segunda-feira, 13 de abril de 2015

A TERCEIRIZAÇÃO COMO REGRA - REVISTA DO TST - MATÉRIA CIENTÍFICA

A TERCEIRIZAÇÃO COMO REGRA? 1

Ricardo Antunes2  Graça Druck3

1. Introdução



O capitalismo, em suas décadas mais recentes, vem apresentando um movimento tendencial onde
terceirização, informalidade, precarização, materialidade e imaterialidade são mecanismos vitais, tanto para a
preservação quanto para a ampliação da sua lógica.
Em plena eclosão da mais recente crise global, a partir de 2007/8, este quadro se intensificou ainda mais
e nos faz presenciar uma corrosão ainda maior do trabalho contratado e regulamentado, que foi dominante ao
longo do século XX, de matriz tayloriano-fordista, e que vem sendo substituído pelos mais distintos e
diversificados modos de terceirização, informalidade e precarização, ampliando os mecanismos de extração do
sobretrabalho em tempo cada vez menor. Como o tempo e o espaço estão em freqüente mutação, nesta fase de
mundialização do capital, estamos presenciando uma explosão de novas modalidades de trabalho, tanto na
indústria, quanto na agricultura e nos serviços.
Assim, a informalidade deixa de ser a exceção para tendencialmente tornar-se a regra e a precarização
passa a ser o centro da dinâmica do capitalismo flexível, se não houver contraposição forte a este movimento
tendencial de escala global.
O texto que segue é, portanto, uma contribuição da sociologia crítica do trabalho visando uma
compreensão mais profunda dos significados deste movimento, em especial procurando uma melhor
compreensão da chamada terceirização. Comecemos por sua expansão recente. Qual foi a contextualidade
histórica que permitiu sua expansão?

2. A reestruturação produtiva global e a acumulação flexível


A crise do padrão de acumulação taylorista/fordista, que aflorou em fins de 60 e início de 1970, fez com
que o capital desencadeasse um amplo processo de reestruturação produtiva, visando a recuperação do seu ciclo
reprodutivo e, ao mesmo tempo, repor seu projeto de hegemonia, que fora então confrontado pelas forças sociais
do trabalho que, especialmente em 1968, questionaram alguns dos pilares da sociedade do capital e de seus
mecanismos de controle social. (Antunes, 2010)

1 Artigo publicado na Revista do TST (Vol. 79,n. 4, out/dez/2013)..
2 Professor Titular de Sociologia do Trabalho no IFCH/UNICAMP é autor, dentre outros livros, de Os Sentidos do
Trabalho (12a edição, revista e ampliada, Boitempo, publicado também nos EUA, Inglaterra/Holanda, Itália e Argentina) e
Adeus ao Trabalho? (15a edição, revista e ampliada, Ed. Cortez, publicado também na Itália, Espanha, Argentina,
Venezuela e Colombia); e Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil, Vol. I e II, (Organização, Boitempo). Coordena as
Coleções Mundo do Trabalho (Boitempo) e Trabalho e Emancipação (Ed. Expressão Popular). Colabora em revistas


acadêmicas no país e exterior.

3 Professora do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia e C. Humanas da Universidade Federal da
Bahia, pesquisadora do CRH/UFBa e do CNPq, estudiosa na área de sociologia do trabalho, autora do livro Terceirização:
desfordizando a fábrica (Editora Boitempo e Edufba) e co-organizadora do livro A Perda da Razão Social do Trabalho:
terceirização e precarização (Editora Boitempo).

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O capital deflagrou, então, várias transformações no próprio processo produtivo, através da constituição

das formas de acumulação flexível, do downsizing, das formas de gestão organizacional, do avanço tecnológico,


dos modelos alternativos ao binômio taylorismo/fordismo, onde se destaca especialmente o "toyotismo" ou o
modelo japonês.
Opondo-se à contra-hegemonia que florescia nas lutas sociais oriundas do trabalho, buscando recuperar
seu projeto de dominação societal, o capital deslanchou os processos de acumulação flexível (Harvey,1992),
com base nos exemplos da Califórnia, Norte da Itália, Suécia, Alemanha, dentre tantos outros, com destaque
para o chamado toyotismo ou o modelo japonês, que se expandiu e se ocidentalizou, a partir dos anos 1980, em

escala global, tendo enormes consequências no mundo do trabalho, através da chamada liofilização organizativa


da “empresa enxuta”.

