segunda-feira, 29 de agosto de 2016

O COITADISMO É VIA CERTA PARA O INSUCESSO NAS PROFISSÕES JURÍDICAS

Segunda Leitura

O coitadismo é via certa para o insucesso nas profissões jurídicas

O coitadismo é uma palavra fora do vocabulário jurídico, praticamente desconhecida. No entanto, o estudo da mente a ela dedica atenção. O psiquiatra Augusto Cury explica que:
“O coitadismo é a arte de ter pena de si mesmo. O coitadismo é o conformismo potencializado, capaz de aprisionar o Eu para que ele não utilize ferramentas para transformar sua história. Vai além do convencimento de que não é capaz, entra na esfera da propaganda do sentimento de incapacidade. Não tem vergonha de dizer: ‘Sou desafortunado!’, ‘Sou um derrotado!’, ‘Nada que faço dá certo!’, ‘Não tenho solução!’, ‘Ninguém gosta de mim!’”[1].
O coitadista, ao cultivar sua inferioridade, muitas vezes perde ótimas oportunidades de expor seu talento, crescer como ser humano e alcançar maior sucesso pessoal e profissional.
Myra Y Lopez, na clássica obra Quatro Gigantes da Alma, aponta o medo como o primeiro deles e afirma que ele, para dissimular-se, utiliza múltiplos disfarces, entre os quais o pessimismo[2]. Nas justificativas que um pessimista dá ao seu insucesso está, camufladamente, o culto à autopiedade, o dó de si mesmo.
Essa forma de conduta sempre existiu. Porém, tem aumentado em tempos mais recentes. Não são poucos os pais que estimulam o coitadismo em seus filhos. Protegem-nos excessivamente, sufocando-os com mantas, gorros e agasalhos, passam cremes para isto ou aquilo, enfrentam professores que ousem dizer-lhes algo desagradável e, quando eles praticam esportes, envolvem-se nos treinos e competições como se fossem os atletas.
Tudo isso, ainda que feito com o melhor dos propósitos, transforma os filhos em pessoas frágeis, seres sem noção do mundo real, do que se passa do outro lado do muro do seu condomínio.
A legislação também dá sua ajuda no culto ao coitadismo. O novo Código de Processo Civil, ao dispor no artigo 349 que o revel pode produzir provas, está estimulando o inerte, desidioso. Idem a jurisprudência, por exemplo, considerando de pequeno valor furto de água de concessionária, visto que geralmente o furto é por meses e encarece o serviço, em prejuízo dos que pagam corretamente[3].
Os coitadistas nem sempre se dão conta do papel que representam. O ingresso na Faculdade de Direito é, muitas vezes, o primeiro contato com a realidade. O primeiro embate pode dar-se, por exemplo, quando um professor exige dos alunos leitura de texto em casa para discussão em sala de aula. Inquirido e surpreendido em falta, por não ter feito a leitura, muitas vezes o aluno se entrega ao desânimo, narrando a todos o seu triste destino e deixando no ar crítica ao professor. Errado. O que tem a fazer é pedir desculpa e atender outras recomendações, com o que conquistará respeito.
Nas profissões jurídicas, estamos sempre rodeados de coitadistas, muito embora, assim, ninguém se considere. Nas carreiras policiais é comum um jovem de classe média, recém-concursado, sentir-se vítima porque foi lotado em região de alta criminalidade. Só que quem entra na polícia sabe muito bem que existem áreas perigosas e que o risco faz parte da profissão. A autopiedade não tem o menor cabimento, porque as regras do jogo são claras e “não há bônus sem ônus”.
A advocacia é local em que o coitadismo gosta de se instalar e crescer. Afinal, sabidamente, não é fácil o jovem abrir seu escritório, conquistar clientes e ser reconhecido como um bom profissional. Mas, apesar das dificuldades, muitos alcançam sucesso na profissão, evidentemente com muita luta e depois de alguns anos.
Todavia, adeptos do coitadismo preferem recuar no primeiro obstáculo. Por vezes, com olhos tristes, declaram-se decepcionados com o mundo do Direito, dando a entender que suas virtudes impedem-nos de ter sucesso em uma sociedade corrompida. Em outras palavras, “pessoas boas e honestas como eu não têm chance no mercado do trabalho”. Essa autocomiseração, evidentemente, leva ao fracasso profissional e muitas vezes se perde uma pessoa culturalmente bem preparada, que levou o curso de Direito a sério. Ruim para ela, pior para a sociedade que perde uma pessoa preparada.
No Ministério Público também há espaço para o cultivo desse sentimento negativo. Há promotores que transmitem a quem passar por perto o seu inconformismo com o excesso de trabalho, a falta de infraestrutura do gabinete ou a conduta do conselho superior, que nunca reconhece o seu valor nas listas de promoção por merecimento. O “pobre de mim” não costuma encontrar pessoas solidárias, porque em um país com milhões de desempregados ninguém se impressionará com as dificuldades normais da vida estável de um promotor.
Os obstáculos de tal profissão devem, quando possível, ser superados com criatividade e inteligência. Excesso de trabalho se combate com gestão adequada, eleição de prioridades e, quando possível, estagiários voluntários. Falhas na infraestrutura, quiçá com empréstimos de outros órgãos ou utilização de bens apreendidos. Reconhecimento do mérito será consequência, não se pede e muito menos se impõe.
Entre os professores de Direito também há os que cultivam, carinhosamente, o “eu me mato de trabalhar e ninguém reconhece”. Essas palavras são amplas o suficiente para alcançar os alunos, a faculdade e os colegas. Ensinar não é fácil, as faculdades exigem cada vez mais, até aí todos estão de acordo. Nem por isso um professor de Direito pode ser considerado um coitado.
As faculdades exigem porque são cobradas pelos órgãos de ensino. É preciso atendê-las, publicar artigos, promover eventos, participar de pesquisas e outras atividades fora de aula. Os alunos variam, vão desde jovens de classe média alta de uma universidade pública ou uma privada com bom conceito, até estudantes do período noturno de faculdade da periferia das grandes cidades, pessoas que trabalham duro de dia e a noite estão cansadas. Cabe ao professor conquistá-los, suprindo os seus anseios, conforme as diferenças. Tudo isto significa sacrifício, dedicação, mas o reconhecimento virá, com certeza e, com ele, muita satisfação.
Na magistratura, o vírus do coitadismo está sempre à espreita para infectar novos adeptos. As reclamações vão desde algo banal, como o reduzido número de servidores, até a “teoria da conspiração”, quando se exterioriza a opinião, com tristeza na voz, de que há um movimento orquestrado contra a magistratura.
Na verdade, dificuldades existem, sim, na magistratura e em todas as profissões, inclusive para os profissionais mais bem pagos, como os jogadores de futebol. O que se tem a fazer é enfrentá-las, sabendo que não serão eternas. Por exemplo, quem faz concurso para juiz federal na 1ª Região sabe que há subseções distantes, como Laranjal do Jarí, no Amapá, ou Tabatinga, no Amazonas. Sendo nomeado para tal tipo de cidade, o caminho é instalar-se, procurar dela tirar o máximo como experiência de vida, auxiliar a comunidade da forma como for possível e depois remover-se, deixando um rastro de boas realizações. O oposto será choramingar sua desdita e incomodar o tribunal com justificativas para a sua saída, como união de cônjuges, necessidade de médico especialista ou depressão na avó que sente a falta do neto ou da neta.
Na verdade, ninguém é coitado porque tem que enfrentar a vida. De uma forma ou de outra, desafios, dificuldades, decepções fazem parte da caminhada, junto com alegrias, conquistas e reconhecimento. Luiz Felipe Pondé, com senso de realidade, observa que:
“Criticamos o mundo como se ele fosse responsável por sobrevivermos ou não. Em casos como esses é que o ressentimento se torna mais evidente: a sociedade e as pessoas devem ser responsabilizadas por escolhas individuais. Se me endivido, a culpa é do banco. Se não tenho emprego, a culpa é da sociedade que me obriga a trabalhar”[4].
Em suma, o coitadismo, na vida geral e nas profissões jurídicas, é mal a ser afastado. Fere de morte o potencial das pessoas e colabora para o insucesso e a infelicidade, com reflexos negativos na sociedade. Evitá-lo e rechaçá-lo é dever dos que se sentem tentados a adotá-lo.

