”, o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro evoca o pensador alemão Günther Anders (1902-1992) para explicar essa alienação. Anders afirmava que a arma nuclear era uma prova de que algo tinha acontecido com a humanidade no momento em que se mostrou incapaz de imaginar os efeitos daquilo que se tornou capaz de fazer. Reproduzo aqui esse trecho da entrevista: “É uma situação antiutópica. O que é um utopista? Um utopista é uma pessoa que consegue imaginar um mundo melhor, mas não consegue fazer, não conhece os meios nem sabe como. E nós estamos virando o contrário. Nós somos capazes tecnicamente de fazer coisas que não somos nem capazes de imaginar. A gente sabe fazer a bomba atômica, mas não sabe pensar a bomba atômica. O Günther Anders usa uma imagem interessante, a de que existe essa ideia em biologia da percepção de fenômenos subliminares, abaixo da linha de percepção. Tem aquela coisa que é tão baixinha, que você ouve mas não sabe que ouviu; você vê, mas não sabe que viu; como pequenas distinções de cores. São fenômenos literalmente subliminares, abaixo do limite da sua percepção. Nós, segundo ele, estamos criando uma outra coisa agora que não existia, o supraliminar. Ou seja, é tão grande, que você não consegue ver nem imaginar. A crise climática é uma dessas coisas. Como é que você vai imaginar um troço que depende de milhares de parâmetros, que é um transatlântico que está andando e tem uma massa inercial gigantesca? As pessoas ficam paralisadas, dá uma espécie de paralisia cognitiva”.
O fato de se alienar – ou, como fazem alguns, chamar aqueles que apontam para o óbvio de “ecochatos”, a piada ruim e agora também velha – nem impede a corrosão acelerada do planeta nem a corrosão acelerada da vida cotidiana e interna de cada um. O que quero dizer é que, como todos os nossos gritos existenciais, o fato de negá-los não impede que façam estragos dentro de nós. Acredito que o mal-estar atual – talvez um novo mal-estar da civilização – é hoje visceralmente ligado ao que acontece com o planeta. E que nenhuma investigação da alma humana desse momento histórico, em qualquer campo do conhecimento, possa prescindir de analisar o impacto da mudança climática em curso.
De certo modo, na acepção popular do termo “clima”, referindo-se ao estado de espírito de um grupo ou pessoa, há também uma “mudança climática”. Mesmo que a maioria não consiga nomear o mal-estar, desconfio que a fera sem nome abra seus olhos dentro de nós nas noites escuras, como o restante dos pesadelos que só temos quando acordados. Há esse bicho que ainda nos habita que pressente, mesmo que tenha medo de sentir no nível mais consciente e siga empurrando o que o apavora para dentro, num esforço quase comovente por ignorância e anestesia. E a maior prova, de novo, é a enormidade da negação, inclusive pelo doping por drogas compradas em farmácias e “autorizadas” pelo médico, a grande autoridade desse curioso momento em que o que é doença está invertido.
O novo mal-estar da civilização está hoje ligado à mudança climática
São Paulo é, no Brasil, a vitrine mais impressionante dessa monumental alienação. A maior cidade do país vem se tornando há anos, décadas, um cenário de distopia em que as pessoas evoluem lentamente entre carros e poluição, encurraladas e cada vez mais violentas nos mínimos atos do dia a dia. No último ano, a seca e a crise da água acentuaram e aceleraram a corrosão da vida, mas nem por isso a mudança climática e todas as questões socioambientais relacionadas a ela tiveram qualquer impacto ou a mínima relevância na eleição estadual e principalmente na eleição presidencial. Nada. A maioria, incluindo os governantes, sequer parece perceber que a catástrofe paulista, que atinge a capital e várias cidades do interior, é ligada também à devastação da Amazônia. O tal “mundo como o conhecemos” ruindo e os zumbis evolucionando por ruas incompatíveis com a vida sem qualquer espanto. Nem por isso, ouso acreditar, deixam sequer por um momento de ser roídos por dentro pela exterioridade de sua condição. A vida ainda resiste dentro de nós, mesmo na Zumbilândia. E é o mal-estar que acusa o que resta de humano em nossos corpos.
