quinta-feira, 26 de outubro de 2017

TRABALHO EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS A ESCRAVO - ARTIGO JUÍZA MARIA FRANCISCA

O ditado e o operário: Os anéis vão ficar. Há dúvida quanto aos dedos.
José Irmo Gonring

Há pouco tempo, escrevi uma crônica sobre a escravidão moderna para uma revista literária, cuja publicação será em dezembro. Eis-me, agora, surpreendida com a Portaria 1.129, do Ministério do Trabalho e Emprego, dispondo sobre o trabalho em condição análoga à escravidão, reduzindo-a, todavia, ao fato de estar o empregado sem liberdade de ir e vir. Isso, a pretexto de estabelecer as regras do seguro-desemprego para as pessoas resgatadas da situação considerada degradante.
É incrível, como uma Portaria de um Ministério pode afrontar leis, tratados internacionais e ainda, no preâmbulo, ou “considerandos”, citar todas essas leis e tratados. Tem-se a impressão de que esses governantes não leram nada dessas normas, ou, pior, zombam do povo.
Desde a edição da bendita portaria muitos órgãos, como Ministério Público, Ministério Público do Trabalho, Entidades Internacionais e de classe e alguns Ministérios do mesmo governo condenaram o texto dessa norma.
A explicação dos que a defendem: ela apenas retira a subjetividade dos conceitos do Código Penal, trazendo segurança jurídica às relações de trabalho. E o Ministro continua dizendo a mesma coisa, mesmo depois que os efeitos da Portaria foram suspensos pela Ministra do STF Rosa Weber. Disse que não vai revogar a norma. Vai apenas aperfeiçoá-la.
Se reduzir o empregado à condição análoga a escravo é simplesmente impedir o seu direito de ir e vir, o que fez o governo foi rasgar o Código Penal, como disse o colega Marcelo Tolomei, numa entrevista na Rede Gazeta ontem. E a falta de água para beber? E dormir sobre esgoto? E não receber a remuneração? E não poder deixar aquele patrão, porque tem dívida que não acaba nunca? E um cortador de cana ou trabalhador em carvoaria trabalhar 15 horas por dia? A Gazeta noticiou inúmeros casos de condição degradante, todos sabemos. E o que noticiou com fotos não é trabalho escravo?
Agora a expressão segurança jurídica virou moda. Tudo é para dar segurança jurídica. As mudanças das leis trabalhistas trazem “segurança jurídica”, mesmo com tantos absurdos, como tarifação de dano moral. O valor da condenação em dano moral vai depender do salário do ofendido. Se ganha pouco, o valor é menor. Se ganha mais, tem direito a uma indenização maior. Conceito de igualdade da nova lei: ao pobre, a pobreza sempre. O sofrimento do pobre tem menos valor.
Dizem as más línguas que o governo quis agradar à bancada ruralista no caso da portaria e, na reforma trabalhista, aos empresários que o apoiam. Com tanta coisa estapafúrdia, chego a acreditar nisso.
É. Infelizmente, tenho que concordar com meu amigo jornalista, cronista e poeta, José Irmo Gonring, no seu belo livro “Garimpo de estrelas”: os anéis vão ficar. Há dúvida quanto aos dedos. Do operário, claro.
Maria Francisca – outubro de 2017

TRT-15ª- MORTE DE TRAB. RURAL NA QUEIMA DE CANA - RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA

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Mantida a responsabilidade objetiva de usina em queimada de canavial que vitimou trabalhador rural