[1] CURY, Augusto. O Código da Inteligência. São Paulo: Sextante, 2015, p. 50.
[2] MYRA Y LÓPEZ, Emílio. Quatro Gigantes da Alma. 7ª. Ed. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1963, p. 47.
[3] STF, HC 99.054, 1ª Turma,  j. 30/11/2010.
[4] PONDÉ, Luiz Felipe de Cerqueira e Silva. A Era do Ressentimento. São Paulo: LeYa, 2014, p. 119.

 é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente da International Association for Courts Administration (IACA), com sede em Arlington (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

DEMISSÃO EM MASSA - MAIS CONTROVÉRSIA NO TST - INTERESSANTE A PESQUISADORES.


Pleno decidirá cabimento de dissídio coletivo para 
discutir demissão em massa 
A Seção Especializada em Dissídios Coletivos (SDC) do Tribunal Superior do Trabalho decidiu, nesta segunda-feira  (15), remeter ao Tribunal Pleno a definição da adequação do dissídio coletivo para a discussão da matéria relativa à  dispensa em massa. A discussão se deu no julgamento de um recurso do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias  Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Belo Horizonte e Contagem em dissídio coletivo ajuizado contra a 
demissão de mais de 200 empregados da Vallourec Tubos do Brasil S. A. 
Por maioria (quatro votos a dois), a SDC se inclinou no sentido de negar provimento ao recurso, mantendo decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG) que extinguiu o processo sem julgamento do mérito. Segundo o TRT, o dissídio coletivo não é o instrumento processual adequado para discutir a pretensão do sindicato de declaração da nulidade da dispensa e reintegração dos empregados, pois não se trata de interpretação de norma preexistente ou de criação de novas condições de trabalho. 
O julgamento foi iniciado em junho deste ano, e o relator do recurso, ministro Mauricio Godinho Delgado, votou pelo 
seu provimento. Segundo ele, a jurisprudência pacífica do TST é no sentido da adequação do dissídio coletivo para 
discutir o tema. Godinho citou diversos precedentes da SDC para fundamentar sua posição e sustentou que, desde 2009, este é o entendimento que vem sendo seguido pelo TST. 
Divergência 
O presidente do TST, ministro Ives Gandra Martins Filho, abriu divergência. Embora concordando, no mérito, com o entendimento do Tribunal no sentido de que a dispensa coletiva tem de ser precedida por negociação, ele sustentou que a matéria é típica de dissídio individual, e a via idônea para sua discussão seria a ação civil pública ou a ação civil coletiva, ajuizada não no TRT, mas na Vara do Trabalho. 
Segundo Ives Gandra Filho, os dissídios coletivos de natureza jurídica, de acordo com o Regimento Interno do TST (artigo 220, inciso II), têm por objetivo a interpretação do ordenamento jurídico, como cláusulas de sentenças normativas e instrumentos coletivos e disposições legais particulares de categorias específicas, "não se prestando sequer para interpretar lei de forma genérica". A seu ver, a demissão em massa é um caso típico de direitos individuais homogêneos, que decorrem de origem comum (a demissão), e a via processual mais adequada seria a ação civil pública ou coletiva. 
Pleno 
O julgamento do processo foi retomado com retorno de vista regimental da ministra Kátia Arruda, que seguiu o relator. 
Os demais votaram com a divergência, levando o ministro Mauricio Godinho a propor que a discussão fosse levada ao Pleno. "A matéria é de extrema importância para o TST e para todos os TRTs", afirmou. "É uma questão de interpretação da ordem jurídica do país, das convenções internacionais ratificadas, da Constituição da República". 
A decisão de suspender o julgamento se fundamenta no artigo 77, inciso II, do Regimento Interno do TST, que permite a suspensão da proclamação do resultado da votação pelas Seções Especializadas quando convier o pronunciamento do Pleno, em razão da relevância da questão jurídica ou da necessidade de prevenir divergência de julgados. 
(Carmem Feijó) 
Processo: RO-10782-38.2015.5.03.0000 