É de um cientista, Antonio Nobre, um texto fundamental. Ler “O futuro climático da Amazônia” não é uma opção. Faça um favor a si mesmo e reserve uma hora ou duas do seu dia, o tempo de um filme, entre na internet e leia as 40 páginas escritas numa linguagem acessível, que faz pontes com vários campos do conhecimento. Há trechos de grande beleza sobre a maior floresta tropical do planeta, território concreto e simbólico sobre o qual o senso comum, no Brasil alimentado pela propaganda da ditadura civil-militar, construiu uma ideia de exploração e de nacionalismos que só vigora até hoje por total desconhecimento. É também por ignorância nossa que o atual governo, reeleito para mais um mandato, comanda na Amazônia seu projeto megalômano de grandes hidrelétricas com escassa resistência. E causa, agora, neste momento, um desastre ambiental de proporções não mensuradas em vários rios amazônicos e o etnocídio dos povos indígenas da bacia do Xingu.
A Amazônia sobreviveu por 50 milhões de anos a meteoros e glaciações, mas em menos de 50 anos está ameaçada por ação humana
Antonio Nobre mostra como uma floresta com um papel – insubstituível – na regulação do clima do Brasil e do planeta teve, nos últimos 40 anos, 762.979 quilômetros quadrados desmatados: o equivalente a três estados de São Paulo ou duas Alemanhas. Ou o equivalente a mais de 12 mil campos de futebol desmatados por dia, mais de 500 por hora, quase nove por minuto. Somando-se a área de desmatamento corte raso com a área degradada, alcançamos a estimativa aterradora de que, até 2013, 47% da floresta amazônica pode ter sido impactada diretamente por atividade humana desestabilizadora do clima. “A floresta sobreviveu por mais de 50 milhões de anos a vulcanismos, glaciações, meteoros, deriva do continente”, escreve Nobre. “Mas em menos de 50 anos está ameaçada pela ação de humanos.” A Amazônia dá forma ao momento da História em que a humanidade deixa de temer a catástrofe para se tornar a catástrofe.
Como é possível que isso aconteça bem aqui, agora, e tão poucos se importem? Se não despertarmos do nosso torpor assustado, nossos filhos e netos poderão viver e morrer não com a Amazônia transformada em savana, mas sim em deserto, com gigantesco impacto sobre o clima do planeta e a vida de todas as espécies. Para se ter uma ideia da magnitude do que estamos fazendo, por ação ou por omissão, por alienação, anestesia ou automatismo, alguns dados. Uma árvore grande transpira mais de mil litros de água por dia. A cada 24 horas a floresta amazônica lança na atmosfera, pela transpiração, 20 bilhões de toneladas de água – ou 20 trilhões de litros de água. Para se ter uma ideia comparativa, o rio Amazonas lança menos que isso – cerca de 17 bilhões de toneladas de água por dia– no oceano Atlântico. Não é preciso ser um cientista para imaginar o que acontecerá com o planeta sem a floresta.
Nobre defende que já não basta zerar o desmatamento. Alcançamos um nível de destruição em que é preciso regenerar a Amazônia. A floresta não é o “pulmão do mundo”, ela é muito mais do que isso: é o seu coração. Não como uma frase ultrapassada e clichê, mas como um fato científico. É o mundo e não só o Brasil que precisa se engajar nessa luta: o cientista defende que, se não quisermos alcançar o ponto de não retorno, deveríamos empreender – já, agora – um esforço de guerra: começando por uma guerra contra a ignorância. Fazer uma campanha tão forte e eficaz como aquela contra o tabaco. Isso, claro, se quisermos continuar a viver.
Se não quisermos alcançar um ponto de não retorno, é preciso deixar de viver no modo avião
Nessa época de tanta conexão, em que a maioria passa quase todo o tempo de vigília conectado na internet, há essa desconexão mortífera com a realidade do planeta – e de si. Como cidadão, a maioria no máximo recicla o seu lixo, achando que está fazendo um enorme esforço, mas não se informa nem participa dos debates e das decisões sobre as questões do clima, da Amazônia e do meio ambiente. Neste e em vários sentidos, é como existir no “modo avião” do celular. Um estar pela metade, o suficiente apenas para cumprir o mínimo e não se desligar por completo. Um contato sem contato, um toque que não toca nem se deixa tocar. Um viver sem vida.
