quinta-feira, 28 de novembro de 2013

OS RÉUS DO MENSALÃO E A CORTE INTERAMERICANA DA OEA - CRÍTICA


OS RÉUS DO MENSALÃO E A CORTE INTERAMERICANA DA OEA

Meus caros amigos,

Estou surpreso com o entendimento da respeitada Professora Maristela Basso de Direito Internacional da USP. Lúcida nos seus comentários no jornal da TV-Cultura, lançava dúvidas, quanto a esse direito dos réus do mensalão e, por conseguinte, de eventual violação pelo STF de normas de Direito Internacional, como o Pacto de São José da Costa Rica.
 
O Brasil é signatário desta Convenção, ratificada pelo Congresso Nacional, em 25.09.1992, que no seu artigo 8º estão previstas, sob a ótica dos direitos humanos, as Garantias Judiciais.
 
Vejam o texto:
Artigo 8º - Garantias judiciais
1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.
2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:
a) direito do acusado de ser assistido gratuitamente por um tradutor ou intérprete, caso não compreenda ou não fale a língua do juízo ou tribunal;
b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada;
c) concessão ao acusado do tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa;
d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor;
e) direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio, nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei;
f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no Tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos;
g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada; e
h) direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior.
3. A confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma natureza.
4. O acusado absolvido por sentença transitada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos.
5. O processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar os interesses da justiça.

No seu artigo, a Professora cita um julgado da Corte Interamericana da OEA, mas não dá detalhes acerca do processo que deu origem àquele julgado por ela citado.
 
A professora não cita qual o dispositivo da Convenção foi violado, pelo STF. O Presidente daquela Corte, em visita recente ao Brasil, disse que a competência daquele Tribunal não é rever sentença.
 
Dentro do ordenamento jurídico brasileiros, os réus tiveram direito ao recurso de embargos de declaração e alguns aos embargos infringentes. Não se pode falar, portanto, que não houve revisão do julgado. Inclusive, no julgamento dos Embargos de Declaração houve revisão de pena (efeito modificativo).
 
Fica difícil concordar com os argumentos da Professora. Um único julgado da Corte Interamericana não é suficiente, para embasar e garantir o sucesso de nenhum recurso dos réus do mensalão.

É evidente que os advogados, no seu papel de defensores dos réus, tem todo o direito de ir àquele Tribunal Internacional.

Discordo da Professora, portanto, quando cita um julgado da Venezuela que, pelas características do regime político, e total subserviência do Poder Judiciário daquele País a este regime, pode conter violação dos Direitos Humanos. A Venezuela, "data venia", não é um bom exemplo. 

É o que penso...  José A. Pancotti.
 
Eis o artigo da Professora Maristela Basso, publicado no CONJUR.