terça-feira, 16 de agosto de 2016

CRÉDITO GARANTIDO POR ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA NÃO SE SUBMETE À RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Opinião

Crédito garantido por alienação fiduciária não se submete a recuperação judicial

A Lei de Falência e Recuperação Judicial e Extrajudicial (Lei 11.101/05) – viabiliza às sociedades empresárias a oportunidade de superar eventuais crises econômico-financeiras enfrentadas no desenvolvimento de suas atividades. Para tanto, alguns requisitos devem ser preenchidos, de forma que somente as empresas viáveis – do ponto de vista econômico – possam usufruir desse regramento especial.
O procedimento recuperacional na esfera judicial, para esta breve análise, importa em dois momentos de destaque: o deferimento do processamento da recuperação judicial e, por fim, a homologação do plano de recuperação judicial. Uma vez deferido o processamento da recuperação judicial, suspendem-se todas as execuções movidas contra a recuperanda e impede-se a remoção de quaisquer bens essenciais ao funcionamento da empresa, consoante disposto nos artigos 6º e 49, parágrafo 3º.
Nesse contexto, os credores de um modo geral, embora existam exceções, submetem-se à suspensão das ações ajuizadas em desfavor da recuperanda, e, posteriormente, ao plano de recuperação eventualmente aprovado e homologado.
Por outro lado, a Lei 11.101/2005 assegura ao credor titular da posição de proprietário fiduciário a não submissão aos efeitos da recuperação judicial. Por muito tempo, a jurisprudência pátria reconheceu, como requisito de validade e constituição, o registro dos contratos garantidos por alienação fiduciária de bens móveis.
O entendimento até então reiterado por boa parte dos tribunais fundamenta-se na disposição do artigo 1.361[1], parágrafo 1º, do Código Civil, no sentido de que a propriedade fiduciária constitui-se com o registro do contrato no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor. Nesse contexto, eventual crédito garantido por alienação fiduciária submeter-se-ia à recuperação judicial quando o instrumento contratual não estivesse devidamente registrado.
Essa compreensão decorre de peculiar interpretação do aludido artigo 1.361, no sentido de que sua disposição incide sobre a alienação fiduciária de quaisquer bens, fungíveis ou não. Dessa forma, também se trata do registro, mais do que como uma forma de proteger terceiros pela publicidade, como um verdadeiro meio de constituição da alienação fiduciária.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, conforme reiteradas decisões[2], entende que os créditos originários de contratos garantidos por cessão fiduciária sujeitam-se aos pedidos de recuperação judicial caso não haja o registro desses no Cartório de Registro de Títulos e Documentos do domicilio do devedor. Justamente nesse sentido, o referido Tribunal editou o verbete sumular de número 60, segundo o qual a propriedade fiduciária constitui-se com o registro do instrumento no registro de títulos e documentos do domicílio do devedor.
A exemplo da súmula editada pela corte paulista, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul[3] adota o mesmo entendimento (Agravos de Instrumento 70067500579 e 70063659205), mantendo sujeitos ao processo de soerguimento os créditos cujo instrumento não houver sido registrado.
Em sentido diametralmente contrário ao entendimento dos Tribunais de Justiça, a doutrina de Orlando Gomes já se posicionava, há tempos, no sentido de que a exigência de registro não é requisito de validade. Para as partes, não é sequer de eficácia, Nem se prende, senão mediata e indiretamente, à forma do negócio. Constitui, em verdade, imposição legal para o fim específico de valer contra terceiros[4].
Esse conflito de entendimentos entre o posicionamento das cortes estaduais e da doutrina pátria, todavia, finalmente chegou à apreciação do Superior Tribunal de Justiça. O STJ, ao julgar os Recursos Especiais 1.412.529/SP[5] e 1.559.457/MT[6], firmou posicionamento no sentido de que a constituição da garantia fiduciária, oriunda de cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis e sobre títulos de crédito, dá-se a partir da própria contratação, independentemente do registro, sendo os créditos oriundos desses títulos excluídos dos efeitos da Recuperação Judicial.
Consoante entendimento do STJ, as disposições do Código Civil – que exigem o registro como requisito de validade contratual – limitam-se a disciplinar apenas a alienação fiduciária de bens móveis infungíveis. Consolida-se, ainda, o entendimento no sentido de que a consecução do registro afigura-se irrelevante. Quando muito, serviria para produzir efeitos em relação a terceiros mediante a publicidade dele decorrente.
Essa compreensão decorre, também, da aplicação do Direito de maneira a assegurar ao credor fiduciário o imediato exercício das prerrogativas que lhe confere a cessão fiduciária, independentemente do registro. Ademais, a Corte Superior ainda ressalta o descabimento de considerar-se constituída a obrigação principal ao mesmo tempo em que se considera pendente de formalização a indissociável garantia estabelecida no mesmo contrato.
Consolida-se, assim, no ordenamento jurídico pátrio, o efetivo sentido de diversas normas inerentes aos créditos garantidos por alienação fiduciária no âmbito da recuperação judicial. Diante do entendimento exposto pelo Superior Tribunal de Justiça, portanto, o crédito garantido por alienação fiduciária não se submete aos efeitos da recuperação judicial, independentemente de registro do instrumento contratual.
[1] Art. 1.361. Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor.
§ 1o Constitui-se a propriedade fiduciária com o registro do contrato, celebrado por instrumento público ou particular, que lhe serve de título, no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor, ou, em se tratando de veículos, na repartição competente para o licenciamento, fazendo-se a anotação no certificado de registro.
[2] BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. AI 2225922-06.2015.8.26.0000. Relatora desembargadora Maia da Cunha. 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial. Data do julgamento: 18/05/2016.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. AI 2071913-52.2016.8.26.0000. Relator desembargador Milton Carvalho. 36ª Câmara de Direito Privado. Data do julgamento: 17/05/2016.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. AI 2203903-06.2015.8.26.0000. Relator desembargador Teixeira Leite. 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial. Data do julgamento: 28/04/2016.
[3] BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. AI  70067500579. Relator desembargador Jorge Luiz Lopes do Canto. Quinta Câmara Cível. Julgado em 25/05/2016.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. AI 70063659205. Relator desembargador Ney Wiedemann. Sexta Câmara Cível. Julgado em 25/06/2015.
[4] GOMES, Orlando (1909-1988). Alienação fiduciária em garantia. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1971, p. 58.
[5] RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CESSÃO FIDUCIÁRIA SOBRE DIREITOS SOBRE COISA MÓVEL E SOBRE TÍTULOS DE CRÉDITO. CREDOR TITULAR DE POSIÇÃO DE PROPRIETÁRIO FIDUCIÁRIO SOBRE DIREITOS CREDITÍCIOS. NÃO SUJEIÇÃO AOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL, NOS TERMOS DO § 3º DO ART. 49 DA LEI N. 11.101/2005. MATÉRIA PACÍFICA NO ÂMBITO DAS TURMAS DE DIREITO PRIVADO DO STJ. PRETENSÃO DE SUBMETER AOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL, COMO CRÉDITO QUIROGRAFÁRIO, OS CONTRATOS DE CESSÃO FIDUCIÁRIA QUE, À ÉPOCA DO PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL, NÃO SE ENCONTRAVAM REGISTRADOS NO CARTÓRIO DE TÍTULOS E DOCUMENTOS DO DOMICÍLIO DO DEVEDOR, COM ESTEIO NO § 1º DO ART. 1.361-A DO CÓDIGO CIVIL. INSUBSISTÊNCIA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. (REsp 1.412.529/SP, Rel. ministro Paulo De Tarso Sanseverino, Rel. p/ acórdão ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 17/12/2015, DJe 02/03/2016)
[6] RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CESSÃO FIDUCIÁRIA SOBRE DIREITOS SOBRE COISA MÓVEL E SOBRE TÍTULOS DE CRÉDITO. CREDOR TITULAR DE POSIÇÃO DE PROPRIETÁRIO FIDUCIÁRIO SOBRE DIREITOS CREDITÍCIOS. NÃO SUJEIÇÃO AOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL, NOS TERMOS DO § 3º DO ART. 49 DA LEI N. 11.101/2005. MATÉRIA PACÍFICA NO ÂMBITO DAS TURMAS DE DIREITO PRIVADO DO STJ. PRETENSÃO DE SUBMETER AOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL, COMO CRÉDITO QUIROGRAFÁRIO, OS CONTRATOS DE CESSÃO FIDUCIÁRIA QUE, À ÉPOCA DO PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL, NÃO SE ENCONTRAVAM REGISTRADOS NO CARTÓRIO DE TÍTULOS E DOCUMENTOS DO DOMICÍLIO DO DEVEDOR, COM ESTEIO NO § 1º DO ART. 1.361-A DO CÓDIGO CIVIL. INSUBSISTÊNCIA. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. (REsp 1.559.457/MT, Rel. ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/12/2015, DJe 03/03/2016.
 é advogado do Carpena Advogados.
 é advogado do Carpena Advogados.