É preciso sentir o mal-estar. Sentir mesmo – e não silenciá-lo das mais variadas maneiras, inclusive com medicação. Ou, como diz a pensadora americana Donna Haraway: “É preciso viver com terror e alegria”.
Só o mal-estar pode nos salvar.
 
Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficção Coluna Prestes - o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua, A Menina Quebrada, Meus Desacontecimentos e do romance Uma Duas. Site: elianebrum.com Email: elianebrum.coluna@gmail.com Twitter: @brumelianebrum

domingo, 21 de dezembro de 2014

POLÊMICA DO NOVO CPC, POR FREDERICO VASCONCELOS.

PerfilFrederico Vasconcelos é repórter especial da Folha

 Novo CPC: "Muito barulho por nada"
Por Frederico Vasconcelos
26/08/14 17:38
Ouvir o texto
Sob o título “Mudar para pior”, o artigo a seguir é de autoria de Vilian Bollmann, Juiz Federal, titular da 3ª Vara Federal de Blumenau, Santa Catarina.(*)
Vilian Bollmann
Prepare-se leitor que algum dia vier a precisar do Judiciário para restaurar um direito violado por uma operadora de telefonia, um banco, um plano de saúde ou alguém que lhe provocar um acidente de trânsito ou qualquer tipo de dano. Esqueçam a redução do número de recursos. Esqueçam, também, medidas mais duras contra aqueles que atrasam o processo. O projeto de novo Código de Processo Civil não traz nada disso. Aguardando a votação no Senado Federal das alterações trazidas pela Câmara dos Deputados, o substitutivo do PLS 166, de 2010, consegue a proeza de não só evitar mudanças substanciais no modo de ser dos rituais já caducos, como também traz inovações bisonhas e ressuscita antigas práticas que só retardam a marcha dos processos. Fugindo do juridiquês, para que o leigo possa entender o que está em gestação, o exame do PLS, na sua redação atual, mostra que serão mantidos os recursos que já existem e também criados novos casos, seja para ampliar os embargos de declaração, seja pela introdução de figuras curiosas.
A ideia de reforma do Código de Processo Civil poderia ter sido uma oportunidade de reduzir os vários procedimentos existentes e simplificá-los para três (um individual, com rito semelhante ao dos juizados especiais, um coletivo e um sumário documental, como o do mandado de segurança), padronizando rotinas com ganho de produtividade; porém, não só perdeu esta chance como manteve vários procedimentos especiais. Poderia ter adotado soluções já exitosas, como a irrecorribilidade das interlocutórias (exemplo dos processos trabalhistas e dos juizados) ou depósito recursal (para privilegiar o credor), mas preferiu repetir o modelo do Código de 1973, já com quarenta anos de idade, e introduzir novos gargalos.
Um exemplo claro de retrocesso é a introdução de um “embargos infringentes de ofício” disfarçado no art. 955, pelo qual, havendo um voto divergente, o órgão terá de chamar outros desembargadores para garantir possibilidade de mudança do julgamento. Ou seja, não basta o julgamento pelo juiz de primeiro grau e nem a confirmação por dois dos três desembargadores; agora, o processo terá de ser pausado para que se chamem outros dois desembargadores para que analisem tudo de novo. Ao invés de simplificar um recurso, complicaram e ainda o tornaram mais devagar. Mais um retrocesso recursal é a previsão geral de efeito suspensivo às apelações.
Outras mudanças curiosas, que isoladas até não chamariam tanto a atenção, mas que em conjunto provocarão atraso fantástico nas mãos de quem queira prolongar o processo são [1] a determinação de que as sentenças terão não só de resolver o processo (como o fazem hoje em dia), mas também a responder longos questionários, ainda que protelatórios e irrelevantes ao julgamento do processo (Art. 499), e [2] a necessidade de dar vista aos advogados de fundamentos que estes não tenham trazido ao processo (art. 10 e 504). Em resumo, ao contrário do que acontece atualmente – em que o juiz julga o caso conforme a Constituição e a Lei -, no futuro, ao ter em mãos o processo para sentenciar, o juiz terá não só de aplicar a lei aos fatos, como também terá de verificar se as normas e os julgados dos tribunais foram citados pelas partes, pois, se não o foram, é obrigado a reabrir o processo para que estes possam examiná-los e se pronunciar previamente, gerando, na prática, uma espécie de recurso antecipado contra a decisão antes mesmo de ela ser proferida (atrasando o processo) e, ainda, a chance de mais novos argumentos e teses que terão de ser examinadas (ainda que irrelevantes ao caso) e, que, por sua vez, poderão determinar nova vista, com novas manifestações, etc.
