quinta-feira, 27 de março de 2014

TEMPO GASTO PARA RESOLVER PROBLEMA DE CONSUMO DEVE SER INDENIZADO?

Penso que é um grande passo da jurisprudência no avanço da responsabilidade civil.
 
Quantas vezes o consumidor não procura seus direitos, porque o tempo a ser dispendido para correr atrás, as idas e vindas aos órgãos de atendimento, a espera em fila, ao telefone, o preparo de documento etc ...acaba sendo mais dispendioso que o valor do prejuízo por defeito ou inutilidade do objeto, ou do serviços mas feito.
 
A pessoa acaba deixa prá lá.
 
Agora, se esse tempo e desgaste for também indenizado (para se somar ao valor da mercadoria), não há dúvida que o consumidor se sentirá plenamente ressarcido e terá mais interesse em buscar a reparação.
 
É o "desvio produtivo", isto é, você poderia fazer algo produtivo, enquanto está atrás de resolver um problema criado pelo fornecedor, fabricante ou comerciante.
 
É isso aí, vale a penas aprofundar o sentido da ampla reparação por "desvio produtivo", só assim as empresas de telefonia, bancos, tv paga, escolas etc vão respeitar o consumidor.
 
Eis aí o texto da notícia
 
 
 
Caminho da jurisprudência

Tempo gasto em problema de consumo deve ser indenizado

 
Geralmente tratado como mero aborrecimento pelos tribunais, o tempo gasto para se resolver um problema de consumo é indenizável. Isso é o que vêm garantindo acórdãos recentes, que representam uma mudança de rumo na jurisprudência sobre o assunto. De casos que envolvem demora em fila de banco a devolução de parcelas pagas em cursos, desembargadores já aceitam a tese do chamado “desvio produtivo” para justificar a reparação moral do consumidor. Em síntese, os julgados responsabilizam o fornecedor pelo tempo gasto para se resolver os problemas que eles mesmos causaram.
“O desvio produtivo caracteriza-se quando o consumidor, diante de uma situação de mau atendimento, precisa desperdiçar o seu tempo e desviar as suas competências — de uma atividade necessária ou por ele preferida — para tentar resolver um problema criado pelo fornecedor, a um custo de oportunidade indesejado, de natureza irrecuperável”, explica o advogado capixaba Marcos Dessaune (foto), autor da tese Desvio Produtivo do Consumidor: o prejuízo do tempo desperdiçado, que começou a ser elaborada em 2007 e foi publicada em 2011 pela editora Revista dos Tribunais.
Com base neste fundamento, a 27ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro condenou, no último mês de janeiro, uma rede de lojas a indenizar em R$ 5 mil um consumidor por conta de um defeito em um aparelho celular de R$ 246,90, que apresentou defeito dois dias após a compra. A loja pretendia cobrar R$ 60 pelo reparo. O consumidor recorreu à Justiça e, em 1ª instância, o tempo gasto foi considerado simples aborrecimento cotidiano. No TJ-RJ, o entendimento mudou, a favor do consumidor.
A tese tem sido recorrente no colegiado da corte fluminense. Em outros três casos em que foi relator, o desembargador Fernando Antonio de Almeida aplicou o entendimento para condenar as empresas a indenizar os consumidores em casos de demora de reembolso de mensalidade, tempo gasto em fila de banco e cobrança de cartão falsificado.
“A perda de tempo da vida do consumidor em razão do mau atendimento de um fornecedor não é mero aborrecimento do cotidiano, mas verdadeiro impacto negativo em sua vida, que é obrigado a perder tempo de trabalho, tempo com sua família, tempo de lazer, em razão de problemas gerados pelas empresas”, apontam os acórdãos do TJ-RJ.
Horas irrecuperáveis
Se o tempo não é um bem jurídico tangível e expressamente previsto na Constituição, as decisões demonstram que ele pode ser englobado na figura do dano moral. Dessaune explica, entretanto, que a reparação pelo “desvio produtivo” não deve ser confundida com o “dano punitivo”, utilizado para, além da indenização, punir a empresa e coibir novos casos. “O tempo é finito, inacumulável e irrecuperável”, diz.
O advogado explica que, ao contrário da dor e sofrimento abrangidos pela reparação moral, o tempo é mensurável. Isso pode ser feito, por exemplo, com o registro de ligações aos serviços de atendimento ao consumidor. Além da demonstração por parte do consumidor, isso também pode ser estimado com a inversão do ônus da prova em seu favor, o que já é previsto pelo Código de Defesa do Consumidor.
Dessaune também afasta o argumento mais conservador de que a aplicação de sua tese abriria precedente para uma enxurrada de ações que sobrecarregariam o tribunais. "Se os fornecedores não cumprem a lei espontaneamente, só resta aos consumidores lesados fazerem valer seus direitos por intermédio dos Procons e do Poder Judiciário". E o efeito, acrescenta ele, poderá ser até o oposto: condenações morais mais elevadas previnem que novos casos se repitam e a tendência é a diminuição das demandas.
No Tribunal de Justiça de São Paulo, a 5ª Câmara de Direito Privado condenou um fabricante de eletrodomésticos pela demora de seis meses no reparo de uma máquina de lavar. “Sabe-se por evidente presunção hominis que o consumidor quando acusa o vício do produto, lhe é imposta uma verdadeira via crucis para tentar exigir do fornecedor a devolução do valor pago ou ao menos o conserto do defeito”, registra o desembargador Fabio Podestá, no acórdão.
Em análise de um recurso de uma companhia de TV paga condenada pela cobrança indevida após cancelamento de assinatura, a 3ª Turma Recursal Cível de Porto Alegre levou em consideração o tempo gasto pelo usuário como agravante da situação. “Quanto a ocorrência do dano moral, acrescento que, diante da não resolução do problema no trintídio, o que forçou o consumidor a ingressar em juízo, acarretando o agravamento da condição de vulnerabilidade técnica, jurídica e econômica”, escreveu o relator Fabio Vieira Heerdt.
A teoria não se aplica somente ao tempo gasto para se resolver um problema de consumo na Justiça. A simples demora na prestação de um serviço também pode ser enquadrada, segundo acórdão da 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, que negou provimento ao recurso de um banco condenado pela demora de atendimento em agência: “O autor sofreu também o prejuízo do tempo desperdiçado, em razão da demora em ser atendido, o qual poderia ter sido utilizado de maneira mais benéfica e proveitosa”.
Não é só nos tribunais que a tese vem sendo aplicada. Na prova do 53º concurso para promotor do Ministério Público de Minas Gerais, o candidato devia demonstrar conhecer a base conceitual do “desvio produtivo”. Citando o próprio Dessaune, o gabarito previa a seguinte resposta: “Tratamento com desleixo ao consumidor com perda de tempo útil. A questão poderia ser solvida a tempo e modo satisfatório pelo fornecedor. Base principal: cláusula de tutela da pessoa humana, mas desafia regulamentação própria.”
Por enquanto, o entendimento está no âmbito dos tribunais de Justiça. No Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, ainda prevalece a aplicação do simples contratempo, como no julgamento do Recurso Especial 431.303/SP: “Demora, todavia, inferior a oito horas, portanto não significativa, que ocorreu em aeroporto dotado de boa infraestrutura, a afastar a caracterização de dano moral, porque, em verdade, não pode ser ele banalizado, o que se dá quando confundido com mero percalço, dissabor ou contratempo a que estão sujeitas as pessoas em sua vida comum”.
*Notícia atualizada às 17h50 do dia 26/3.

terça-feira, 25 de março de 2014

PERDA DE UMA CHANCE GANHA ESPAÇO NOS TRIBUNAIS - DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA

É o desdobramento de um avanço da responsabilidade civil, cuja teoria nasceu em França e ganhou o mundo. Se tiver tempo, vale a pena ler.
 