Revista Consultor Jurídico, 15 de agosto de 2016, 7h30

sábado, 6 de agosto de 2016

A FALSA ACUSAÇÃO DE QUE O CUSTO DA JUSTIÇA DO TRABALHO É MAIOR DO QUE SE PAGA AOS RECLAMANTES

Prezados leitores deste blog.
 
Reproduzo aqui a demonstração, que os juízes do TRT da 4ª Região fizeram com dados, quão falso foi o "argumento" de um deputado de que o custo de manutenção da Justiça do Trabalho é superior aos valores que esta Justiça entregou aos trabalhadores em execuções de sentenças e acordos.
 
A seguir a lógica deste "raciocínio" ou contabilidade do deputado, nenhuma empresa necessita cumprir integralmente a lei. 
As empresas poderiam repassar para o União pagar também os salários dos trabalhadores, porque somados os custos de manutenção do MTE, MPT e JUSTIÇA, o custo seria menor.
 
A Justiça do Trabalho está acumulada de tantos processos, exatamente porque a legislação trabalhista no Brasil nunca foi aceita pela classe dominante, por isso a descumpre.
 
Dá para fazer uma comparação com a abolição de 1988 que não foi aceita, pelos donos de escravos.  Assim, libertar negros era perda de investimentos, pagar os direitos trabalhistas é retirar parcela do capital a ser reinvestido na empresa (prejuízo).
 
Concordo que o custo de se manter um empregado está alto, mas não por causa dos salários. O agrava são as taxações sobre a folha de pagamento. Agrava o custo da mão de obra. O que é pior, a exceção do INSS e FGTS o resto é dinheiro que ninguém sabe prá onde vai.  
 