Ou seja, a oportunidade para um verdadeiro ciclo infinito para advogados que, percebendo que perderão a causa, tenham capacidade de gerar incidentes para evitar o fim útil. Num exemplo grosseiro – mas possível diante do projeto – num acidente de trânsito comum, mesmo com todas as provas dizendo que o réu foi o culpado, se este alegar que um marciano provocou o acidente, o juiz terá de examinar este “argumento”. E se o juiz embasar sua decisão num julgado do STF que não foi citado no processo, terá de abrir vista às partes para debaterem esta decisão, dando nova oportunidade para novas teses, e assim por diante. Como não há sanção adequada à litigância de má-fé, o processo andará em círculos, tal qual um cachorro tentando morder o próprio rabo.
Aliás, nada de relevante alterado na sistemática da imposição de multas ao litigante de má-fé, que, como regra geral, depois do processo terminar, serão executadas como dívida ativa (art. 77, §3º). Ou seja, condenado durante o processo, a parte terá ainda mais interesse em evitar o fim deste, pois só pagará a sanção ao final. Isso se pagar, pois, como é da praxe forense, as execuções fiscais de valores inferiores a limites fixados pelo Executivo acabam sendo arquivadas. Se quisesse mesmo reduzir as chicanas processuais, o projeto teria autorizado multas maiores – e progressivas – bem como a sua cobrança antecipada.
Curiosamente, também contra a efetividade do processo, ou seja, prejudicando aquele que teve seus direitos violados e busca reparação na Justiça, mas dando mais chances aos devedores, o projeto de CPC inova ao criar um incidente de desconsideração da personalidade jurídica (art. 133) (dando tempo ao fraudador esconder seus bens até que este incidente se resolva), inclusive para os juizados especiais (art. 1074) e também proíbe que sejam dadas liminares para bloquear o dinheiro ou aplicação financeira do devedor (art. 298, par. único).
Houve várias outras mudanças aparentemente pequenas, mas que gerarão no mínimo incoerência lógica, e, na prática, atrasos ao processo, tais como a inovação que começou interessante, mas terminou esdrúxula: a redistribuição do ônus da prova, isto é, a possibilidade de o juiz mudar o dever de provar de uma das partes para a outra (art. 380); e complicado ficou porque se o juiz mudou o ônus da prova por existir dificuldade para a parte, o código previu, de forma curiosa, que não poderá fazê-lo se este ônus ficar excessivamente difícil para a outra parte; ou seja, se autor e réu disserem que não têm como fazer a prova, teremos outro ciclo contínuo de debates.
Diga-se de passagem que há flagrante inconstitucionalidade de produção da prova antecipada contra a União na Justiça Estadual (art. 388, §4º), outra medida que gerará prejuízo prático a diversas pessoas até que venha uma decisão final do STF.
Uma alteração na Câmara que produzirá flagrante injustiça é a inversão da capacidade de o juiz verificar os pedidos de gratuidade de justiça. Se antes o juiz poderia determinar que a parte que pede gratuidade de justiça deva comprovar a sua renda e suas despesas; agora, se a parte contrária não pedir, o juiz está impedido de fazê-lo (art. 99, §1º); logo, como infelizmente ocorre várias vezes na prática, se uma empresa notoriamente conhecida como lucrativa ou profissional de alta renda solicitar que lhe sejam pagas todas as despesas e a outra parte não perceber, o Estado (e o contribuinte) terão de suportar este ônus financeiro.
