DISPENSA COLETIVA NA
REESTRUTURAÇÃO DA EMPRESA
(Aspectos Jurídicos do
Desemprego Tecnológico)
ORLANDO COMES
INTRODUÇAO
Nos países que estão se
industrializando a política de emprego enfrenta o problema do desemprego
tecnológico.
Com esta expressão
designa-se a dispensa coletiva de trabalhadores em conseqüência de mudanças na
organização do trabalho e na técnica de produção que determinam a redução do
pessoal de determinada empresa.
A despedida por essa razão e com esse propósito
constitui interessante modalidade da dispensa coletiva, que demanda tratamento
especial da lei, no quadro da solução jurídica desse problema social.
Para sugeri-lo à luz dos interesses peculiares
das nações em desenvolvimento é preciso limpar o terreno por maneira a
facilitar, com noções e distinções, a sua exploração racional.
Releva definir, no começa
dispensa coletiva, diferençá-la, de imediato, da dispensa plúrima, classificar
as suas espécies e conferir sua repercussão nos contratos de trabalho em curso.
Estabelecidos esses
prolegômenos, há que partir para a determinação do regime legal a que deve
sujeitar-se tal dispensa, avançando advertências e alvitres
inspirados na necessidade de conciliar os interesses contrapostos da empresa e
dos trabalhadores em função do desenvolvimento econômico e da proteção ao
trabalho. Esta perspectiva em que deve ser situado o desemprego tecnológico
onde a industrialização começa, dá-lhe a nota particular que preconiza a
especialização do tratamento legal.
Se bem que o objetivo último de combate ao
desemprego se possa alcançar, nos países desenvolvidos, sem intervenção do
legislador na relação contratual, mas através das novas técnicas fundadas sobre
a previsão, o ajustamento e a ação comum de organismos públicos e sindicais,
não
é desprezível a experiência desses povos no emprego dessas técnicas quando não
pressuponham a existência de organismos profissionais, de trabalhadores, que
ainda não conhecem os países mais atrasados, merecendo, pois, sumária
referência.
CARACTERIZAÇÃO DA DISPENSA
COLETIVA
Dispensa coletiva é a
rescisão simultânea, por motivo único, de uma pluralidade de contratos de
trabalho numa empresa, sem substituição dos empregados dispensados.
Dois traços caracterizam a
dispensa coletiva, permitindo distinguí-la nitidamente da dispensa plurima.
São:
a — a peculiaridade da
causa;
b — a redução definitiva
do quadro do pessoal.
Na dispensa coletiva é única e
exclusiva a causa determinante. O empregador, compelido a dispensar
certo número de empregados, não se propõe a despedir determinados
trabalhadores, senão aqueles que não podem continuar no emprego. Tomando a
medida de dispensar uma pluralidade de empregados não
visa o empregador a pessoas concretas, mas a um grupo de
trabalhadores identificáveis apenas por traços não-pessoais, como a lotação em
certa seção ou departamento da empresa, a qualificação profissional, ou o tempo
de serviço. A causa da dispensa é comum a todos, não se prendendo ao
comportamento de nenhum deles, mas a uma necessidade da empresa.
A finalidade do
empregador ao cometer a dispensa coletiva não é abrir vagas ou diminiuir,
por certo tempo, o número dos empregados. Seu desígnio é, ao contrário, reduzir
definitivamente o quadro do pessoal. Os empregados dispensados não
são substituídos, ou porque se tornaram desnecessários ou porque não tem a
empresa condições de conservá-los.
A exigência da reunião
desses elementos de caracterização da dispensa coletiva facilita sua distinção
da dispensa ou despedida plúrima.
DISPENSA COLETIVA E DESPEDIDA
PLÚRIMA
Dispensa dessa espécie
sucede quando numa empresa se verifica uma série de despedidas singulares ou
individuais, ao mesmo tempo, por motivo relativo à conduta de cada empregado
dispensado.
Essa dispensa há de ser
praticada, primeiramente, contra número considerável de empregados, por fato
que a todos diga respeito, como, por exemplo, a insubordinação dos
trabalhadores da seção de embalagem de uma empresa. Os dispensados têm de ser
pessoas determinadas, constituindo um conjunto concreto de empregados.
Afastados, hão de ser substituidos, eis que o serviço precisa ser prestado
continuadamente por igual número de trabalhadores. A dispensa plurima não tem, por
último, a finalidade de reduzir o quadro do pessoal.
Os pontos de semelhança
entre dispensa plurima e coletiva desautorizam a aceitação do critério
quantitativo para a caracterização da última, pois a primeira também supõe uma
pluralidade de dispensados. Algumas leis qualificam como coletiva, entretanto,
a despedida, em certo período, de empregados em número superior aos que indica em
função da quantidade de trabalhadores da empresa. Pode, no entanto, ser plurima
a dispensa que atinge proporção superior à estabelecida para que se
considere coletiva. Nem deve perder esta conotação a despedida de empregados em
pequeno número ou em número inferior às percentagens estabelecidas, se reveste
os outros caracteres da dispensa coletiva.