Achei interessante divulgar, para esclarecer pessoas que não tem acesso aos dados ou à contabilidade real do que a Justiça do Trabalho entrega ao trabalhador e, mais,  do que arrecada aos cofres públicos.
 
José A. Pancotti
 
 
A Contabilidade Judicial Daquilo que o Dinheiro Não Compra

Rodrigo Trindade & Daniel Nonohay

Na última cena do filme Os Imperdoáveis, de Clint Eastwood, um velho
pistoleiro pisa em cima do xerife, um homem honesto, de uma cidade antes
pacata, que lamenta não ser aquilo justo. O pistoleiro redarguiu que justiça
não tem nada a ver com aquilo.

Há poucos dias, esta tomada foi reencenada. Em outro tempo. Em outro
cenário. Com outras palavras. O terno substituiu o colete de couro. A
gravata substituiu o lenço. A palavra substituiu o revólver.

Em um inflamado pronunciamento na Câmara, um certo deputado gritou à
extinção da Justiça do Trabalho. A fim de justificar a sua posição, utilizou
o argumento “definitivo”, o contábil: se ela possui custo de funcionamento
maior do que os valores distribuídos aos reclamantes, seria mais fácil
passar o dinheiro direto para os próprios trabalhadores.

A verdade dos simplórios; como são fáceis as soluções que propõem.

Resumir jurisdição em termos financeiros é uma tripla incoerência:
histórica, política e social.

Seguindo a lógica do deputado, o monopólio estatal de jurisdição nos
conflitos do trabalho deve seguir o caminho do diabo da Tasmânia, a
extinção. Não que a Teoria do Estado tenha mudado, mas porque a matemática
que costumamos aprender com a alfabetização serve melhor. E, mantendo-se as
fantasias da mesma infância, os conflitos entre capital e trabalho também
desmoronariam junto à demolição do último dos fóruns trabalhistas.

Como lembra o juiz Jorge Araújo, quem afirma que extinguir a JT vai acabar
com os conflitos trabalhistas, está raciocinando como o marido traído que
resolveu vender o sofá no qual ocorreu a traição. O mesmo magistrado
pergunta-se se, antes de embarcar em uma cruzada contra uma Justiça que
aplica a ideia de desigualdade econômica das partes, não seria melhor
refletir sobre práticas empresariais que corroboram estado de coisas que
produz tantas demandas judiciais
(
http://direitoetrabalho.com/2016/08/e-se-justica-do-trabalho-acabar-2/).

O monopólio da jurisdição é uma das maiores conquistas da humanidade,
responsável pelo afastamento das ordens decisórias privadas e semi-estatais
(senhor feudal, Igreja, Corporações de Ofício). Hoje, O Poder Judiciário é a
maior, senão o único, abrigo que se interpõe entre o poder do capital ou do
Estado e o cidadão, esteja este no papel de trabalhador, de consumidor, de
alguém que necessita o acesso a um tratamento médico, entre outras muitas
hipóteses.

Processo judicial? Ampla defesa? Análise do justo? Todos luxos
desnecessários.

Mas, e a matemática? Voltemos a ela.

Vamos perguntar às crianças com infâncias abreviadas nas carvoarias de Mato
Grosso quanto elas acham que deve custar impedir, reprovar e condenar
exploração de trabalho infantil.

Vamos perguntar aos escravos contemporâneos das confecções terceirizadas de
São Paulo qual valor que acham que deve ser investido no resgate de suas
famílias da escravidão.

Vamos perguntar aos mutilados das indústrias moveleiras do sul do Brasil
quanto eles acreditam que o Estado deveria ter gasto para evitar o corte da
sua mão.

A Justiça não é uma empresa. Não estamos falando de serviços empresariais;
tratamos aqui de pessoas e valores de convivência, como polícia, vacinação
pública, assistência a menores abandonados.

Não há sociedade organizada sem jurisdição. Assim como não há democracia sem
políticos. Se a moda do pensamento meramente contábil pegar, seria bastante
justo perguntar quanto o Parlamento custa aos contribuintes e quanto retorna
aos cofres da União. Esta conta fica no azul?

Podíamos parar por aqui. O texto já está longo. Não podemos deixar de
mostrar, contudo, que nem na matemática o discurso economicista passa. Os
cálculos a seguir não são tão simplórios quanto o parlamentar, ou melhor,
quanto os do parlamentar, mas acreditamos que dê para acompanhar.

Receitas da Justiça do Trabalho:

Recolhimentos

Custas R$ 400.781.600,56

Emolumentos R$ 11.002.870,24

Créditos previdenciários R$ 2.014.614.050,78

Imposto de renda R$ 356.367932,67

Multas R$ 20.629.660,00

Recolhimentos sobre a própria folha de pagamento R$ 2.100.000.000,00
(aproximado)

Total arrecadado à União R$ 4.803.394.994,97


Custo contábil da Justiça do Trabalho:

Executado  R$ 17.167.341.575,61

Recolhido  R$ 4.803.394.994,97

Diferença R$ 12.363.946.580,64

Valores pagos aos reclamantes em 2015: R$ 17.445.000.000,00

É interessante notar que esses R$ 17 bilhões consideram, apenas, os pedidos
julgados procedentes e com conteúdo econômico. Ou seja, desconsidera todas
as postulações improcedentes e que são a maior parte dos apreciados pela
Justiça do Trabalho.

Também, e mais importante, não “entram na conta” as ações sem conteúdo
econômico e que visam, por exemplo, à salvaguarda dos direitos de menores e
incapazes, à promoção a segurança do trabalho, ao impedimento do trabalho
escravo, à garantia dos direitos sindicais, entre outras.