José A. Pancotti
 
Doutrina e jurisprudência

Perda de uma chance ganha espaço nos tribunais

 
Com a evolução da responsabilidade civil, o direito brasileiro trouxe diversas formas para a reparação dos danos causados às vítimas, dentre elas a responsabilidade civil pela perda de uma chance.
A teoria da responsabilidade pela perda de uma chance vem encontrando ampla aceitação no direito pátrio e como será observado no decorrer desse trabalho, baseia-se na probabilidade e em uma certeza, que a chance seja realizada e que a vantagem perdida resulte em prejuízo.
Apesar de ser foco de profundas discussões na Europa, a mencionada teoria, começou a influenciar e renovar a responsabilidade civil no ordenamento jurídico brasileiro.
No Brasil, vem adquirindo muitos adeptos e por não haver disposição no Código Civil Brasileiro de 2002, é fundamentada pela doutrina e na jurisprudência.
Evolução históricaA responsabilidade civil pela perda de uma chance tem origem na França, no final do século XIX, onde surgiu a expressão perte d’une chance.[1]
O caso mais antigo registrado referente à reponsabilidade pela perda de uma chance foi em 1911, um caso inglês conhecido como Chaplin V. Hicks, em que a autora da ação estava entre as cinquenta finalistas de um concurso de beleza, e teve sua chance interrompida pelo réu, uma vez que o mesmo não a deixou participar da última etapa do concurso; e, em razão disso um dos juízes alegou que a autora teria 25% de chances de ser a vencedora, aplicando a doutrina da proporcionalidade.[2]
Entretanto, houve divergências quanto a esse caso e devido a isso, foi objeto de estudo e análise na Itália, que começou a se aplicar as condutas culposas que faziam com que as vítimas perdessem uma oportunidade de lucro, em que uma simples chance seria uma possibilidade eventual e não um valor efetivo, certo e presente.[3]
Doutrinariamente, a teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance foi estudada pela vez primeira, na década de 40, na Itália, quando Giovani Pacchioni tratou do assunto na obra Diritto Civile Italiano, reportando-se aos casos trazidos pela doutrina francesa.
Assim, a teoria da perda de uma chance é fruto da construção doutrinária francesa e italiana, e que no Brasil, entretanto, o Código Civil de 2002 não fez menção a essa modalidade de responsabilidade civil, ficando a cargo da doutrina e da jurisprudência, que busca a sua aplicação com base na analogia e no direito comparado.
Nesse sentido, para melhor compreensão dessa teoria, faz-se necessário entender a expressão “perda de uma chance”.
ConceitoInicialmente, é preciso compreender o que seja a perda de uma chance. Nesse sentido, de acordo com Sérgio Savi[4]:
O termo chance utilizado pelos franceses significa, em sentido jurídico, probabilidade de obter lucro ou de evitar uma perda. No vernáculo, a melhor tradução para o termo chance seria, em nosso sentir, oportunidade. Contudo, por estar consagrada tanto na doutrina, como na jurisprudência, utilizaremos a expressão perda de uma chance, não obstante entendemos mais técnico e condizente com o nosso idioma a expressão perda de uma oportunidade.
Por aí se vê que, para a caracterização da responsabilidade civil pela perda de uma chance, é necessário que essa chance, seja séria e real, e não uma mera eventualidade, suposição ou desejo. [5]
Assim, a perda da chance deve ser vista como a perda da possibilidade de se obter o resultado esperado ou de se evitar um possível dano, valorizando as possibilidades que se tinha para conseguir o resultado, para, aí sim, serem ou não relevantes para o direito.[6]
Nesse viés, se faz necessário diferenciar os lucros cessantes da perda de uma chance, uma vez que ambos se referem a algo que a vítima deixa de ganhar.
Assim, o lucro cessante é uma espécie de dano material, e surge quando alguém, em virtude de uma ação ou omissão de outrem, deixa de auferir algum lucro ou vantagem, que futuramente estariam disponíveis à vítima; é, realmente, a frustração da expectativa de lucro, é a perda de um ganho esperado.[7]
Entretanto, diferentemente do lucro cessante, a perda de uma chance não precisa de uma prova concreta, uma vez que, o lucro cessante incide sobre o que o indivíduo razoavelmente deixa de ganhar; assim, necessita que haja uma comprovação e, que aponte quais seriam as perdas, a quantia perdida, de onde seria proveniente, etc.
No caso da perda de uma chance, não existe a pretensão de indenizar a perda do resultado e sim da oportunidade, não havendo a necessidade de provar se a vítima teria ou não, o resultado almejado.
Nesse sentido, Sergio Savi[8] traz algumas diferenças acerca da perda de uma chance e dos lucros cessantes:
é possível estabelecer algumas diferenças entre os dois conceitos. A primeira delas seria quanto à natureza dos interesses violados. A perda de uma chance decorre de uma violação a um mero interesse de fato, enquanto o lucro cessante deriva de uma lesão a um direito subjetivo.
Nesse diapasão, convém abordar um pouco sobre os danos emergentes, outra espécie de dano material, caracterizada pela perda imediata, visível, quantificável de um bem da vítima; sendo o efetivo prejuízo, a diminuição patrimonial sofrida pela vítima.[9]
Nesse interim, necessário se faz compreender que, ao se falar em ter perdido uma chance, é possível afirmar que essa chance perdida se referia a algo realmente esperado, algo com o que já se contava e que está dissociada do resultado final que essa mesma chance, como um bem já adquirido, poderia proporcionar, poderia servir de instrumento.
Assim, quando provocado um ato ilícito, é notável que esse ato interrompe inesperadamente o modus vivendi da vítima, lhe frustra uma oportunidade de obter um benefício, sendo que, nesse caso, a indenização devida se dá pela chance perdida e não pela vantagem final esperada.
Não obstante, com relação à quantificação da indenização pela perda de uma chance esclarece Venosa[10] que “o grau de probabilidade é que fará concluir pelo montante da indenização”; diferentemente de Schmitt que diz o seguinte:
O montante devido à vítima, isto é, o quantum indenizatório, (...) deve ser fixado em percentual que incida sobre o total da vantagem que poderia ser obtida, representando de forma razoável a probabilidade de ser configurada a expectativa do lesado. Outrossim, (...) este percentual não pode, em qualquer hipótese, resultar na própria vantagem que poderia ser obtida.
Assim, da mesma forma que o quantum indenizatório, existem divergências acerca da classificação da indenização, se é concedida a título de dano moral, a título de lucros cessantes ou pela perda da própria vantagem.
Com relação a essa última, tem-se o entendimento de que não seria possível conceder a indenização pela vantagem perdida, mas pela perda da possibilidade de conseguir essa vantagem. Ou seja, é preciso diferenciar o resultado perdido e a chance de consegui-lo. [11]
Como foi dito, a jurisprudência ainda não firmou o entendimento acerca dessa questão da classificação da indenização, as concedendo a título de dano moral, ora a título de lucros cessantes e, pela perda da própria vantagem e não pela perda da oportunidade de obter a vantagem e não pela perda da oportunidade de obter a vantagem, com o que se acaba por transformar a chance em realidade. [12]
AplicabilidadeUma análise acerca da teoria da responsabilidade pela perda de uma chance é de grande relevância para o ordenamento jurídico pátrio, uma vez que o instituto da responsabilidade civil evolui com a sociedade e o dano causado pela chance perdida urge apresentar uma resposta, a fim de indenizar a vítima pelo prejuízo suportado. Começam a surgir decisões esparsas na jurisdição civil contenciosa brasileira, porém algumas carecem de fundamento jurídico-normativo para uma maior segurança jurídica, a fim de estender sua aplicação de modo uniforme para todos os recantos, mesmo os mais longínquos do país. [13]
Não é fácil distinguir o dano meramente hipotético da chance real de dano. Nesse sentido, a ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, avalia que “a adoção da teoria da perda da chance exige que o Poder Judiciário bem saiba diferenciar o ‘improvável’ do ‘quase certo’, bem como a ‘probabilidade de perda’ da ‘chance de lucro’, para atribuir a tais fatos as consequências adequadas”. [14]
Nesse interim, essa teoria apresenta uma forma de indenizar as vítimas, pelos danos sofridos em decorrência de atos ilícitos, apesar de alguns julgados nacionais a terem classificado, ora como dano emergente, lucro cessante, ou mesmo a título de dano moral. [15]
Oportuno se faz trazer alguns julgados sobre a aplicação dessa teoria, proferidos de Tribunais Estaduais, Tribunais Federais e Tribunais Superiores:
RESPONSABILIDADE CIVIL CONSUMERISTA. CLÍNICA DE OLHOS. DESLOCAMENTO DE RETINA. PERDA DE VISÃO. ATENDIMENTO TARDIO. PERDA DE UMA CHANCE. REPARAÇÃO. (...) A questão da perda da chance se afigura na situação fática definitiva de perda da visão de olho direito que nada mais modificará, visto que o fato do qual dependeu o prejuízo está consumado, por não oferecer à autora o socorro tempestivo por meio de uma intervenção médico-cirúrgica que lhe proporcionasse, ao menos, possibilidade de sucesso e salvaguarda de sua visão. PROVIMENTO PARCIAL DO SEGUNDO RECURSO E DESPROVIMENTO DO PRIMEIRO APELO.
Nesse caso, é interessante mencionar que a indenização foi concedida a título de danos morais, uma vez que restou comprovado o dano e a concorrência da falta de cuidado da ré para o fato, e ensejou na reparação a título de danos morais no valor de R$ 10.000,00.
Outro caso, bastante emblemático, é o caso do programa de televisão que ficou conhecido como “Show do Milhão”, um concurso em que o concorrente, ao responder corretamente às perguntas que lhe eram feitas poderia chegar a ganhar o prêmio de um milhão de reais. [16]
O caso se deu pelo fato de que uma candidata que participava do programa conseguiu chegar à pergunta milionária e, ao lhe ser feita, a mesma não admitia nenhuma resposta correta. [17]
Em razão disso, a concorrente ingressou contra a empresa que promovia o concurso e conseguiu uma indenização no valor de R$ 125.000,00; observando o critério da probabilidade de acerto da questão, qual seja 25%; “probabilidade matemática” de acerto de uma questão de múltipla escolha com quatro alternativas. [18]
Nesse sentido, é importante ressaltar que restou evidente a perda da oportunidade da participante em razão da “imposição” de uma resposta como correta (sendo que a Constituição Federal não aponta qualquer percentual de terras reservadas aos indígenas).
Nesse mesmo sentido, segue o recentíssimo julgado que explica que a teoria pode ser aplicada, também, no âmbito da administração pública que, no entanto não foi aplicada porque, no caso, os recorrentes já exerciam ambos os cargos de profissionais de saúde de forma regular, sendo este um evento certo sobre o qual não restam dúvidas:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ATO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA QUE EQUIVOCADAMENTE CONCLUIU PELA INACUMULABILIDADE DOS CARGOS JÁ EXERCIDOS. NÃO APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. HIPÓTESE EM QUE OS CARGOS PÚBLICOS JÁ ESTAVAM OCUPADOS PELOS RECORRENTES. EVENTO CERTO SOBRE O QUAL NÃO RESTA DÚVIDAS. NOVA MENSURAÇÃO DO DANO. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO E PROBATÓRIO. RETORNO DOS AUTOS AO TRIBUNAL A QUO. (...) Esta teoria tem sido admitida não só no âmbito das relações privadas stricto sensu, mas também em sede de responsabilidade civil do Estado. Isso porque, embora haja delineamentos específicos no que tange à interpretação do art. 37, § 6º, da Constituição Federal, é certo que o ente público também está obrigado à reparação quando, por sua conduta ou omissão, provoca a perda de uma chance do cidadão de gozar de determinado benefício. 4. No caso em tela, conforme excerto retirado do acórdão, o Tribunal a quo entendeu pela aplicação deste fundamento sob o argumento de que a parte ora recorrente perdeu a chance de continuarem exercendo um cargo público tendo em vista a interpretação equivocada por parte da Administração Pública quanto à impossibilidade de acumulação de ambos. (...) 7. Recurso especial parcialmente conhecido, e, nesta extensão, provido.[19]
Enfim, a responsabilidade pela perda de uma chance ganhou espaço e popularidade nos tribunais brasileiros, podendo ser verificadas diversas decisões aplicando a mencionada teoria, desde que as “chances” sejam sérias e reais.
Diante do exposto, é notável que o ordenamento jurídico brasileiro, da mesma forma que o italiano e o francês, admite a aplicação da responsabilidade civil pela perda de uma chance.
Entretanto, o que não se pode deixar de considerar é que a mencionada responsabilidade será aplicada desde que o dano seja real, atual e certo, dentro de um juízo de probabilidade, e não de uma mera possibilidade, uma vez que o dano potencial ou incerto, no âmbito da responsabilidade civil, não é indenizável.
Dessa forma, a reparação da perda de uma chance baseia-se em uma probabilidade e uma certeza; que a chance seja realizada e que a vantagem perdida resulte em um prejuízo.
Nesse viés, responsabilidade civil pela perda de uma chance baseia-se no direito à reparação em virtude de “dano”, da perda de uma oportunidade, não necessariamente de alcançar determinada coisa, mas de tentar alcançar.
Vê-se claramente que o dano provocado pela perda da chance ou oportunidade, não se classifica como dano emergente, tampouco como lucro cessante, uma vez que há uma probabilidade e não uma certeza absoluta em relação ao resultado final, assim, não se sabe ao certo se a vítima conseguiria o resultado.

