O ditado e o operário: Os anéis vão ficar. Há
dúvida quanto aos dedos.
José Irmo Gonring
José Irmo Gonring
Há pouco tempo, escrevi uma crônica sobre a escravidão moderna para uma
revista literária, cuja publicação será em dezembro. Eis-me, agora, surpreendida
com a Portaria 1.129, do Ministério do Trabalho e Emprego, dispondo sobre o
trabalho em condição análoga à escravidão, reduzindo-a, todavia, ao fato de
estar o empregado sem liberdade de ir e vir. Isso, a pretexto de estabelecer as
regras do seguro-desemprego para as pessoas resgatadas da situação considerada
degradante.
É incrível, como uma Portaria de um Ministério pode afrontar
leis, tratados internacionais e ainda, no preâmbulo, ou “considerandos”, citar
todas essas leis e tratados. Tem-se a impressão de que esses governantes não
leram nada dessas normas, ou, pior, zombam do povo.
Desde a edição da bendita
portaria muitos órgãos, como Ministério Público, Ministério Público do Trabalho,
Entidades Internacionais e de classe e alguns Ministérios do mesmo governo
condenaram o texto dessa norma.
A explicação dos que a defendem: ela apenas
retira a subjetividade dos conceitos do Código Penal, trazendo segurança
jurídica às relações de trabalho. E o Ministro continua dizendo a mesma coisa,
mesmo depois que os efeitos da Portaria foram suspensos pela Ministra do STF
Rosa Weber. Disse que não vai revogar a norma. Vai apenas aperfeiçoá-la.
Se
reduzir o empregado à condição análoga a escravo é simplesmente impedir o seu
direito de ir e vir, o que fez o governo foi rasgar o Código Penal, como disse o
colega Marcelo Tolomei, numa entrevista na Rede Gazeta ontem. E a falta de água
para beber? E dormir sobre esgoto? E não receber a remuneração? E não poder
deixar aquele patrão, porque tem dívida que não acaba nunca? E um cortador de
cana ou trabalhador em carvoaria trabalhar 15 horas por dia? A Gazeta noticiou
inúmeros casos de condição degradante, todos sabemos. E o que noticiou com fotos
não é trabalho escravo?
Agora a expressão segurança jurídica virou moda. Tudo
é para dar segurança jurídica. As mudanças das leis trabalhistas trazem
“segurança jurídica”, mesmo com tantos absurdos, como tarifação de dano moral. O
valor da condenação em dano moral vai depender do salário do ofendido. Se ganha
pouco, o valor é menor. Se ganha mais, tem direito a uma indenização maior.
Conceito de igualdade da nova lei: ao pobre, a pobreza sempre. O sofrimento do
pobre tem menos valor.
Dizem as más línguas que o governo quis agradar à
bancada ruralista no caso da portaria e, na reforma trabalhista, aos empresários
que o apoiam. Com tanta coisa estapafúrdia, chego a acreditar nisso.
É.
Infelizmente, tenho que concordar com meu amigo jornalista, cronista e poeta,
José Irmo Gonring, no seu belo livro “Garimpo de estrelas”: os anéis vão ficar.
Há dúvida quanto aos dedos. Do operário, claro.
Maria Francisca – outubro de
2017
Obrigada, caro colega, pela publicação. Vamos divulgando essas ideias, quem sabe um dia esse Brasil melhora. Um abraço.
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