O regramento dos conciliadores e mediadores é outra medida que produzirá grandes prejuízos e da qual já se antevê a multiplicação de mecanismos de fraudes. Isso porque o projeto cria a proeza de instituir um cadastro aberto para qualquer um se inscrever – bastando ter feito curso a ser pago pelo próprio Estado (art. 168, § 1º) – que serão indicados de forma aleatória para atuar nos processos (art. 168, §2º), em regra em local diverso e longe da fiscalização do juízo (art.  166, §2º) e de forma confidencial (art. 167, §1º). Melhor receita para abrir as portas às fraudes contra a população menos conhecedora de direitos não há ! Por desconhecer a prática do que ocorre no Brasil, o projeto aparentemente não permite a conciliação ou mediação por juízes (art. 166, §2º), ignorando vários exemplos de sucesso nesta área, tais como as milhares de conciliações em SFH oriundas de experiências de sucesso originadas em 2003 pela Justiça Federal da Quarta Região, o início dos juizados de pequenas causas em 1982, por obra de juízes estaduais de Rio Grande (RS), a conciliação nas ações de desapropriação para duplicação da BR 101 e tantas outras. Não se nega que possam atuar conciliadores e mediadores, mas vedar a participação dos juízes e querer que aqueles atuem de forma sigilosa, sem fiscalização, é, infelizmente, abrir as portas para a fraude. Basta uma singela pesquisa na internet pelos termos “fraude juiz arbitral” ou “picarbitragem” e são apontados desdobramentos que vão desde apreensão de centenas de carteiras de “juiz arbitral” (inclusive possibilitando porte de arma de fogo), vendas de cursos ou expedição de citações e intimações com ameaça de condução coercitiva. Não é à toa que o CNJ, no passado, foi acionado pela OAB justamente para investigar entidades deste quilate; entendendo ser ilegal o uso de carteiras funcionais, utilização de armas da república e denominação de juiz ou tribunal, o CNJ encaminhou para o Ministério Publico cópias daquelas acusações (CNJ, PP 0006866-39.2009.2.00.0000).
Uma das grandes “novidades” que surgiriam como novo Código já são previsões que existem: a suspensão de processos que tratam de matéria conhecida no STF como repercussão geral e no STJ como recurso repetitivo. Além de nãos serem mais uma novidade – e por isso não justificarem todo um novo código – estes institutos, na prática, representam um problema prático que ainda não está equacionado. O primeiro deles, que já acontece diariamente, é a suspensão de milhares de processos deixando as partes a aguardar uma solução que poderá levar anos pelo STF. Como o número de questões em repercussão geral admitidos pelo STF (524, ou seja, 69,4 % dos pedidos) é bem maior do que o número julgado (185, apenas 35,37 %), a perspectiva é a de que as pessoas levem anos aguardando uma solução. O exemplo mais claro disso é a pendência do exame da eficácia, ou não, dos equipamentos de proteção para evitar o reconhecimento de tempo de atividade para aposentadoria especial: há milhares de processos aguardando e pessoas esperando para saber se vão, ou não, se aposentar. O segundo problema é que, se e quando julgadas cada uma destas questões, haverá a necessidade de avaliar em cada processo qual a repercussão do julgado do STF/STJ, bem como verificar as consequências individualizadas – imagine, caro leitor, no exemplo de processos previdenciários parados por vários anos, milhares de situações sendo analisados uma a uma para verificar se em cada um deles calcular o tempo que resultou do julgado e verificar se houve outro(s) pedido(s) de aposentadoria concedido(s) neste intervalo de tempo para fazer a compensação de valores devidos ? Aquilo que poderia ser feito pouco a pouco terá de ser feito em lote, ocupando todos os juízes e servidores por tempo incalculável.  E apesar dos problemas já perceptíveis em pouco tempo, esta sistemática adotada no STF e no STJ será reproduzida aos Tribunais !
É bem verdade que tais circunstâncias não decorrem do projeto em si, mas elas são um claro sinal dos problemas que surgem com reformas feitas com pensamento teórico e pouco pragmático. Neste passo, não se pode deixar de lamentar que, ao contrário de outros países realmente federativos, em que o Direito pode e deve se atentar às circunstâncias de cada lugar, o Brasil se constitui num estado cada vez mais centralizado. Isso gera um paradoxo: a mesma Constituição que exalta o princípio federativo (art. 18 e art. 60, §4º, I) e reconhece as desigualdades regionais que precisam ser reduzidas (art. 3º, III), prevê um Tribunal Superior para manter uma uniformização da interpretação do direito federal – STJ – e um mecanismo para cassar decisões que tenham aplicado a lei de forma diferente – Recurso Especial (art. 105, III, c). Contudo, como imaginar uma aplicação totalmente igual para a regra de que o tempo de serviço exige prova material (art. 55, §3º, Lei 8213/1991) na região metropolitana de São Paulo e para as populações ribeirinhas do Amazonas, que sequer têm certidões de nascimento ? Como pressupor que uma linha de pobreza imaginária de renda per capita seja a mesma para Brasília e para o interior mineiro de Itinga, no coração do Vale do Jequitinhonha, com uma das menores rendas do país ? Os crimes de proteção dos costumes, o reconhecimento de “contratos verbais” e outros fatos sociais devem ter a mesma interpretação em cidades de dez mil habitantes, no interior do país, que é dada nas capitais ?  A aplicação da lei deve desconhecer que vivemos num país com tantas desigualdades econômicas, sociais, educacionais e de oportunidades ?