[1] SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade Civil pela perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2006, p. 10.
[2] WANDERLEY, Naara Tarradt Rocha .A perda de uma chance como uma nova espécie de dano. Disponível em:
[3] WANDERLEY, Naara Tarradt Rocha .A perda de uma chance como uma nova espécie de dano. Disponível em:
[4] SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2006. p. 3
[5] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 10.ed. São Paulo: Atlas, 2012, p.81.
[6] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 10.ed. São Paulo: Atlas, 2012, p.82.
[7] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p.375.
[8] SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2006. p. 15.
[9] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 347.
[10] VENOSA. Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p.39.
[11] SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2006. p. 102.
[12] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 10.ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 84.
[13] BUSNELLO, Saul José; WEINRICH, Jair. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: Uma análise doutrinária. Disponível em:
[14] ___________. Perda da chance: uma forma de indenizar uma provável vantagem frustrada. Disponível em:
[15] BUSNELLO, Saul José; WEINRICH, Jair. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: Uma análise doutrinária. Disponível em:
[16] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 10.ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 82.
[17] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 10.ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 82.
[18] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 10.ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 84.
[19] ___________. Superior Tribunal de Justiça Recurso Especial 1308719 MG 2011/0240532-2. Relator Ministro Mauro Campbell Marques. Acórdão de 25 de junho. Diário Oficial da União. Minas Gerais, 2013. Disponível em: < http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23839212/recurso-especial-resp-1308719-mg-2011-0240532-2-stj > Acesso em: 20 de dezembro de 2013.
Thiago Chaves de Melo é especialista em Direito Público com ênfase em Direito Processual Penal pela Universidade Potiguar (UNP), especialista em Ciências Criminais pela Uniminas, docente do curso de Direito da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais — Facihus — Fundação Mário Palmério (Fucamp) em Monte Carmelo-MG.
Priscilla Amaral é acadêmica do curso de bacharelado em Direito da Fundação Carmelitana Mário Palmério (Fucamp), em Monte Carmelo-MG.
Revista Consultor Jurídico, 24 de março de 2014

segunda-feira, 24 de março de 2014

STF: DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE - CONTROLE DIFUSO - EFICÁCIA NORMATIVA?

É inovada e tem profunda repercussão a decisão do STF que concluiu por emprestar caráter normativo às declarações de inconstitucionalidade de leis e atos normativos, ainda que proferidas em sede de controle difuso de constitucionalidade de lei ou ato normativo.

Ressalta, ainda, que a obrigação do STF de remeter tais da Corte ao Senado, tem o caráter de mera publicidade, não de condição de eficácia da decisão.

Há repercussão é grande, porque passa a ter caráter vinculante, à semelhança do que ocorrem com as declarações de acerca da constitucionalidade de leis e atos normativos, em sede declarações concentradas - ADI - ADC e ADPF.

Espera-se que os tribunais inferiores perfilhem tal entendimento da Suprema Corte e penso que a matéria deveria ser objeto de Súmula Vinculante.

São observações que faço - José A. Pancotti 

  

Decisões sobre inconstitucionalidade têm eficácia normativa

 
As decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal em ações de controle de constitucionalidade, mesmo em casos difusos, têm eficácia normativa e valem mesmo antes que o Senado publique a invalidade da norma declarada inconstitucional e a retire do ordenamento. A função do Senado, nesses casos, é de meramente dar publicidade às decisões. Assim entendeu o Supremo Tribunal Federal ao dar provimento a uma Reclamação por descumprimento de decisão da corte sobre a possibilidade de progressão de regime de pena por crime hediondo. Embora a Súmula Vinculante 26 da corte tenha sido editada depois do ajuizamento da Reclamação, os ministros aplicaram seus preceitos para julgar a ação. 
A súmula diz que, para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do artigo 2º da Lei de Crimes Hediondos, que proibia tal progressão. O enunciado foi citado pelo ministro Teori Zavascki ao concluir o julgamento da Reclamação 4.335, na qual a Defensoria Pública da União questionou decisão do juízo da Vara de Execuções Penais de Rio Branco que negou a dez condenados por crimes hediondos o direito a progressão de regime prisional. A sessão aconteceu nesta quinta-feira (20/3).
O STF reconheceu a possibilidade de progressão de regime nesses casos no julgamento do pedido de Habeas Corpus 82.959, em fevereiro de 2006, por seis votos contra cinco, quando foi declarado inconstitucional o parágrafo 1º do artigo 2º da Lei 8.072/1990 (Lei de Crimes Hediondos), que proibia tal progressão. No entanto, nessa reclamação, o juiz do Acre alegou que, para que a decisão do STF no Habeas Corpus tivesse efeito erga omnes (ou seja, alcançasse a todos os cidadãos), seria necessário que o Senado suspendesse a execução do dispositivo da Lei de Crimes Hediondos, conforme prevê o artigo 52, inciso X, da Constituição Federal, o que não ocorreu.
O julgamento foi concluído após voto-vista do ministro Teori Zavascki, cujo entendimento foi seguido pelos ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Celso de Mello. Em seu voto, o ministro Teori salientou que, embora o artigo 52, inciso X, da Constituição estabeleça que o Senado deve suspender a execução de dispositivo legal ou da íntegra de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do STF, as decisões da corte, ao longo dos anos, têm-se revestido de eficácia expansiva, mesmo quando tomadas em controvérsias de índole individual.
O ministro Teori acolheu a Reclamação 4.335 por violação à Súmula Vinculante 26 do STF, segundo a qual, “para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do artigo 2º da Lei 8.072, de 25 de julho de 1990”. Embora a Reclamação tenha sido ajuizada mais de três anos antes da edição da súmula, a aprovação do verbete constitui, segundo o ministro, fato superveniente, ocorrido no curso do julgamento do processo, que não pode ser desconsiderado pelo juiz, nos termos do artigo 462 do Código de Processo Civil.
Os ministros Sepúlveda Pertence (aposentado), Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio julgavam inviável a Reclamação, mas, de ofício, concediam Habeas Corpus para que os dez condenados tivessem seus pedidos de progressão do regime analisados, individualmente, pelo juiz da Vara de Execuções Criminais. Os votos dos ministros Gilmar Mendes (relator) e Eros Grau (aposentado) somaram-se aos proferidos na sessão desta quinta-feira, pela procedência da Reclamação. Para ambos, a regra constitucional que remete ao Senado a suspensão da execução de dispositivo legal ou de toda lei declarada inconstitucional pelo STF tem efeito de publicidade, pois as decisões da corte sobre a inconstitucionalidade de leis têm eficácia normativa, mesmo que tomadas em ações de controle difuso. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.  