A contabilidade criativa do nobre deputado, ao querer matar a Justiça,
desconsidera todas as demandas que envolvam essa espécie de direito. Nada
mais normal, conclui-se, considerando-se a fonte de onde provêm a proposta,

Podemos, ainda, propor uma matemática “menos simples”:

Eficácia da Justiça do Trabalho – ano de 2015:

- R$ 17.445.000.000,00 (pago aos trabalhadores)

- R$ 4.803.394.994,97 (pago à União)

Total de recolhimentos: R$ 22.248.394.994,97

Custo da Justiça do Trabalho: R$ 17.167.341.575,61

Diferença entre recolhimentos e custo = R$ 5.081.053.419,36.

Sim, a Justiça do Trabalho “dá um lucro" à sociedade brasileira de mais de
R$ 5 bilhões por ano, afora a promoção daqueles direitos que não podem ser
quantificados economicamente e afora todos os pedidos que não acolheu, mas
onde, igualmente, resolveu a lide entre as partes.

Sabemos que é duro de admitir, deputado, mas essa é verdade.

Ao final, devemos deixar claro que a reconstituição completa dos números é
importante, mas o argumento contábil é míope. Deve ser utilizado, no máximo,
de forma subsidiária. A importância da Justiça do Trabalho não se presta à
quantificação por meio de planilha. Ela é medida pela influência da
qualidade de vida dos cidadãos e da estabilidade decorrentes da efetivação
do direito social. O discurso utilitarista-economicista pode servir para
definir rotinas de produção de parafusos e hambúrgueres, mas é absolutamente
inadequado para medir a distribuição de justiça e a garantia de patamares
civilizatórios.

1 Juízes do trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região.
Presidente e diretor da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da
4ª Região (AMATRA IV).

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

ABIGEATO (FURTO DE GADO) - NOVA LEI TRATAMENTO MAIS RIGOROSO

Prezados amigos.

Os atuais estudantes de direito penal, não ouvem mais os professores falaram sobre este fato típico penal - ABIGEATO.

No meu tempo de estudante - Magalhães Noronha - tratava com essa nomenclatura o crime de furto de gato, tão comum no Brasil rural.
O Código Penal de 1940 atribuía pena branda.

Sucede que com a valorização da carne e do preço de gado em pé, essa modalidade de crime voltou a ser amplamente praticada no Brasil Rural, nestes tempos de agronegócio.

Essa nova Lei vem tentar inibir a ação de bandidos no campo inclusive de receptadores de gado roubado.

Vale a pena ver o comentário que segue.


José A. Pancotti.