Para que não se diga que todas as “inovações” são ruins, há itens que poderão auxiliar, como a previsão de gravação audiovisual das audiências (art. 374,§5º) – a exemplo do que ocorre atualmente nos processos penais – e uma regulamentação da fixação de honorários advocatícios (art. 85), que, porém, poderiam ter sido inseridos no atual CPC sem criar todo um novo diploma legal para isso.
Por fim, sobrevoando as reflexões apresentadas, é possível traçar algumas conclusões. A primeira é a de o projeto de novo Código de Processo Civil não trará mudanças estruturais simplificadoras do “modo de ser” do processo, optando por mudanças no geral cosméticas, de aparência. A segunda é a de que trará mudanças que, em vez de acelerar os processos, irão criar mais incidentes e demoras na resolução, em prejuízo ao cidadão que teve seu direito violado. O projeto será lançado com festa – mas nada alterará – e produzirá diversos livros novos e palestras ou cursos a serem realizados. Em conclusão, “muito barulho por nada”, parodiando famosa peça de Shakespeare; se aprovado, o novo CPC confirmará a máxima de que nada é tão ruim que não possa piorar.
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(*) O autor é Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Autor dos livros “Novo código civil: princípios, inovações na parte geral e direito intertemporal”, “Juizados Especiais Federais: comentários à legislação de regência”, “Hipótese de Incidência Previdenciária e temas conexos” e “Justiça e Previdência”. Email: vilianbollmann@yahoo.com.br. Blog: http://ajusticaodireitoealei.blogspot.com. Currículo completo: http://lattes.cnpq.br/7997873485511196.

sábado, 20 de dezembro de 2014

STF: ADIADA A DISCUSSÃO SOBRE O REGIME DE PAGAMENTO DE PRECATÓRIOS

TAXA DE CORREÇÃO

Supremo adia outra discussão sobre regime de pagamento de precatórios


O Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu não discutir se a União pode ou não usar a Taxa Referencial (TR) para calcular os juros de seus precatórios. A questão está inserida no contexto da decisão do Supremo de declarar inconstitucional a Emenda Constitucional 62, que trata do regime especial de pagamento de precatórios. O Pleno decidiu adiar o julgamento pautado para esta quinta-feira (18/12) diante do compromisso do ministro Dias Toffoli (foto) de levar seu voto-vista a respeito da modulação dos efeitos da decisão sobre a EC 62 no início de fevereiro.
A discussão desta quinta estava posta em Ação Cautelar ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. A motivação foi uma liminar da corregedora nacional de Justiça, ministra Nancy Andrighi. Em outubro deste ano, ela entendeu que é ilegal a Lei de Diretrizes Orçamentárias da União de 2014, que determina o cálculo dos juros legais de precatórios federais de acordo com Índice de Preço ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E), apurado pelo IBGE.
Nancy se baseou no entendimento do Supremo na ADI 4.357, que cassou a Emenda dos Precatórios. A norma determinava que os juros legais dos precatórios deveriam ser pagos de acordo com a TR, a taxa usada para calcular o rendimento da poupança. Como a poupança rende menos que a inflação, o STF entendeu que a situação levava os devedores a pagar menos do que devem. Foi determinado o uso da mesma taxa de cálculo do rendimento da inflação.
Como o STF não discutiu a partir de quando valem os efeitos da declaração de inconstitucionalidade da Emenda 62, estados e municípios decidiram não pagar. Alegaram indefinição quanto à forma de cálculo das parcelas. A saída encontrada pelo ministro Luiz Fux foi proferir uma liminar, depois ratificada pelo Plenário, determinando aos estados e cidades que continuem pagando de acordo com o regime especial descrito na EC 62 até que o Supremo decida pela modulação dos efeitos.