PERNOITAR EM CAMINHÃO NÃO EQUIVALE A SOBREAVISO OU PRONTIDÃO

 A decisão é inédita e parece ter dado aplicação retroativa à Lei 12.619/12

Pernoite em caminhão não equivale a sobreaviso ou prontidão

 
O pernoite dentro do caminhão não equivale a sobreaviso ou prontidão, pois o motorista não está aguardando ordens e nem vigiando carga, já que estará dormindo.
 
Com esse entendimento, a 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais afastou a condenação imposta a uma transportadora pelo juízo de 1º Grau.
 
Na sentença, o juiz havia entendido que, ao dormir no caminhão, o reclamante ficava de prontidão, nos termos do parágrafo 3º do artigo 244 da Consolidação das Leis do Trabalho. Em consequência, condenou a transportadora ao pagamento de dois terços do salário-hora no período das 22h às 6h. A empresa recorreu e conseguiu reverter a decisão.
 
O relator do recurso, desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira, destacou que não há como aplicar, por analogia, o disposto nos parágrafos 2º e 3º do artigo 244 da CLT. O primeiro considera sobreaviso o tempo em que o empregado permanece em sua residência aguardando ser chamado para o serviço a qualquer momento. Já o segundo, considera prontidão o período em que o empregado fica nas dependências da estrada, aguardando ordens. Para o desembargador, nenhuma dessas situações se aplica ao motorista que pernoita na cabine do caminhão.
 
Isto porque o profissional não está aguardando ordens neste período. Segundo o julgador, o caso é diferente dos ferroviários que, obedecendo a escalas de serviço, aguardam em suas próprias casas ou nas dependências da estrada as determinações do empregador. No caso do motorista, isso não ocorre, já que ele está dormindo. Isso impede também que vigie a carga. "A vigília é incompatível com o sono", destacou.
 
Ainda segundo o relator, a situação não se alterou depois da Lei 12.619/2012, que dispõe sobre o exercício da profissão de motorista. "Aliás, o legislador, a reboque dos fatos sociais, acabou por reconhecer a possibilidade de o motorista repousar no próprio veículo", frisou o julgador.
 
Nesse sentido, o parágrafo 2º do artigo 235-E da CLT, acrescentado pela lei, considera como trabalho efetivo o tempo que o motorista estiver à disposição do empregador, excluindo expressamente os intervalos para refeição, repouso, espera e descanso. Este último é exatamente o caso do motorista quando dorme no caminhão, segundo destacou o desembargador.
 
Segundo ele, o inciso III do artigo 235-D da CLT autorizou expressamente que "o repouso diário do motorista obrigatoriamente com o veículo estacionado" seja feito na cabine leito do veículo.
 
A turma, por maioria de votos, decidiu julgar favoravelmente o recurso para excluir a condenação relativa às horas de prontidão e reflexos. Com informações da Assessoria de Imprensa do TRT-3.

quarta-feira, 19 de março de 2014

PRESCRIÇÃO DAS AÇÕES REGRESSIVAS ACIDENTÁRIAS PROPOSTAS PELO INSS

Prescrição das ações regressivas acidentárias


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Estudo da prescrição das ações regressivas acidentárias propostas pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), por meio da Procuradoria Geral Federal/AGU.
O ajuizamento de ações regressivas acidentárias tem sido uma medida eficaz utilizada pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) na busca do ressarcimento dos gastos com benefícios previdenciários decorrentes de acidentes do trabalho causados por culpa, total ou parcial, dos empregadores e contratantes.
 
Mais recentemente a Procuradoria Geral Federal, órgão da AGU com atribuição de representar juridicamente a Autarquia previdenciária, inovou ao ajuizar ações regressivas em casos de acidentes de trânsito com culpa grave, bem como de violência doméstica, ampliando, assim, o leque de possibilidades de ações de regresso para além do descumprimento das regras de segurança e higiene do trabalho, tal como previsto no art. 120 da Lei 8.213/91.
Dentre alguns pontos doutrinariamente controvertidos em relação ao tema, destaca-se a fixação do prazo prescricional às ações regressivas propostas pelo INSS. O presente estudo tem por escopo o exame da prescrição nas ações regressivas acidentárias, fundadas no art. 120 da Lei 8.213/91, a respeito do que a doutrina e jurisprudência, embora longe de serem uníssonas, apresentam sedimentadas correntes, plenamente defensáveis.
A seguir trataremos dos entendimentos possíveis, apresentando, ao final, a nossa posição.


TESE DA TOTAL IMPRESCRITIBILIDADE

Há quem ventile a imprescritibilidade da pretensão regressiva, sob o argumento, em síntese, da aplicação do art. 37, § 5º da Constituição Federal, in verbis:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: 
(...)
§ 5º - A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.
Segundo o dispositivo citado, cabe à lei disciplinar o prazo prescricional para os ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízo ao erário, com ressalva às ações de ressarcimento.
A doutrina mais abalizada, porém, analisa o dispositivo como a tratar de prescrição punitiva (administrativa ou criminal) contra agente público, servidor ou não, e, por decorrência, da imprescritibilidade em relação ao ressarcimento dos atos lesivos deste. Preexistiria, portanto, uma relação jurídica entre o Estado e o agente público, tal como ocorre, em geral, nos casos de improbidade administrativa.
Tratando-se de ação regressiva proposta pela Administração contra particular, temerário adotar interpretação extensiva ao termo “agente” para incluir quem não exerça atividade pública na ocasião da prática do ato, sobretudo, pela localização topográfica do art. 37, no capítulo “Da Administração Pública” na Constituição Federal.
Neste sentido convém trazer à baila as lições de SANTOS FILHO ao abordar a questão[1]
“Primeiramente, a imprescritibilidade abrange apenas a ação que vise ao ressarcimento de prejuízos causados por atos de agentes do Poder Público, ou seja, daqueles que, mediante título jurídico formal conferido pelo Estado, sendo servidores ou não, estejam no exercício de função pública. Destarte, se o causador do dano é terceiro, sem vínculo com o Estado, não se aplica o art. 37, § 5º da CF”.
Aderindo a este posicionamento, temos como descabida a aplicação do disposto no art. 37, § 5º da Carta Maior às ações regressivas propostas pelo INSS, rejeitando, assim, imprescritibilidade absoluta das referidas pretensões.