DISPENSA COLETIVA POR FORÇA MAIOR
A dispensa coletiva pode ter como causa a força
maior e a reorganização da empresa por mudanças tecnológicas.
Conforme seja a motivação
variam, e devem variar, as conseqüências jurídicas, as questões e as soluções.
A força maior determina:
a) ou a extinção da empresa; b) ou a extinção de um dos estabelecimentos em que
se divide. No primeiro caso, não se verifica propriamente a dispensa coletiva
no sentido estreito da expressão, porque não se trata de redução de quadro de
pessoal. No segundo caso, configura-se, como uma de suas espécies, tal
dispensa. As conseqüências são, porém, idênticas em nosso ordenamento jurídico (2)
- (2) CLT art. 502.. A lei assegura ao empregado o direito a uma
indenização, segundo critérios diversos em função de sua posição jurídica na
empresa. Tendo ele a garantia da estabilidade (3) fará jus à indenização
simples, assim definida a que se atribui ao empregado não-estável quando
despedido sem justa causa. Não estando no gozo dessa garantia, terá direito à
metade dessa indenização. O direito ao recebimento de indenização tem como
pressuposto, igualmente nessas hipóteses, a despedida do empregado. Ao erigí-la
como tal, a lei cogita obviamente da dispensa coletiva por força maior
determinante da extinção de um dos estabelecimentos da empresa, uma vez
que a extinção desta, confunda-se ou não com o estabelecimento, implica
necessariamente a despedida de todos os empregados, mas, conquanto restrita a
essa hipótese única a solução indenizatória, a sua adoção pelo legislador não
afasta a do aproveitamento dos empregados, ou de alguns deles, em outros
estabelecimentos da empresa, quando a extinção não seja desta. Por outras
palavras: no caso de extinção, por força maior, de um dos estabelecimentos, o
empregador não está adstrito à solução da despedida, pois é uma alternativa a
seu arbítrio adotá-la ou aproveitar os empregados do estabelecimento que
fechou.
Considerando-se a
conveniência social e política de assegurar-se a continuidade do emprego seria
aceitável o regime legal, que, nessa hipótese, estando comprovada a viabilidade
do aproveitamento, fosse obrigatório para o empregador e irrecusável ao
empregado, ainda quando o serviço não fosse idêntico mas estivesse em limites
toleráveis a sua alteração. O Interesse de conservar os empregados do
estabelecimento extinto poderia determinar até a dispensa de outros empregados
da empresa com menor tempo de serviço ou em condições de ser — a
despedida —, menos danosa.
DISPENSA TECNOLÓGICA
Com a dispensa coletiva
em conseqüência de força maior que não afete a situação econômica e financeira
da empresa tem grande afinidade a
que se poderia denominar dispensa tecnológica.
Com esta qualificação
quer-se significar a despedida coletiva de empregados de uma empresa em razão
da introdução de novas técnicas que motivam a redução do pessoal.
A solução indenizatória é
inconveniente, mesmo sem o abatimento previsto para o caso de força maior,
tanto para a empresa como para os empre gados, sobre ser desinteressante
socialmente.
Deve-se encontrar, desse
modo, fórmula capaz de atender aos respeitáveis interesses da empresa, do
pessoal e da sociedade.
(3) CLI’ arte. 492 a 500;
Tem a empresa o
interesse de se modernizar adotando novos métodos e técnicas que incrementem a
sua produtividade e rentabilidade e permitam a redução do seu quadro de
empregados. Esse interesse arrefece intuitivamente se, para alcançar o objetivo
renovatório, tiver de arcar com o peso de indenizações extremamente onerosas a
ponto até de desaconselhar economicamente o empreendimento, ou se defrontar com
numerosos empregados estáveis, de alijamento impossível, ou, quando menos,
pretendentes a indenizações em dobro.
Têm os empregados,
principalmente os mais antigos ou os mais velhos, o interesse de conservar o
emprego que nenhuma indenização compensa ou substitui.
Tem a sociedade interesse
em que as empresas se modernizem e se aperfeiçoem, não haja desemprego e
concorram todos, empresários e trabalhadores, para seu desenvolvimento econômico
como a via por excelência do bem estar comum.