Fux não se referiu à União em sua liminar, já que o governo federal está em dia com suas dívidas com particulares. Mas a ministra Nancy Andrighi (foto) entendeu que a LDO, ao falar no uso do IPCA-E, ofende uma decisão do Supremo e faz com que a União pague mais do que deve em seus precatórios. Segundo as contas da OAB, esse “valor a mais” corresponde a cerca de R$ 5 bilhões.
O Congresso, ao editar a LDO de 2014, se baseou no entendimento do Supremo de que o uso da TR para o cálculo de juros em precatórios é inconstitucional. Usou, então, uma taxa usada pelo IBGE para apurar a inflação do ano. A ministra Nancy entendeu que essa conta prejudica os cofres públicos.
Questões monocráticas
Diante da liminar da ministra Nancy, a ministra Laurita Vaz, que presidia o Conselho da Justiça Federal interinamente, determinou a suspensão das parcelas de 2014 de todos os precatórios federais. Ou seja, os únicos precatórios que estavam em dia deixaram de estar.
A OAB alega que a ministra Nancy partiu de uma “interpretação equivocada”. A decisão dela foi tomada depois de uma inspeção da Corregedoria Nacional de Justiça no Tribunal Regional Federal da 1ª Região. E no relatório da inspeção, Nancy Andrighi escreve que “constata-se que na totalidade dos precatórios analisados, pagos na forma parcelada, aplicaram-se juros sobre juros, materializando-se o anatocismo”.
Pela regra do pagamento de precatórios, quem calcula o montante da dívida é o devedor. E como a LDO fala em IPCA-E, a União calculava os juros legais de acordo com esse índice (que já se baseou no que decidiu o STF). E como é o Judiciário o responsável por fazer o pagamento do precatório, pagava de acordo com os valores apurados com o uso do IPCA-E.
De acordo com Nancy Andrighi, “a aplicação do indexador IPCA-E, em contrariedade à decisão cautelar do STF e do ordenamento constitucional vigente, que determina que o índice de atualização a ser aplicado deve ser a TR, até a modulação dos efeitos da decisão nas ADIs 4357 e 4425”.
Carona
Na rápida discussão desta quinta no Plenário, o ministro Fux (foto) adiantou que a União estava tentando “pegar carona” numa decisão judicial que não se referia a ela. O ministro Luis Roberto Barroso completou: “Difícil de aceitar”.
Os ministros desistiram de entrar na discussão posta na cautelar depois de o ministro Teori Zavascki alertar que há duas formas de cálculo de precatório em vigor, uma para a União e outra para os estados e municípios. E o “culpado” por essa situação é o Supremo, que tarda em modular os efeitos de sua decisão sobre o regime especial de pagamento. “Temos que modular de uma vez por todas”, disse o ministro.
A questão está parada por causa de pedido de vista do ministro Dias Toffoli, também presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Na sessão desta quinta, ele justificou que acumulou uma série de funções durante este ano, e preferiu não votar sem ter estudado a fundo o assunto. Comprometeu-se a “sacrificar uma parte das férias” para trazer seu voto-vista o mais cedo possível, já em fevereiro.
Meses de trabalho
A expectativa agora é que o ministro Fux conceda uma liminar na Ação Cautelar ajuizada pela OAB. E que ele concorde com seus argumentos.
O receio é que a Advocacia-Geral da União entre com algum pedido cautelar durante o recesso, o que levaria o caso ao presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski. Em tese, problema nenhum, mas não se sabe para que lado da discussão pende o presidente.
Foi a AGU quem levou o caso ao Conselho da Justiça Federal e reclamou do uso do IPCA-E. Pediu que a orientação fosse que o uso do IPCA-E ficasse suspenso enquanto não fosse decidia a modulação pelo Supremo.
Como a AGU entrou na discussão e como a taxa descrita na LDO causa “prejuízo” à União, a análise que se faz é que a Fazenda está discretamente tentando contribuir para aumentar o superávit primário.
 é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Revista Consultor Jurídico, 18 de dezembro de 2014, 19h56