DA IMPRESCRITIBILIDADE DO FUNDO DE DIREITO

Ainda que afastada a ideia de imprescritibilidade pura e simples da pretensão regressiva, persiste a viabilidade da aplicação da imprescritibilidade do fundo de direito.
Não obstante derivado de fato único – o acidente do trabalho – os danos suportados pela Previdência Social prorrogam-se continuamente no tempo, com renovação mensal do prejuízo a cada pagamento de prestação do benefício gerado por decorrência do ilícito.
Em tais hipóteses de relação de trato sucessivo, considera-se imprescritível o fundo de direito do administrado em face da Administração, incidindo tão somente a prescrição sobre as parcelas dentro de determinado lapso temporal, conforme dispuser a legislação correspondente.
Este é o entendimento registrado na súmula 85 do Colendo Superior Tribunal de Justiça (STJ):
Súmula 85: Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação.
Vários são os julgados neste sentido:
ADMINISTRATIVO. VENCIMENTO BÁSICO DE REFERÊNCIA (VBR). DIREITO. PRESTAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO. SÚMULA 85/STJ.
1. A jurisprudência do STJ consolidou-se no sentido de que cuidando-se de obrigação de trato sucessivo e não havendo manifestação expressa da Administração Pública negando o direito pleiteado, não ocorre a prescrição do fundo de direito, mas tão somente das parcelas anteriores ao quinquênio que precedeu à propositura da ação. Incidência da Súmula 85/STJ. Precedentes: AgRg no REsp 1.211.587/MG, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 10/5/2011; AgRg no REsp 1.313.229/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 25/5/2012; AgRg no REsp 1.305.962/RS, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Segunda Turma, DJe 30/05/2012; AgRg no REsp 1.302.524/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 25/4/2012.
2. Agravo Regimental não provido.
(STJ, AgRg no AREsp 363224/PE, DJe 26.09.2013, Rel. Min. Herman Benjamin)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PAGAMENTO DA REPERCUSSÃO FINANCEIRA DECORRENTE DA INCORPORAÇÃO DO TEMPO DE SERVIÇO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADO. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO AFASTADA. OBRIGAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO. SÚMULA 85/STJ. PRECEDENTES DO STJ.
1. O dissídio jurisprudencial não foi comprovado na forma exigida pelos arts. 541, parágrafo único, do CPC e 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ. Com efeito, não foram colacionados julgados paradigmas, o que inviabiliza a comprovação da similitude fática e da própria divergência.
2. A jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que, inexistindo manifestação expressa da Administração Pública negando o direito reclamado, não ocorre a prescrição do chamado fundo de direito, mas tão-somente das parcelas anteriores ao qüinqüênio que precedeu à propositura da ação, ficando caracterizada relação de trato sucessivo (Súmula 85 do STJ).
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STJ, AgRg no AREsp 369566/PE, DJe 29.10.2013, Rel. Min. Sérgio Kukina).
Resta saber se o raciocínio é aplicável para os casos inversos, nos quais a Administração deduz pretensão contra o ato ilícito praticado por particular, uma vez inexistir norma específica sobre o tema.
A respeito do assunto, o STJ já decidiu pela aplicação principiológica da isonomia entre particular e Fazenda Pública no que toca ao prazo de prescrição, senão vejamos:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO A IMÓVEL PÚBLICO. ACIDENTE OCASIONADO POR VEÍCULO PARTICULAR. PRESCRIÇÃO. APLICAÇÃO DO DECRETO Nº 20.910/32.
1. O art. 1º do Decreto nº 20.910/32 dispõe acerca da prescrição qüinqüenal de qualquer direito ou ação contra a Fazenda Pública, seja qual for a sua natureza, a partir do ato ou fato do qual se originou.
2. A aplicação principiológica da isonomia, por si só, impõe a incidência recíproca do prazo do Decreto 20.910/32 nas pretensões deduzidas em face da Fazenda e desta em face do administrado. Precedentes do STJ: REsp 946.232/RS, DJ 18.09.2007; REsp 444.646/RJ, DJ 02.08.2006; REsp 429.868/SC, DJ 03.04.2006 e REsp 751.832/SC, DJ 20.03.2006.
3. In casu, a pretensão deduzida na inicial resultou atingida pelo decurso do prazo prescricional, uma vez que, inobstante o Dano tenha ocorrido em 21.09.1987, a ação somente foi ajuizada em 09.02.1994, consoante se infere do excerto do voto condutor do acórdão recorrido.
4. Deveras, a lei especial convive com a lei geral, por isso que os prazos do Decreto 20.910/32 coexistem com aqueles fixados na lei civil.
5. Agravo regimental desprovido.
(STJ, Ag no REsp 1015571/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 04.12.2008).
A estrita aplicação do referido princípio, por conseguinte, não comporta distinção de tratamento em relação à Administração pública e o particular quando em análise obrigações de trato sucessivo, cujas prestações renovam-se a cada dia, mês ou ano.
Logo, se a prescrição do particular contra a fazenda pública atinge apenas as parcelas e não o próprio direito vindicado (quando em apreço obrigações de trato sucessivo), em homenagem ao princípio da isonomia é preciso estabelecer um paralelo para que as pretensões da Administração contra o particular apenas se sujeitem à prescrição de parcelas, mantendo-se incólume o fundo de direito que, no caso, é o de reclamar o ressarcimento via ação regressiva aos causadores dos danos, conforme o caso.
Embora a imprescritibilidade do fundo de direito não seja consenso entre os Tribunais, registram-se decisões do Tribunal Regional Federal da 4ª. Região acolhendo a tese, senão vejamos:
DIREITO CIVIL. AÇÃO REGRESSIVA PROPOSTA PELO INSS. RESSARCIMENTO DE DANO. ACIDENTE DE TRABALHO. ART. 120 DA LEI 8.213/91 (...)
Consoante prescreve o art. 120 da Lei n. 8.213/91, “nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência proporá ação regressiva contra os responsáveis”. (...)
4.   Não há que se falar em prescrição de fundo de direito, pois as consequências do acidente perduram ao longo do tempo. (...)
(TRF 4, APELREEX 5003414-11.2011.404.7702, Rel. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, D.E 12.4.2012)


PRAZO PRESCRICIONAL DAS PARCELAS – APLICAÇÃO DO DECRETO 20.910/32 OU DO ART. 206 DO CÓDIGO CIVIL?

Firmado o entendimento pela imprescritibilidade do fundo de direito em relação às ações regressivas do INSS, resta saber qual o prazo de prescrição aplicável em relação às parcelas. Parecem surgir duas alternativas, aplicar o que dispõe o Decreto 20.910/32 ou o Código Civil.
A falta de repertório jurisprudencial por parte dos Tribunais Superiores acirra a discussão. Abaixo seguem as razões que justificam cada corrente, com a indicação dos Tribunais Regionais Federais que as encampam.
Aplicação do Código Civil.
Forte a corrente a defender a aplicação do art. 206, § 3º, V do Código Civil, in verbis:
Art. 206. Prescreve:
(...)
§ 3o Em três anos:
(...)
V - a pretensão de reparação civil
Para VIANNA[2] sendo a ação regressiva contra os causadores de acidente do trabalho como uma ação de reparação civil, forçoso concluir pela existência de norma específica no Código Civil. Aos defensores de tal posicionamento, o mesmo raciocínio serviria às demais hipóteses de ação regressiva do INSS.
Segundo esta linha de entendimento, não merece prosperar eventual argumentação no sentido de inaplicabilidade do Código Civil brasileiro à Fazenda Pública, pois, não compete ao interprete restringir a incidência de uma norma sem previsão legal para tanto.
Pela aplicação da prescrição do Código Civil se manifestam os Tribunais Regionais da 2ª e 3ª Regiões.
AGRAVO INTERNO. INSS. AÇÃO REGRESSIVA. PAGAMENTO BENEFÍCIO ACIDENTÁRIO. PRESCRIÇÃO.
I - Vêm entendendo nossos Tribunais que a ação regressiva proposta pelo INSS para ressarcimento de danos decorrentes de pagamento de benefícios acidentários tem natureza cível, devendo ser aplicado o prazo prescricional do Código Civil e afastando, desta maneira, a parte final do § 5º do art. 37 da CRFB/88.
II - Considerando, assim, que o acidente que teria ensejado o dano indenizável ocorreu em 16/01/1991 (fl. 05) e o benefício decorrente foi impldo em 31/10/2002 (fl. 19), forçoso reconhecer que, quando da vigência do novo Código Civil, em 11/01/2003, ainda não havia transcorrido mais de 10 anos, ou seja, mais da metade do prazo prescricional previsto no  Código Civil  anterior, o qual estabelecia, em seu art. 177, o prazo prescricional de vinte anos. III - Outrossim, considerando também que o Código Civil/2002 reduziu o prazo prescricional das ações de reparação civil para três anos, nos termos do art. 206, § 3º, V, este é o prazo a ser aplicado na presente hipótese. IV - Agravo Interno improvido.
(TRF 2, REEX 200950010049045, Publicação em 30.06.2011, Rel. Des. Fed. Reis Friede)
CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. INSS. AÇÃO REGRESSIVA. BENEFÍCIO DECORRENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO. INOBSERVÂNCIA DAS NORMAS DE SEGURANÇA E MEDICINA DO TRABALHO. ART. 120, DA LEI Nº 8.213/91. PRESCRIÇÃO. OCORRÊNCIA. ART. 206, § 3º, V, DO CÓDIGO CIVIL. APELAÇÃO DO INSS IMPROVIDA.
I - Trata-se de ação ajuizada pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS contra empresa para obter o ressarcimento dos valores pagos a título de pensão por morte, sob o fundamento de que a pessoa jurídica ré teria desobedecido as normas de segurança e medicina do trabalho, o que deu ensejo à concessão provocada e antecipada do benefício previdenciário de índole acidentária ao segurado da Previdência Social.
II - A imprescritibilidade prevista no artigo 37, § 5º, da Constituição Federal, refere-se ao direito da Administração Pública de obter o ressarcimento de danos ao seu patrimônio decorrentes de atos de agentes públicos, servidores ou não. Tal hipótese é taxativa e não pode ser ampliada com o escopo de abarcar a ação de reparação ajuizada pela INSS, cuja natureza é nitidamente civil.
III - No que diz respeito à aplicação do prazo prescricional qüinqüenal previsto no Decreto nº 20.910/32, tenho que não procede, devendo ser prestigiada a posição adotada na sentença, no sentido da incidência do prazo trienal, previsto no art.206, § 3º, inciso V, do Código Civil, tendo em vista que a ação regressiva para o ressarcimento de dano proposta pela Autarquia Previdenciária, com fundamento no art. 120 da Lei nº 8.213/91, tem natureza civil, e não administrativa ou previdenciária, conforme decidiu o Superior Tribunal de Justiça (STJ, Sexta Turma, AgRg no REsp 931438, relator Ministro Paulo Gallotti, DJe 04/05/2009).
IV - Tendo sido o benefício acidentário concedido em 14.11.2004 e o presente feito ajuizado somente em 28.04.2009, de rigor o reconhecimento da prescrição da pretensão autoral. Precedentes.
V - Inaplicável a Súmula nº 85 do Superior Tribunal de Justiça, tendo em vista que a sua aplicação está voltada para as relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública é devedora, e não em que ela busca ressarcir-se de supostos prejuízos causados por particulares. Caso se entendesse aplicável a regra da Súmula em comento também para os casos em que a Fazenda Pública figura como requerente, violar-se-ia princípio da segurança jurídica.
VI - Apelação improvida.
(TRF 3, APELREEX 0001510-63.2009.4.03.6127, Julgamento em 01.07.2013, Rel. Des. Fed. Antônio Cedenho).
Aplicação do Decreto 20.910/32
Parte da doutrina pende para o entendimento da utilização do Decreto 20.910/32, o qual estipula que as dívidas passivas da Fazenda Pública, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos. A partir da premissa de incidência isonômica da norma, seria também de 5 anos a prescrição das parcelas das dívidas do particular para com a Fazenda Pública.
É preciso observar que aos que aderem a este entendimento assim o fazem por entender inexistir norma específica a regular a prescrição da pretensão regressiva do INSS e, por ser norma geral, aplicar-se-ia ao caso o Decreto 20.910/32.
Neste sentido se posiciona a Procuradoria Geral Federal, a quem compete, como dito, com exclusividade, propor tais ações de regresso[3].
Na mesma linha a jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais da 4ª e 5ª Regiões.
AÇÃO REGRESSIVA. INSS. ACIDENTE DE TRABALHO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. APLICAÇÃO. EXAME DE MÉRITO. ANULAÇÃO DA SENTENÇA.
1. Hipótese de Apelação interposta pela INSS, em face de sentença que declarou prescrita a pretensão regressiva deduzida pela autarquia.
2. Não há lei que especifique o prazo prescricional para as ações regressivas, em virtude de acidente de trabalho. Assim, há que ser adotado o lapso estabelecido no art. 1º, do Decreto 20.910/32, ou seja, cinco anos. 3. Em se tratando de ação regressiva a hipótese é de responsabilidade subjetiva do empregador. O dever de indenizar a autarquia previdenciária é estabelecido quando demonstrado o nexo de causalidade entre a conduta culposa do empregador e o dano efetivo. 4. Apelação do INSS provida, para que a sentença seja anulada e os autos voltem ao juízo a quo, para exame do mérito da ação.
(TRF 5, AC 46021320114058200, Rel. Des. Fed. Marcelo Navarro, DJ 03.10.2103)
 AÇÃO DE REGRESSO. INSS. PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSOS PÚBLICOS.
Os fundos da previdência social, desfalcados por acidente havido hipoteticamente por culpa do empregador, são compostos por recursos de diversas fontes, tendo todas elas natureza tributária. Se sua natureza é de recursos públicos, as normas regentes da matéria devem ser as de direito público, porque o INSS busca recompor-se de perdas decorrentes de fato alheio decorrente de culpa de outrem. Quando o INSS pretende ressarcir-se dos valores pagos a título de pensão por morte, a prescrição aplicada não é a prevista no Código Civil, trienal, mas, sim, a qüinqüenal, prevista no Decreto nº20.910, de 6 de janeiro de 1932.
(TRF 4, EINF  5000510-12.2011.404.7107, DJe 19.06.2012, Rel. Des. Fed. Loraci Flores de Lima)
Recente decisão do STJ, proferida nos autos do Agravo em Recurso Especial N º.  387.412-PE, em específica análise sobre a prescrição das ações regressivas acidentárias, acolheu a tese da prescrição quinquenal das parcelas, com base no art. 1º. do Decreto 20.910/32.
PREVIDENCIÁRIO. ACIDENTE DO TRABALHO. AÇÃO DE REGRESSO MOVIDA PELO INSS CONTRA EMPREGADOR. ART. 120 DA LEI 8.213/91. PRESCRIÇÃO. PRAZO QUINQUENAL. ART. 1º DO DECRETO N. 20.910/32. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. PRESCRIÇÃO NÃO CARACTERIZADA. AGRAVO CONHECIDO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
(STJ – Ag. em REsp. 387.412/PE, j. 10.09.2013, Rel. Min. Humberto Martins)
A referida decisão abre importante precedente em sede de Tribunais Superiores e provavelmente passará a nortear o entendimento dos Tribunais Regionais Federais. Transcrevemos, por oportuno, passagem do voto do Ministro Relator Humberto Martins na qual rechaça a aplicação do Código Civil ao caso:
Ressalta-se que não se desconhece a corrente doutrinária e jurisprudencial que defende que nos casos de ação regressiva acidentária o prazo prescricional é o disposto no art. 206, § 3º, inciso V, do Código Civil. Todavia, tal entendimento não merece prosperar, pois no presente caso o INSS não atua como particular, submetendo-se ao Direito Civil. Na verdade, busca-se o ressarcimento ao erário, evitando, assim, que as consequências do ato ilícito que gerou o acidente de trabalho sejam suportadas por toda a sociedade. Ademais, nas hipóteses de ausência de norma específica sobre o assunto, o STJ vem aplicando o Princípio da Isonomia nas ações propostas pela Fazenda Pública em face do administrado.