Não se deve, portanto,
entravar com medidas jurídicas o crescimento e o progresso das empresas, nem
permitir, do mesmo passo, que, para se fortalecerem, se desapartem de numerosos
empregados privando-os da fonte de sua subsistência e tornando-os as vitimas
preferidas do desenvolvimento. Tanto não devem ser admitidas dificuldades à
reorganização das empresas como não se pode imolar a esse impulso progressista
o direito ao emprego, a mais positiva expressão da liberdade de trabalho. Por
outro lado, sendo a redução de quadro do pessoal um problema que, em certa
dimensão, interessa ao segmento da sociedade onde atua a empresa que a efetiva
por motivos técnicos, a ele não deve ficar alheia.
A solução jurídica para os
problemas criados pelo desemprego tecnológico há de consultar, para harmonizá-los,
esses distintos interesses.
Antes de tentar a
indicação de algumas normas inspiradas no propósito de conciliar esses interesses,
é preciso selecionar alguns pontos interessantes no campo das dispensas
coletivas. Esses pontos são os seguintes:
a) o controle da dispensa;
b) os efeitos das
despedidas;
c) a determinação dos
atingidos.
CONTROLE DA DISPENSA
A reorganização da empresa que implique diminuição
de seus efetivos deve ser submetida a controle da autoridade administrativa.
A interessada tem de
comunicar, com certa antecedência, o seu projeto de reorganização, informando o
número de empregados, com as respectivas qualificações, que sobrarão e a data
provável da dispensa coletiva. Não importa que a redução do pessoal decorra de
uma reestruturação da empresa ou de fusão de duas sociedades ou incorporação
d’uma por outra.
No processamento da
dispensa coletiva, a ser autorizada, devem ser levados em conta:
a) os fatores econômicos
peculiares à empresa;
b) a situação geral de
emprego no ramo de atividade e na região interessada (4)
Justifica-se a redução do pessoal se a
reestruturação é economicamente necessária ou propícia à preservação ou à
expansão da empresa, desde que a situação geral do emprego permita
a pronta reabsorção dos empregados dispensados. Na França, o órgão
administrativo de controle pode opor-se a despedidas em massa suscetíveis de
causar grave perturbação na vida econômica de uma localidade, ou distúrbios
sociais. (5).
A intervenção estatal tem
sido preconizada até o extremo de pretender-se que dependa de sua aprovação
qualquer reestruturação de empresa que implique despedida coletiva e em
convenções coletivas de trabalho têm sido introduzidas cláusulas que estipulam
a proibição de despedir antes de esgotadas outras possibilidades de evitar a
dispensa coletiva, como, por exemplo, a redução do horário de trabalho (6). Contrabalança-se
a oposição estatal assegurando-se ao empresário uma indenização em
ressarcimento do prejuízo que, nesse caso, sofre em proveito da coletividade,
justificando-se esse seu direito na socialização da reparação das conseqüências
danosas da ação administrativa (7).
É de se exigir, quando
menos, uma comunicação à autoridade administrativa do trabalho para pô-la de
sobreaviso, não somente para que tome as providências quanto ao desemprego dos
futuros dispensados, proporcionando-lhes, se for o caso, subsídios ou
encaminhando-os a outros empregos, mas também para fazer sentir aos
trabalhadores que serão dispensados a presença do Estado e seu interesse em
obviar as respectivas situações de desemprego (8).
De qualquer sorte, seja
qual for o fundamento, a dispensa coletiva para reestruturação da empresa não
pode ser encarada como uma soma de despedidas individuais, nem na comissão, nem
nos efeitos.
EFEITOS DAS DESPEDIDAS
Nos efeitos, não devem ser os que se atribuem
à sessação do contrato individual do trabalho, sem justa causa, ou por força
maior. O aviso prévio é, não só admissível, como teria cabimento a
dilatação do prazo normal, razão não havendo para torná-lo variável em função
da antiguidade do trabalhador na empresa. Tendo em vista que a despedida é
coletiva não é possível assegurar aos empregados preavisados o direito à
redução da jornada de trabalho, instituído para que tenham tempo de procurar
novo emprego, porque o seu exercício simultâneo perturbaria a atividade da
empresa. Dai a tendência para imprimir, no caso, novo significado ao pré-aviso,
seja o de comunicação a órgão incumbido de colocação dos trabalhadores, seja o
de complementação da indenização por despedida, solução pela qual se
converteria em obrigação pecuniária ou seria dado no dia do afastamento do
empregado, só se extinguindo o contrato ao expirar o prazo. Quanto à
indenização por despedida, entende-se que deve ser atribuida a cada empregado
envolvido na dispensa coletiva nas mesmas condições e pressupostos da dispensa
individual. É discutível se o ônus das indenizações há de recair na empresa ou
se, ao menos em parte, e sob a forma de subsidios, deverá ser atribuído a um
fundo constituído para esse fim com recursos proporcionados pelas empresas.
Outras medidas para amortecer as
conseqüências de uma dispensa tecnológica têm sido preconizadas para proteção ao
emprego, como, por exemplo, a de assegurar aos despedidos preferência nas vagas
supervenientes.