Por Roberto Machini 
A 7ª Câmara do TRT-15 deu parcial provimento ao recurso da reclamada, empresa que atua na fabricação e refino de açúcar, para reduzir o valor da indenização por danos morais para R$ 150 mil, mas manteve o reconhecimento da responsabilidade objetiva da ré pelo acidente de trabalho fatal que vitimou seu empregado. O relator, desembargador Manuel Soares Ferreira Carradita, também negou provimento ao apelo das partes em relação à indenização por dano material, arbitrada pela juízo de primeiro grau em R$ 141 mil.      
O empregado faleceu em 25 de outubro de 2012, durante a atividade de queima da cana-de-açúcar, no exercício da função de trabalhador rural.
O espólio do trabalhador narrou que o fiscal da ré "ordenou que a vítima fosse queimar alguns  alqueires de cana para colheita e a vítima teria  adentrado no corredor do canavial e passou a  atear fogo nas canas, quando de repente o vento  virou de direção e se espalhou com fortes labaredas e a vítima não conseguiu correr e foi  colhida  pelas  chamas  do  fogo".
A empresa alegou que não teria ocorrido a demonstração de todos os requisitos necessários à configuração de sua responsabilidade no acidente: a  ação  ou  omissão,  o  dano,  o  nexo  de causalidade e a culpa ou o dolo, posto que a hipótese dos autos não seria de responsabilidade objetiva. Afirmou também que a causa principal do infortúnio foi a mudança repentina na direção do vento, sendo, portanto, evento imprevisível.
O relator ressalvou inicialmente seu entendimento de que "a responsabilidade do empregador é, em regra, subjetiva", tal como consagrada no artigo 7º, XXVIII, da Constituição Federal de 1988. Porém, diante do entendimento majoritário da 7ª Câmara e da jurisprudência dominante do TST, registrou que se aplica "no âmbito do Direito do Trabalho, a teoria da responsabilidade objetiva do empregador, nos casos de acidente de trabalho quando as atividades exercidas pelo empregado são de risco acentuado", nos termos do artigo 927, parágrafo único, do Código Civil de 2002, combinado com o parágrafo único do artigo 8º da CLT.
Fundamentando não haver dúvida de que a atividade profissional desempenhada pelo de cujus era de risco, "pois, na condição de rural deslocado para a queima de cana, está mais sujeito a acidentes mais graves", o desembargador manteve o dever da ré indenizar o espólio independentemente da comprovação de culpa.
Em relação ao dano moral, o desembargador registrou que "havendo acidente de trabalho com morte, é inexigível do autor que comprove o dano moral sofrido, já que este é presumido", e que os "fatos notórios não dependem de prova e as regras de experiência comum devem ser usadas como fonte de convencimento do julgador".
Por outro lado, o relator deu parcial provimento ao recurso da ré para reduzir o montante da indenização por dano moral de R$ 200 para 150 mil, tendo em vista os valores reiteradamente arbitrados pela 7ª Câmara em hipóteses semelhantes.
O desembargador Manuel Soares Ferreira Carradita também negou provimento aos recursos das partes quanto à indenização por dano material.
Em relação ao apelo da ré, que pleiteou a exclusão ou a redução da indenização, o relator anotou que a morte do marido da autora deve ser reparada da forma mais completa possível, nos termos do artigo 948 do Código Civil, pois o objetivo da indenização por dano material é reparar o prejuízo da perda da renda familiar, e que há "jurisprudência sólida do Colendo Tribunal Superior do Trabalho no sentido de aplicar-se ao cálculo das indenizações por danos materiais, a tábua completa de mortalidade do IBGE, e não a Lei nº 13.135/2015 que alterou artigos da Lei nº 8.213/91, Lei nº 8.112/90 e Lei nº 10.666/03 que tratam de pensões".
Por fim, quanto ao recurso do espólio, que pediu a majoração da indenização por dano material, o relator apontou que, como a sentença fixou a indenização em parcela única, no valor de R$ 141 mil, com base na média salarial dos últimos 12 meses do de cujus multiplicada pela expectativa de vida prevista na tabela do IBGE, "a r. sentença não merece reparo, pois é indiscutível que quem antecipa o pagamento de uma dívida, o faz sob a promessa de desconto do montante total nominativo agregado devido".  (Processo 0000043-32.2013.5.15.0100)