DA FIXAÇÃO DO MARCO INICIAL DA PRESCRIÇÃO

Acatando-se a tese da imprescritibilidade do fundo de direito, o marco inicial do prazo prescricional equivalerá ao triênio ou quinquênio que precede o ajuizamento da ação regressiva, conforme se entenda pela aplicação do Código Civil ou do Decreto 20.910/32. Assim, prescritas estariam as parcelas anteriores a este prazo, mantido incólume, porém, o direito do INSS em buscar o ressarcimento.
Ocorre que, conforme referimos anteriormente, a imprescritibilidade do fundo de direito é tema controvertido, não acolhido por toda doutrina e jurisprudência. Admitindo-se a prescrição da própria pretensão, ou seja, do fundo de direito, duas parecem ser as linhas de entendimento: marco inicial da prescrição na data do acidente ou na data do primeiro pagamento do benefício.
Adverte MACIEL[4], após ressalva do entendimento pessoal pela adoção da tese da imprescritibilidade do fundo de direito, que não se pode considerar a data do acidente como termo a quo da prescrição, uma vez que ao INSS o prejuízo só ocorre com o pagamento do benefício ou com a disponibilização do serviço social (entrega de órteses/próteses, por exemplo).


CONCLUSÃO

A regra da imprescritibilidade da ação de regresso prevista no art. 37, § 5º da Constituição Federal não se aplica às ações regressivas acidentárias, uma vez não estarmos diante de uma relação jurídica em que o causador do dano possui vinculação com o Estado a caracterizá-lo como agente público.
Não obstante inexista consenso quanto ao tema, entendemos pela imprescritibilidade do fundo de direito da ação regressiva acidentária, pois, embora seja o acidente do trabalho um fato único, como consequência gera um prejuízo financeiro ao INSS que se renova periodicamente, a cada pagamento mensal da prestação previdenciária.
 A adoção da tese da imprescritibilidade do fundo de direito significa dizer que o direito ao ajuizamento é imprescritível, contudo, as parcelas exequíveis se submetem a um determinado prazo prescricional.
Quanto ao prazo de prescrição das parcelas, nos perfilhamos à linha defendida pelo STJ no Agravo em Recurso Especial N º.  387.412-PE, segundo a qual não se pode defender a incidência do prazo trienal do Código Civil, uma vez que a administração não figura como particular.
Ademais, reconhecendo inexistir norma específica sobre o assunto, agir com isonomia é aplicar a regra geral do Decreto 20.910/32 nas causas entre particular e administração, independente do pólo em que figurem na relação processual, razões pelas quais entendemos que apenas prescrevem as parcelas anteriores ao quinquênio que precedem ao ajuizamento da ação.
Aos que defendem que a prescrição não atinge apenas as parcelas vencidas, mas também o próprio fundo de direito – corrente à qual não nos filiamos – o entendimento quanto ao marco inicial da prescrição divide-se entre os que o consideram como a data do acidente do trabalho e os que tomam a data do primeiro pagamento de benefício como termo inicial da prescrição.
 Indevido fixar a data do acidente como termo a quo da prescrição, vez que ao INSS o efetivo dano só ocorre com o dispêndio financeiro decorrente do pagamento de benefício previdenciário, antes disso descabido falar em prejuízo.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARVALHO FILHO, José dos Santos, Manual de direito administrativo, 21ª Ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2009.
MACIEL, Fernando. Ações regressivas acidentárias. 2ª. Ed. São Paulo: LTr, 2013.
VIANNA, João Ernesto Aragonés. Curso de direito previdenciário. 5ª, Ed., São Paulo: Atlas, 2012.


Notas

[1] CARVALHO FILHO, José dos Santos, Manual de direito administrativo, 21ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2009, p. 109.
[2] VIANNA, João Ernesto Aragonés. Curso de direito previdenciário. 5, ed., São Paulo: Atlas, 2012, p. 636.
[3] Entendimento firmado desde maio de 2009, através do Memorando-Circular Nº. 017/2009/AGU/PGF/CGCOB, no sentido da imprescritibilidade do fundo de direito e da prescrição quinquenal das parcelas com base do Decreto 20.910/32.
[4] MACIEL, Fernando. Ações regressivas acidentárias. 2ª. ed. São Paulo: LTr, 2013, p. 120. 