Opinião

Nova lei torna crime de furto de gado qualificadora residual

Chamou a atenção a publicação da Lei 13.330/16, que trata de forma mais rigorosa os crimes de furto de gado, conhecido como abigeato, e a receptação de animal, delitos bastante comuns nos municípios do interior e nas zonas rurais. Não se contentando com a proteção dada ao patrimônio pelo Direito Privado, o legislador decidiu reforçar a tutela desse interesse especificamente quanto aos animais domesticáveis de produção.
O Legislativo assim justificou a lex gravior:
O comércio clandestino de carne ou de outros produtos de procedência ilícita é um grave problema de saúde pública no país, exigindo a adoção urgente de medidas penais.[1]
O comércio de alimentos oriundos de animais furtados é, pois, uma atividade econômica clandestina que tem impactos negativos tanto do ponto de vista da sonegação de impostos, como em relação à saúde da população.[2]
Esse tratamento mais rígido se deu da seguinte forma: (a) acréscimo de nova qualificadora para o crime de furto (artigo 155, §6º do CP) e (b) criação de novo crime, de receptação de animal (artigo 180-A do CP).
Além da questionável proporcionalidade na fixação do patamar de pena, o legislador mais uma vez não primou pela melhor técnica. Em vez de acrescer duas qualificadoras, uma para o furto e outra para a receptação, já que a circunstância considerada é a mesma (conduta em face de semovente domesticável de produção), criou qualificadora para o furto, mas no caso da receptação preferiu instituir novo delito. As sanções da qualificadora e do novo crime são idênticas: 2 a 5 anos.
No que diz respeito à objetividade jurídica, o bem jurídico protegido é o patrimônio e a posse legítima. Quanto à receptação de animal, além do patrimônio do produtor, a conduta indiretamente pode atingir as relações de consumo e a própria saúde pública, além do interesse do Estado em evitar a sonegação de tributos e a competição econômica desleal entre comerciantes.
No que tange ao objeto material, a lei se refere ao gado ou animal como “semovente domesticável de produção”. Semovente nada mais é do que o bem móvel suscetível de movimento próprio.[3] A legislação não se restringe ao gado bovino, abarcando, além dos bovídeos, os equídeos, suínos, ovinos, caprinos, aves e pequenos animais (embora não se trate de legislação penal em branco, pode-se tomar como parâmetro o artigo 106 do Decreto 30.691/52). Os peixes também estão englobados: essa conclusão se extrai da análise do próprio Projeto de Lei 6.999/13 (origem da Lei 13.330/16), que foi bem claro em sua ementa no sentido de que dispõe sobre o abigeato e comércio de carne e outros alimentos. Ou seja, o propósito é a proteção de quaisquer animais criados para alimentação humana.
O animal deve ser domesticável, razão pela qual não é abrangido o animal silvestre que não possa ser domesticado. A conduta em face deste objeto material pode caracterizar delitos de furto e receptação (artigos 155 e 180 do CP) e/ou crime ambiental (artigos 29 a 32 da Lei 9.605/98).
A mesma solução se aplica ao animal domesticável de estimação, mesmo quando criado para negociação (ex: canil para venda de cães). Isso porque não é de produção, ou seja, não é criado para comercialização, abate e alimentação humana.
O animal não precisa ser subtraído ou mantido vivo: a lei expressamente insere como objeto material o animal abatido ou dividido em partes. Claro que a divisão não abrange o animal já transformado em produto industrializado mediante cortes comerciais, caso contrário o furto ou a receptação de carne proveniente de supermercado acarretaria o abigeato ou receptação de animal.
É possível a coautoria direta face a apenas um animal, abatido e dividido em partes. Não se enquadra como objeto material do abigeato ou da receptação de animal o seu fruto (ex: leite da vaca), utilidade que nasce e renasce da coisa, sem acarretar-lhe a destruição no todo ou em parte,[4] incidindo nesse caso a figura simples do furto ou receptação. Excepciona-se, contudo, essa regra se o fruto for uma cria, pois nesse caso se trata de semovente domesticável autônomo.
No caso de animal fugitivo, considerado coisa perdida (res desperdicta), existe delito especial, incidindo o princípio da especialidade para solucionar o conflito aparente de leis penais. Aquele que acha o animal e dele se apropria, deixando de restituir ao dono ou legítimo possuidor ou de entrega-lo à autoridade competente no prazo de 15 dias, comete o crime de apropriação de coisa achada (artigo 169, II do CP).
Pois bem. Quanto ao abigeato (crime de furto qualificado), se a subtração for de semovente domesticável de produção, ainda que abatido ou dividido em partes no local da subtração, a pena salta de 1 a 4 (figura simples) para 2 a 5 anos. Não cabe fiança em sede policial (artigo 322 do CPP), ou tampouco suspensão condicional do processo (artigo 89 da Lei 9.099/95).
A questão mais tormentosa diz respeito à coexistência de qualificadora do § 4º (ex: concurso de pessoas — pena de 3 a 8 anos) com a nova qualificadora autônoma do § 6º (abigeato — pena de 2 a 5 anos) do artigo 155 do CP. A maior celeuma não é a possibilidade de cumulação de qualificadoras, questão respondida afirmativamente pela jurisprudência: uma delas deve ser utilizada para qualificar o crime e a outra ser considerada circunstância agravante genérica, se encontrar correspondência (artigos 61 e 62 do CP), ou fazer o papel de circunstância judicial (artigo 59 do CP).[5] O grande problema para o qual o legislador não deu a resposta é: qual funcionará como qualificadora e qual servirá como agravante ou circunstância judicial?
A resposta é que deve o § 4º servir como qualificadora e o § 6º atuar como circunstância judicial. Em outras palavras: o abigeato é uma qualificadora residual, só prevalecendo quando da ocorrência de um furto simples ou majorado pelo repouso noturno. Senão vejamos.
O Projeto de Lei 6.999/13 (que resultou na Lei 13.330/16) deixou claro em seu artigo inaugural a intenção de agravar o abigeato. Caso preponderasse o § 6º como qualificadora e servisse o § 4º como agravante ou circunstância judicial, essa solução proporcionaria uma punição menor do que a que já incidiria, antes da Lei 13.330/16, com a mera aplicação do § 4º do artigo 155 do CP. Ou seja, a nova lei teria trazido à baila um benefício para aquele que praticasse o furto de semoventes, o que não foi a intenção do legislador (mens legislatoris) e da própria lei (mens legis).
À mesma conclusão se chega pelo cotejo com outro concurso de qualificadoras no Código Penal, relativo ao crime de lesão corporal. Havendo lesão corporal grave (§ 1º), gravíssima (§ 2º) ou seguida de morte (§ 3º) praticada com violência doméstica e familiar (§ 9º, todos do artigo 129 do CP), o próprio legislador forneceu a resposta. O § 10 pontua que a especificidade do objeto material (situação particular da vítima, no caso) é subsidiária, resultando na incidência da sanção cominada à qualificadoras do §§ 1º, 2º ou 3º, mas com pena aumentada em um terço. Essa mesma lógica deve prevalecer na análise do crime de abigeato qualificado pelas circunstâncias do § 4º, ou seja, preponderar as referidas qualificadoras fático-modais frente à particularidade do objeto material (animal).
Muito bem. Admite-se a cumulação da majorante do repouso noturno (artigo 155, § 1º do CP), ou seja, a existência de furto majorado qualificado. São circunstâncias diversas, que incidem em momentos diferentes da aplicação da pena. A posição topográfica do § 1º não é fator que impede a sua aplicação para as situações de furto qualificado, devendo ser levada a efeito uma interpretação sistemática.[6] Pela mesma razão o benefício do § 2º (furto mínimo) pode ser aplicado em conjunto com a qualificadora.[7]
É crível a aplicação do princípio da insignificância (inclusive pelo delegado de polícia)[8] para afastar a atipicidade material da subtração de animal ou suas partes, se presentes os requisitos jurisprudencialmente fixados, que não se resumem ao valor da res furtiva.[9] Vale recordar a posição dos Tribunais Superiores no sentido de que, enquanto o patamar do furto mínimo (artigo 155, § 2º do CP) é de um salário mínimo, o parâmetro do furto insignificante gira em torno de um terço desse valor.[10]
Tampouco existe óbice para o reconhecimento do furto de uso, pois a subtração da coisa alheia móvel infungível, com intenção de mero uso momentâneo (sem o fim de assenhoreamento definitivo — ex: subtrair cavalo para breve transporte), restituindo-a em seguida, afasta o fato típico pela ausência do elemento subjetivo.
A consumação se dá com a posse de fato da coisa, ainda que por breve espaço de tempo e seguida de perseguição ao agente, sendo prescindível a posse mansa e pacífica ou desvigiada.[11]
Noutro giro, vejamos o crime de receptação de animal (crime especial de receptação). Se o agente adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, tiver em depósito ou vender, com a finalidade de produção ou de comercialização, semovente domesticável de produção, ainda que abatido ou dividido em partes, que deve saber ser produto de crime, a pena salta de 1 a 4 anos (receptação simples) para 2 a 5 anos.
Perceptível, no que concerte ao elemento subjetivo, a existência de finalidade especial: produção ou comercialização; esse elemento subjetivo especial coloca tal tipo penal dentre os poucos exemplos de crime mutilado de dois atos, pois presente a intenção de obter um benefício posterior.[12] Caso a aquisição, recebimento, transporte, condução, ocultação ou manutenção em depósito ocorra para consumo próprio ou de terceiros, aplica-se a figura simples do crime de receptação (artigo 180 do CP).
A receptação é um crime parasitário, pois não tem existência autônoma, reclamando a prática de um delito anterior.[13] A norma explicativa do § 4º do artigo 180 do CP (“a receptação é punível, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor do crime de que proveio a coisa”) é perfeitamente aplicável ao artigo 180-A da Lei Penal, face à autonomia de qualquer modalidade de receptação em relação ao crime precedente.
Diferentemente da receptação qualificada do artigo 180, §1º do CP, na receptação de animal o agente não precisa estar no exercício de atividade comercial ou industrial (ainda que comércio irregular ou clandestino, inclusive em residência — artigo 180, § 2º do CP), mas apenas ter a intenção de comercializar ou produzir. Obviamente é preciso demonstrar com elementos concretos a presença dessa finalidade especial.
Ainda quanto ao elemento subjetivo, infelizmente o legislador utilizou a expressão “deve saber”, como já havia feito no § 1º do artigo 180 do CP. Haverá igual divergência quanto ao significado da expressão: (a) dolo eventual, abrangendo também o dolo direto,[14] posição ora adotada; (b) apenas dolo eventual; (c) elemento normativo do tipo, de graduação da censura da conduta.[15]
Lamentavelmente o legislador se olvidou de estender o benefício do § 5º do artigo 180 do CP (criminoso primário e coisa receptada de pequeno valor) ao novo crime de receptação de animal. Como seria desproporcional aplicar a benesse a um crime mais grave (artigo 180, § 1º do CP) e vedá-la ao delito de igual natureza e menos grave (artigo 180-A do CP), é perfeitamente possível a analogia in bonam partem, método de colmatação do ordenamento jurídico penal. Em consequência, aplicando-se a teoria da pior das hipóteses (sanção máxima), a incidência do menor percentual de diminuição (1/3) para a pena máxima da receptação de animal (5 anos) resulta em pena de 3 anos e 2 meses, dentro do patamar de concessão de fiança pela autoridade policial.
Caso o agente adquira ou receba animal que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deva presumir-se obtida por meio criminoso, responde pela figura culposa do artigo 180, §3º do CP, desde que haja elementos acerca da origem ilícita da res.
Nada impede o concurso de crimes entre crime ambiental de maus-tratos (artigo 32 da Lei 9.605/98) e abigeato ou receptação de animal, tendo em vista que há proteção a bens jurídicos distintos, ou tampouco a aplicação do princípio da consunção caso o animal seja atingido única e exclusivamente como meio para a concretização do furto ou receptação.
Por fim, interessante que no projeto de lei a conduta daquele que transporta e comercializa gado de procedência ignorada era tipificada também como crime contra as relações de consumo do artigo 7º da Lei 8.137/90. Após discussões, entendeu-se, acertadamente, por manter a conduta somente como delito de receptação no artigo 180-A do CP, evitando dupla tipificação.