Quando o tribunal mais alto de um país atua como única instância, a ausência do direito de revisão por um tribunal superior não fica compensada pelo fato de que o julgamento foi proferido pelo tribunal de maior hierarquia do Estado. Pelo contrário. Isso significa que o Estado descumpre os direitos humanos e viola frontalmente o sistema de proteção das pessoas de San José da Costa Rica da OEA (Organização dos Estados Americanos).
Por esta razão, a defesa dos réus no processo conhecido como “mensalão” pode ainda não ter terminado e a sociedade precisa reconhecer e aceitar que aqueles réus já condenados, como qualquer indivíduo (nacional ou estrangeiro), têm o direito de ter seu caso examinado por todas as instâncias de defesa, no Brasil e fora dele.
De início, é importante observar que a prevalência e a aplicação imediata das normas de direitos fundamentais (humanos), no regime constitucional brasileiro pós-1988, foram opções expressas do constituinte, consubstanciadas, em concreto, pelas regras dos parágrafos 1º e 2º do artigo 5º da Constituição Federal.
Razão pela qual os réus submetidos ao julgamento direto e exclusivo do STF na Ação Penal 470 podem recorrer à Comissão Interamericana, haja vista violações evidentes da Convenção Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de San José).
O entendimento da Corte Interamericana da OEA sobre a obrigatoriedade da observância do direito de proteção judicial, especialmente no que diz respeito ao direito de recorrer da sentença — inclusive de tribunal superior, pode-se ver no julgamento do caso Barreto Leiva vs Venezuela, cuja sentença data de 17 de novembro de 2009. Este caso teve origem em uma demanda proposta pela Comissão Interamericana, apresentada em 31 de outubro de 2008, a que teve conhecimento por denúncia do próprio interessado, Sr. Oscar Enrique Barreto Leiva, condenado a um ano e oito meses de prisão por delito contra o patrimônio público, como conseqüência de sua gestão, no ano de 1989, como diretor geral da Secretaria da Presidência da República da Venezuela. Dentre as várias violações de direitos humanos registradas nesse julgamento, destacou a Comissão o fato de que a Corte Suprema de Justiça da Venezuela havia sido o único tribunal que conheceu e sentenciou em única instância o caso, o que caracterizaria violação do direito do acusado de recorrer da sentença condenatória.
O Estado venezuelano, em sua defesa perante a Comissão, alegou que a Comissão de Direitos humanos da ONU, no caso 64 de 1979 contra a Colômbia, estabeleceu que “a determinação do direito à  dupla jurisdição deve levar em conta os procedimentos estabelecidos nas leis e no direito interno”. Também referiu o caso “Duiliio Fanalio, da Comissão Européia de Direitos Humanos, ao reconhecer que o Tribunal Constitucional italiano era a única instância na medida em que se tratava de acusação contra ministro.
Contudo, a Corte Interamericana da OEA não aceitou nenhuma das linhas de defesa da Venezuela no caso Barreto Leiva. Sustentou a Corte que sua jurisprudência tem sido enfática no sentido de que o direito de impugnar a sentença busca proteger o direito de defesa, na medida em que outorga a possibilidade de interposição de recurso para evitar que fique definitiva uma decisão adotada em um procedimento viciado e que contenha erros que possam ocasionar prejuízos indevidos aos interesses dos jurisdicionados.
O direito a revisão da sentença condenatória confirma, como se vê, o direito de todos de recorrer da sentença e outorga credibilidade ao ato jurisdicional do Estado e, ao mesmo tempo, confere maior segurança e tutela dos direitos do condenado.
Do que se conclui que o entendimento da Corte Interamericana (e da Comissão) de Direitos Humanos da OEA, o qual deve também ser o nosso no Brasil, é no sentido de que quando o tribunal mais alto de um país atua como primeira e única instância, não fica compensado o direito do condenado de ter sido julgado pelo tribunal de maior hierarquia do Estado-parte, pelo contrário, tal sistema é incompatível com o Pacto de San José.
Ao não reconhecer e contemplar internamente o direito de recorrer da sentença nos casos de competência do STF, o Brasil viola, portanto, a Convenção Interamericana de Direitos Humanos. Ademais, o STF viola a Constituição Federal na medida em que (i)as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata (art.5º.parágrafo 1º), e (ii) os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados  serão equivalentes às emendas constitucionais (artigo 5º, parágrafo 3º). Do que se conclui que o Pacto de San José convive com as disposições de direito interno brasileiro, mas está acima das leis internas e tem efeito imediato — uma vez ratificado pelo Brasil. 
A vontade implícita do legislador com a Emenda Constitucional 45/2004 é mais ampla do que aquela que restou explícita no texto. Examinados conjuntamente os parágrafos 2º e 3º do artigo 5º da Constituição Federal, conclui-se que todos os tratados e convenções que consagram direitos humanos fazem parte da ordem jurídica brasileira: (i) os (ainda) não aprovados pelo Congresso Nacional por força do parágrafo 2º (que não existia nas Constituições anteriores e por isso tem razão de ali estar hoje); (ii) e aqueles já aprovados pelo Congresso Nacional por força do parágrafo 3º.
 
Maristela Basso é professora de Direito Internacional da USP, doutora em Direito Internacional e Livre-Docente em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo, integra a lista de árbitros Brasileiros do Sistema de Solução de Controvérsias do Mercosul e a lista de painelistas especialistas em propriedade intelectual do Sistema de Solução de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio OMC.
Revista Consultor Jurídico, 27 de novembro de 2013
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