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Leia mais: http://jus.com.br/artigos/26746/prescricao-das-acoes-regressivas-acidentarias#ixzz2wPPKloQN

domingo, 9 de março de 2014

ENTREVISTA DE ANDRÉ LARA RESENDE - ECONOMISTA - ESTADÃO DE HOJE

‘É preciso crescer com qualidade de vida’, diz Lara Resende

Para o economista, modelo de desenvolvimento baseado apenas em expansão de PIB e consumo material não se sustenta 

08 de março de 2014 | 17h 37
 
Alexa Salomão e Ricardo Grinbaum, de O Estado de S.Paulo
 
SÃO PAULO - Na seara econômica, André Lara Resende é uma referência, entre outras razões, por ter participado da elaboração do Plano Real. Ainda assim, afastou-se do trabalho cotidiano de um economista. O neto do professor de gramática e memorialista Antônio Lara Resende e filho do jornalista e escritor Otto Lara Resende voltou-se às letras e à reflexão. Em seus artigos, defende um novo modelo de desenvolvimento, orientado ao bem-estar coletivo e sustentado pelo setor de serviços em áreas como educação e saúde.
"A partir de certo nível de renda, onde com certeza já nos encontramos, a qualidade de vida não está mais necessariamente associada ao consumo material", diz ele na entrevista que segue. Suas convicções o aproximaram da pré-candidata à Presidência Marina Silva, em sua avaliação a pessoa que na atual cena política tem a visão de mundo para implantar o novo modelo de crescimento. A íntegra da entrevista está disponível na internet, no link indicado ao pé desta página. 
O governo de FHC ficou conhecido como o da estabilidade, o do Lula, pela distribuição de renda. Qual seria a cara do governo Dilma e qual deveria ser em caso de reeleição? 
André Lara Resende: Nem todo governo deixa necessariamente a sua marca. O governo Dilma não está à altura dos dois governos anteriores que, por mais diferente que tenham sido, tinham carisma e personalidade definida. O governo Dilma tinha a pretensão da eficiência executiva para dar um novo salto desenvolvimentista. Fracassou porque tem uma visão anacrônica, tanto dos objetivos, como dos métodos para alcançá-los. Acredita que o desenvolvimento ainda dependa da industrialização, voltada para o mercado interno e liderada pela ação do Estado, como na metade do século passado. Acredita também na gestão de comando e controle. Mas no mundo contemporâneo, o desenvolvimento é necessariamente via integração internacional, e a gestão de empreitadas, a cada dia mais complexa, só é possível através da delegação, inserida numa cultura baseada no exemplo e no carisma.
Muitos estudiosos dizem que o Brasil vive um processo de desindustrialização. Como o senhor vê a questão e o que deve ser feito em relação à produção industrial? 
André Lara Resende: O processo de desenvolvimento econômico passa primeiro por uma fase de industrialização e urbanização, com uma correspondente redução do peso do setor primário na economia. Numa segunda fase, já com a industrialização consolidada e uma economia mais sofisticada, cresce o peso do serviços. A indústria pesada, de velha tecnologia, desloca-se para onde ainda há mão de obra barata no mundo. Para seguir crescendo, o país precisa renovar sua indústria, ser capaz de absorver e de produzir tecnologia de ponta. Não há como dar esse salto sem a combinação de um sistema educacional de alto nível e a integração comercial com o resto do mundo. Passa-se do protecionismo à indústria nascente, voltada para o mercado interno, ao estímulo à indústria de ponta, voltada para a exportação. É o que deveríamos fazer: integrar o país à economia mundial, absorver tecnologia de ponta, aumentar a produtividade e as exportações industrializadas, e simultaneamente, repensar a educação de base com objetivos de longo prazo.
Há economistas que dizem que o Brasil está preso numa armadilha de baixo crescimento. O senhor concorda com esse ponto de vista? 
André Lara Resende: O país tem crescido bem menos do que se espera, é verdade. Alguns analistas chamaram de a Armadilha da Renda Média, o fato de que, depois de atingir um estágio intermediário de renda e desenvolvimento, muitos países parecem ter dificuldades de deslanchar e finalmente encostar nos países do primeiro mundo. Para sair da pobreza absoluta, crescer e atingir um mínimo de desenvolvimento, basta ser capaz de criar um excedente para ser investido. Pode não ser fácil para sociedades onde a renda e o consumo são extremamente baixos, mas a fórmula é conhecida: poupar e investir, aproveitando a tecnologia de domínio público, não necessariamente de ponta, desenvolvida nos países mais avançados, e incorporando a população marginalizada à força de trabalho. A partir de um certo ponto - e o Brasil já atingiu esse estágio - a questão se torna mais complicada. Já não basta poupar e investir em capital fixo. Não há mais um excedente de mão de obra barata para ser incorporado ao setor dinâmico da economia. É preciso, então, aumentar o que os economistas chamam de produtividade - a capacidade de produzir mais com menos, de forma mais eficiente, e ganhar competitividade internacional. A absorção de tecnologia já não é tão automática, pois estamos mais perto da fronteira tecnológica. É preciso que a mão de obra, em todos os níveis, do mais elementar ao mais sofisticado, inclusive a da gestão das empresas e dos investimentos, esteja à altura. A chave é a educação. Falar em educação se tornou um clichê, mas como todo clichê é uma verdade que, de tanto repetida sem convicção, perdeu a força. Há uma revolução em curso nos métodos de educação, com a universalização da informática e da internet, mas estamos na contramão. Em lugar de inovar, de fazer uma educação de base de qualidade, optamos por aumentar o número de pessoas com diploma de curso universitários comercializados, onde nada se aprende. Mais um exemplo da nossa insistência em dar mais importância à forma do que à substancia.
O Brasil deve ter um novo modelo de desenvolvimento? O que este modelo deve contemplar? 
André Lara Resende: Acho que não apenas o Brasil, mas o mundo todo precisa rever seu modelo de crescimento. Já não faz mais sentido associar desenvolvimento exclusivamente ao crescimento e ao aumento do consumo material. A partir de certo nível de renda, onde com certeza já nos encontramos, a qualidade de vida não está mais necessariamente associada ao consumo material. O problema da grande desigualdade persiste, é claro, e é urgente ter uma resposta efetiva, mas se o crescimento material não o resolveu, até hoje, em parte alguma do mundo, é porque por si só não vai resolve-lo. Veja o exemplo do automóvel: a notícia de que as vendas de carro caíram sob o prisma do velho crescimento é negativa, mas para quem vive nos grandes centros urbanos, onde usar o automóvel está se tornando impossível, parece-me positiva. Anos atrás, menos produção de automóveis seria inequivocamente negativo. Hoje é, no mínimo, questionável. Temos dificuldade em rever velhos conceitos, mas quando as circunstâncias mudam, é preciso reavaliá-los. Tenho a impressão que o mundo está numa fase de transição. O velho modelo de crescimento consumista já não faz mais sentido, mas a alternativa ainda não está bem delineada. Posso estar sendo vítima da ilusão ufanista, mas tenho a impressão de que o Brasil, tanto pelo estágio de desenvolvimento em que se encontra, quanto pela alegria coletiva criativa, poderia estar muito bem posicionado para sair à frente do novo desenvolvimento. Um desenvolvimento mais baseado na educação, na saúde, no entretenimento, no esporte e na cultura, do que no consumo material. Por isso mesmo, se a melhora de vida vier a se frustrar, ainda que ou sobretudo porque, o consumo material continua a aumentar, podemos passar por ondas de protestos difusos e de revoltas que podem vir a se tornar incontroláveis.