[1] Parecer da Comissão de Constituição e Justiça do Senado ao Projeto de Lei 6.999/13, que deu origem à Lei 13.330/16.
[2] Justificativa ao Projeto de Lei 6.999/13, que deu origem à Lei 13.330/16.
[3] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 209.
[4] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 217.
[5] STF, HC 99.809, Rel. Min. Dias Toffoli, DJ 23/08/2011.
[6] STF, HC 130.952, Rel. Min. Dias Toffoli, DJ 03/05/2016; STJ, HC 306.450, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJ 04/12/2014.
[7] STJ, EREsp 842425, Rel. Min. Og Fernandes, DJe 02/09/2011.
[8] CASTRO, Henrique Hoffmann Monteiro de. Delegado pode e deve aplicar o princípio da insignificância. Revista Consultor Jurídico, set. 2015. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-ago-18/academia-policia-delegado-aplicar-principio-insignificancia>. Acesso em: 18 ago. 2015.
[9] STF, HC 92.463, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 16/10/2007; STJ, HC 89.357, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 11/03/2008.
[10] STF, HC 123.108, Rel. Min. Roberto Barroso, DJ 03/08/2015.
[11] STJ, REsp 1.524.450 (recursos repetitivos), Rel. Nefi Cordeiro, DJ 14/10/2015.
[12] SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal – parte geral. Curitiba: ICPC; Lumen Juris, 2007. p. 163.
[13] MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado. v. 2. São Paulo: Método, 2014, p. 661.
[14] STF, HC 97.344, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 12/05/2009.
[15] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. v. 3. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 319.
 é delegado de Polícia Civil do Paraná, mestrando em Direito pela Uenp e especialista em Direito Penal e Processual Penal pela UGF. Professor da Escola da Magistratura do Paraná, da Escola do Ministério Público do Paraná, da Escola Superior de Polícia Civil do Paraná e da Escola Nacional de Polícia Judiciária. Também é professor e coordenador do Curso CEI e da Pós-Graduação em Ciências Criminais da Faipe. Redes sociais: Facebook, Twitter, Periscope e Instagram
Adriano Sousa Costa é delegado de polícia de Goiás, mestrando em Ciências Políticas pela UFG, professor titular da Escola Superior da Polícia Civil do Estado de Goiás, professor convidado do Ministério da Justiça (SENASP) e da rede LFG, professor da Especialização na PUC/GO, da FASAM e da FACNOPAR, professor universitário na UNIP/GO e UniAnhanguera/GO, e membro da Academia Goiana de Direito.


Revista Consultor Jurídico, 4 de agosto de 2016, 16h02