DETERMINAÇÃO
DOS ATINGIDOS
Outro problema que a despedida
para reorganização industrial levanta é o da determinação dos empregados que
serão atingidos.
Se bem que, em tese, não devesse
o legislador intervir na sua solução, deixando-a ao arbítrio do empregador, vem
se entendendo que a escolha deverá obedecer a critérios traçados na lei, ou que
a seleção se realize com a colaboração de órgãos do pessoal na empresa
(comitês).
Certo é que, em função dos interesses
da empresa, ninguém terá melhores condições para escolher que os dirigentes,
mas, levando-se em consideração os interesses dos empregados e da sociedade não
convém assegurar àqueles a irrestrita liberdade de despedir os empregados que
julgue dispensáveis. Do ponto de vista individual e social é preferível demitir
uim jovem, sem encargo de família e com pouco tempo de serviço, a um
trabalhador idoso e antigo na casa, sem grande probabilidade de conseguir nova
ocupação. Mas sentimentos humanitários ou razões de política social não devem
ser levados ao ponto de prejudicar a empresa, obrigando-a, por exemplo, a
dispensar, antes dos outros, os empregados de maior aptidão profissional ou de
melhor comportamento. É necessário, certamente, estabelecer critérios de
escolha, mas com flexibilidade que não assegure boa dosagem dos interesses em
jogo, de tal sorte que não se sacrifique um para atender a outro.
Esta orientação contra-indica a
fixação desses critérios na lei, por ser impossível lhes dar, nesse veículo, a
necessária elasticidade. Há que referí-los ou reportá-los numa disposição
legal, eliminando apreciações puramente subjetivas, mas sem atribuir pesos a
cada qual e sem estabelecer prioridades, a fim de que os encarregados da
escolha possam fazê-la com relativa liberdade em cada caso concreto. Na individuação
do pessoal a despedir, o órgão competente para indicar os empregados a serem
incluídos na dispensa coletiva deverá considerar as condições pessoais de cada
qual, a sua posição na empresa, a sua qualificação profissional e outros tantos
dados, mas também atentará para o interesse da empresa e para a repercussão, no
indivíduo e na mão-
-de-obra, das dispensas a se consumarem.
O órgão competente para a indicação
deve ser, onde existe, o comitê ou conselho de empresa, cabendo a decisão, em
caso de discordância da direção da empresa, à autoridade administrativa do
trabalho.
CONCLUSÃO
A simples indicação de algumas
questões jurídicas suscitadas pela dispensa coletiva dá a medida de sua
relevância no quadro da economia moderna, notadamente quando essa dispensa se impõe
por força de reestruturação da empresa determinada pela necessidade de
renovação tecnológica de sua maquinaria, reformulação de métodos ou
concentração econômica.
Tais questões reclamam, solução
específica e urgente, a ser adotada principalmente pelas nações que estão a se
desenvolver, porque nelas são mais freqüentes as causas determinantes desse
gênero de despedida. Por outro lado, parece ser uma fatalidade e inclinação
desses países para um regime de economia dirigida. Por essas duas principais
razões, a solução reclamada há de se inspirar predominantemente no interesse de
acelerar o desenvolvimento econômico. Voltado para esse esse objetivo, o Estado
se vê na contingência de oferecer soluções jurídicas que, nas relações entre
empregados e empregadores, se afastam da finalidade humanitária e social da
legislação do trabalho. E levada à condição de meta prioritária da política do
Estado contemporâneo, a promoção do desenvolvimento econômico, sob sua
orientação e controle, passa a ser questão de interesse nacional, a que se não
devem sobrepor interesses de classe, justificando-se, na linha desse pensamento,
a política de não entravar o crescimento e a prosperidade das empresas com obstáculos
provenientes da legislação trabalhista, tanto no direito coletivo como no
direito individual. Esse interesse geral não deve, porém, ser pretexto para se
tratar o trabalhador “como uma ferramenta cujo rendimento convém ativar”,
sacrificando-lhes direitos irreversivelmente conquistados.
A subordinação do Direito
do Trabalho ao Direito Econômico justifica a pesquisa de soluções para a
dispensa tecnológica que não dificultem ou impeçam a renovação das empresas de
significação para o desenvolvimento nacional ou regional, mas, se devem ser
abandonadas ou esvaziadas as que se encontraram para a despedida individual,
busquem-se outras que não impliquem reviravolta no significado social e
humanitário da legislação trabalhista, convocando o Estado, inclusive, para se
co-obrigar no dever de amparar as vítimas indefesas da política de
desenvolvimento que estimula e comanda.
Bahia, julho, 1973
(1) P.IJ.OLLIER, Le droji dii havail, Libnairje Anmnd
Colin, Paris, 1972, Ȓg. 543.