O senhor defende um modelo baseado em menos consumo, mas como se compatibiliza isso com o desejo das pessoas de consumir e com a necessidade de reduzir a desigualdade? O senhor mesmo coloca que os protesto revelam uma ansiedade das pessoas em melhorar de vida ... 
André Lara Resende: Minha interpretação é diferente. Os protestos indicam que há busca por melhor qualidade de vida. À medida que a pobreza absoluta é superada, passa-se a desejar mais qualidade de vida, que não encontrada, leva à uma grande frustração. Apesar de se ter mais renda e poder consumir mais, a vida continua extremamente difícil, um verdadeiro inferno. O hospital público é um desastre, a escola pública não tem qualidade, faltam creches, não há segurança, o transporte público é de péssima qualidade. Apesar de ter renda para comprar um carro, leva-se até quatro horas para chegar ao trabalho, engarrafado no transito. Estas são as questões por trás dos protestos - e não necessariamente a demanda por mais consumo material. Essa frustração não é um problema exclusivamente brasileiro. Há no mundo uma vaga percepção de que a melhora da qualidade de vida não está mais necessariamente vinculada ao aumento do consumo material. Ao contrário, o aumento do consumo material - como no caso do automóvel nos grandes centros urbanos - tornou-se um detrator da qualidade de vida. Durante muitas décadas houve uma alta correlação entre o crescimento do produto e da renda e o bem estar. Se o PIB crescia, embora a melhora fosse mal distribuída, todos melhoravam. Essa correlação já não é verdadeira, mas há uma grande resistência a rever conceitos arraigados. Ao criticar o aumento do consumo material, somos acusados de pretender negar o acesso dos mais pobres ao consumo. O argumento não procede - apesar do crescimento extraordinário do consumo material, a pobreza persiste e a desigualdade até se agravou nas últimas décadas, tanto nas economias emergentes quanto nos países avançados. A solução não é mais consumo. Estudos mostram que menos desigualdade, uma sociedade mais homogênea, é elemento fundamental para a qualidade de vida. Para os mais pobres, é evidente, mas também para os mais ricos a desigualdade é negativa. Viver numa sociedade, homogênea e equânime, onde há empatia com seus concidadãos, é melhor para todos.
As manifestações, então, mostram que as pessoas já percebem a diferença entre ter mais e viver melhor? 
André Lara Resende: Me parece que sim, mas como a alternativa não está bem delineada, fica difícil afirmar. Acredito que nem mesmo os manifestantes saibam claramente o que desejam. Por isso os protestos são desfocados. Deseja-se mais qualidade de vida, mas o que é qualidade de vida? É sobretudo tempo com os amigos, tempo com a família, tranquilidade, ausência de estresse, inserção numa comunidade com a qual se tem empatia. Por isso a melhora do transporte público é a primeira medida para a melhora da qualidade de vida. Reduzir o tempo de deslocamento e o estresse do trânsito, aumentar o tempo com a família e os amigos, significa um ganho inequívoco de qualidade de vida. O automóvel ainda está no imaginário coletivo como símbolo de sucesso, mas é ilusório. O uso do automóvel exige gastos públicos expressivos na infraestrutura urbana. É um subsídio ao uso do transporte individual, recursos públicos que poderiam ter melhor uso. Para abrir avenidas, viadutos e elevados as cidades foram desfiguradas. Ficou quase impossível se deslocar por qualquer outro meio que não o automóvel. Não é fácil mudar o modelo. Veja a resistência aos corredores de ônibus implantados pelo Haddad. Acho que ele está certo, mas a iniciativa provocou indignação. Como a alternativa não está claramente delineada, é importante dar exemplos concretos do que seria a cidade do futuro, depois do automóvel. A High Line de NY é um desses exemplos. Todas as cidades bem sucedidas do mundo são as que têm bons transportes públicos e estão criando alternativas para que se ande a pé, estímulos ao convívio. É o caso de Barcelona, Paris e NY.
Quais outras políticas públicas devem ser adotadas para mudar o modelo de desenvolvimento? 
André Lara Resende: Não tenho a pretensão de fazer uma agenda detalhada, mas antes de tudo é preciso rever o conceito de desenvolvimento. O que se busca? Apenas vender mais, não importa o que? Vamos garantir que todos possam ter mais coisas inúteis, sem descriminar ninguém, ou vamos procurar o bem estar? A busca do bem estar exige revisão das políticas públicas. Rever os objetivos não significa que a renda deva parar de crescer, mas que haveria um mudança na composição do produto, um aumento do peso dos serviços - mais entretenimento, mais esporte, mais educação, mais saúde, mais musica. A demanda por serviços de saúde é infinita. São essas industrias que irão liderar o crescimento do futuro e não as indústrias baseadas no consumo material.
O senhor acha que o governo precisa ter metas a partir de 2015 para o superávit, para a dívida e para o gasto público? 
André Lara Resende: Metas são importantes para o balizamento, tanto do governo, como do setor privado, mas mais importante do que ter metas quantitativas anunciadas, é o compromisso com elas. Creio que é pior ter metas, sem acreditar nelas, do que não tê-las. As três metas a que você se refere dizem respeito ao custo do Estado. O Estado no Brasil tem uma longa história de patrimonialismo, de confundir o seu interesse com o da sociedade. Só em alguns períodos excepcionais houve tentativas de adotar reformas modernizadoras. A tendência secular é de um crescimento burocrático patrimonialista. Tendência que foi claramente acentuada na última década. O Estado no Brasil de hoje é um criador de dificuldades de toda ordem, tanto para os indivíduos como para as empresas, um detrator da qualidade de vida e da produtividade. Toda crítica ao Estado tende a ser identificada com um liberalismo econômico radical e equivocado, segundo o qual o mercado tudo resolve, e assim é desqualificada. É um falso dilema. O Estado - assim como o mercado - é fundamental nas sociedades contemporâneas, mas é preciso ter um Estado inteligentemente organizado, eficiente, a serviço da sociedade, e não a serviço de seus próprios interesses, contra a população. 
Qual deve ser a postura em relação ao câmbio?
André Lara Resende: No mundo contemporâneo, no que se pode chamar de período pós Bretton-Woods, consolidado nas últimas décadas, as taxas de câmbio são flutuantes. Não completamente livres, mas uma flutuação administrada, para evitar a alta volatilidade de curto prazo, que é perturbadora da atividade econômica. A taxa de câmbio não é, portanto, uma variável de controle direto das autoridades monetárias, mas consequência da política econômica como um todo. A valorização do câmbio, nos últimos anos, percebida como excessiva, é decorrência da combinação perversa da baixa produtividade da economia, da poupança interna insuficiente - ou seja, alto consumo público e privado - com uma política monetária obrigatoriamente apertada para manter a inflação sob controle. É preciso rever toda a política econômica para que o câmbio encontre um equilíbrio menos punitivo para a produção nacional. Ao contrário do que pode parecer, não é possível corrigir problemas da política econômica com a manipulação do câmbio - é preciso corrigir o câmbio com a revisão da política econômica.
Há um represamento na inflação de preços administrados? Como deve ser feito um eventual ajuste para adequar esses preços à realidade de mercado?
André Lara Resende: Há efetivamente um represamento, como fica claro ao comparar a variação do índice de preços livres com a do índice de preços administrados. Em particular, o preço do petróleo e de seus derivados tem sido corrigido muito abaixo do necessário para manter a paridade com os preços externos corrigidos pela taxa de câmbio. Todo o processo, cujo objetivo é tentar manter a inflação dentro das metas, sem sobrecarregar a política monetária e subir demais os juros, apesar do excesso de gastos do governo, tem alto custo. Entre outros, o absurdo de subsidiar o consumo de combustíveis fósseis, derivados do petróleo. Acredito que o ajuste deva ser feito o mais rápido possível, desde que todas as demais incongruências da política econômica, sobretudo o gasto público excessivo, sejam corrigidos e percebidos como uma decisão de longo prazo. Assim, o impacto inflacionário da correção teria fôlego curto, dada percepção da correção de rota da política macro. Mais uma vez, é a distorção da política macro, sobretudo da política fiscal, que pressiona a inflação. Corrija-se a fonte do problema e as distorções periféricas se corrigem naturalmente, ou podem ser revistas sem grandes perturbações.
Há um certo mau humor dos investidores internacionais com o Brasil. O que o senhor acredita que está havendo? 
André Lara Resende: Durante alguns anos, houve uma lua de mel dos analistas e dos investidores internacionais com o Brasil. É compreensível. Nos governos Fernando Henrique Cardoso, a inflação crônica foi vencida e as contas públicas, nas suas várias instâncias, equilibradas. Eleito, Lula manteve inicialmente o curso da política macroeconômica e soube dar a um programa criado por Ruth Cardoso a dimensão merecida, o que incorporou um enorme contingente da população à classe média. O país fez efetivamente progresso, parecia estar pronto para o salto definitivo para o primeiro mundo. Com sua conhecida e tradicional obsessão por simplificar e caricaturar, analistas e investidores desconsideraram a vasta gama de gravíssimos problemas que ainda temos, fecharam os olhos ao primeiros sinais de que a política macroeconômica, sob a desculpa de minorar o impacto da grande crise financeira internacional de 2008, havia tomado outro rumo. Desde 2008, a política econômica brasileira é uma versão anacrônica e incompetente do velho desenvolvimentismo dos anos cinquenta do século passado, que teve seu período áureo durante o regime militar, até meados dos anos 70. De uns dois anos para cá, uma vez percebido o corporativismo estatista da política econômica, a incompetência para modernizar a infraestrutura e aumentar a produtividade da economia, os investidores, mais uma vez bem ao seu estilo volúvel e emotivo, passaram de um extremo ao outro. O Brasil agora lhes parece à beira do colapso econômico. Não acho que seja o caso. Ao menos ainda não.
O Senhor apoia algum candidato? 
André Lara Resende: Acredito que a alternância no poder é elemento fundamental da democracia. Uma década parece-me suficiente para que um governo diga a que veio. Mesmo quando o governo é bom, é preciso alternar. Muito tempo no poder desvirtua, leva à perda de foco, a confundir os interesses dos governantes e do partido com os interesses do país e da população. É importante ter novos ângulos, novos pontos de vista, sobre os problemas e os desafios do país. A alternância entre o PSDB e o PT, nas últimas décadas, foi positiva. O PT mostrou sua cara, suas qualidades e seus vícios, desmistificou-se. Foi importante. Acho que agora é hora de mudar. Tenho certeza de que Aécio Neves faria um excelente governo, como já demonstrou no governo de Minas. Na economia está muitíssimo bem assessorado e saberia como reverter o quadro delicado, decorrente dos erros da política econômica nos últimos anos. Não será fácil, sobretudo por conta do aparelhamento do Estado, promovido pelo governo nos últimos anos. Em nome da alternância e da mudança de ângulo, gostaria de ver um governo de Eduardo Campos e Marina Silva. Não apenas me identifico com uma nova visão do desenvolvimento, que dá mais importância à qualidade de vida do que exclusivamente ao crescimento material, como acho saudável que o pais transcenda um sistema bipolar, PT e PSDB, que tende à radicalização.
O senhor pode falar um pouco sobre a sua relação com a Marina Silva? 
André Lara Resende: Eu tive fiz alguns contatos com a Marina na eleição passada e conheço pessoas que conversam com ela. Converso muito com o Eduardo Giannetti. Recentemente, estive uma vez com a Marina e com o Eduardo Campos em um encontro da Rede. Eu não o conhecia, nem conhecia o pessoal dele. Fiquei bem impressionado. Mas não participo de campanha e não tenho nenhum engajamento.