Em seus traços mais gerais, é possível dizer que o padrão de acumulação flexível articula um conjunto de
elementos de continuidade e de descontinuidade, que acabam por conformar algo relativamente novo e bastante


distinto do padrão taylorista/fordista de acumulação.
Ele se fundamenta num padrão produtivo organizacional inspirado na experiência japonesa no pósguerra
e associado ao avanço tecnológico, resultado da introdução de técnicas de gestão da força de trabalho
próprias da fase informacional, bem como da introdução ampliada dos computadores no processo produtivo e de

serviços. Desenvolve-se em uma estrutura produtiva mais flexível, através da desconcentração produtiva, das


redes de subcontratação (empresas terceirizadas), do trabalho em equipe, do salário flexível, das "células de
produção", dos "times de trabalho", dos grupos "semi-autônomos", além de exercitar, ao menos no plano
discursivo, o "envolvimento participativo" dos trabalhadores. O "trabalho polivalente", "multifuncional',
“qualificado”, combinado com uma estrutura mais horizontalizada e integrada entre diversas empresas, inclusive
nas empresas terceirizadas, tem como finalidade a redução do tempo de trabalho. Mais recentemente, as práticas
das “metas”, das “competências”, realizadas pelos “colaboradores”, tornou-se a regra no ideário empresarial.

Reengenharia, lean production, team work, eliminação de postos de trabalho, aumento da produtividade,


qualidade total, envolvimento, terceirização ampliada, tudo isso passa a integrar a pragmática da empresa
flexível. Como paralelo, vale a referência: se no apogeu do taylorismo/fordismo a pujança de uma empresa
mensurava-se pelo número de operários que nela exerciam sua atividade laborativa – a era do operário-massa -
pode-se dizer que, na era da acumulação flexível e da "empresa enxuta", são merecedores de destaque as
empresas que mantém menor contingente de trabalhadores e, apesar disso, aumentam seus índices de
produtividade.
Os resultados são alarmantes em relação ao mundo do trabalho: desregulamentação dos direitos do
trabalho em escala global; terceirização da força de trabalho nos mais diversos setores e ramos produtivos e de
serviços; derrota do sindicalismo autônomo e sua conversão num sindicalismo de parceria, mais negocial e
menos conflitivo.
De modo sintético, podemos dizer que o toyotismo e a empresa flexível se diferenciam do fordismo

basicamente nos seguintes traços: 4


1) é uma produção diretamente vinculada à demanda, diferenciando-se da produção em série e de massa
do taylorismo/fordismo;
2) depende do trabalho em equipe, com multivariedade de funções, rompendo com o caráter parcelar
típico do fordismo;

3) ela se estrutura num processo produtivo flexível, que possibilita ao operário operar simultaneamente


várias máquinas, diferentemente da relação homem/máquina na qual se baseava o taylorismo/fordismo;

4) tem como princípio o just in time, isto é, a produção deve ser efetivada no menor tempo possível;
5) desenvolve-se o sistema de kanban, senhas de comando para reposição de peças e de estoque, uma


vez que no toyotismo os estoques são os menores possíveis, em comparação ao fordismo;
6) as empresas do complexo produtivo toyotista têm uma estrutura horizontalizada, ao contrário da
verticalidade fordista. Enquanto na fábrica fordista aproximadamente 75% da produção era realizada no seu
interior, a fábrica toyotista é responsável por somente 25% e a terceirização/subcontratação passa a ser central na

estratégia patronal. Essa horizontalização estende-se às subcontratadas, às firmas "terceirizadas", acarretando a
expansão dos métodos e procedimentos para toda a rede de subcontratação. E essa tendência vem se
4 Ver, sobre o toyotismo, Antunes, 2010 e 2013; Druck, 1999; Gounet, 1999; Shimizu; 1994; Ichiyo, 1995;


Coriat, 1991; Sayer; 1986 e Kamata, 1985.

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intensificando ainda mais e nos dias atuais, onde a empresa flexível defende e implementa a terceirização não só
das atividades-meio, mas também das atividades-fim.
7) desenvolve a criação de círculos de controle de qualidade (CCQs), visando a melhoraria da

produtividade das empresas e permitindo às empresas apropriar-se do savoir faire intelectual e cognitivo do


trabalho, que o fordismo desprezava.
Desse modo, flexibilização, terceirização, subcontratação, circulo de controle de qualidade total,

kanban, just in time, kaizen, team work, eliminação do desperdício, "gerência participativa", sindicalismo de


empresa, entre tantos outros pontos, tornaram-se dominante no universo empresarial.
Inspirando-se inicialmente na experiência do ramo têxtil, onde o trabalhador operava simultaneamente

várias máquinas e também na experiência dos supermercados dos EUA, que originaram o kanban, o toyotismo e


mais amplamente a empresa flexível aumentaram significativamente a produtividade do trabalho, uma vez que
os trabalhadores operam simultaneamente com várias máquinas diversificadas, com maior ritmo e velocidade da

cadeia produtiva, além da decisiva apropriação das atividades intelectuais do trabalho, interagindo com uma


maquinário automatizado, informatizado e digitalizado, que possibilitou a retomada do ciclo de valorização do
capital em detrimento dos direitos do trabalho, que passaram a sofrer um significativo processo de erosão e
corrosão. E esse processo foi responsável pela acentuação das formas de precarização do trabalho (Ichiyo, 1995:
45/46; Gounet, 1991: 41; Coriat, 1992:60; Antunes: 2013:27/28) O entendimento cuidadoso desta tendência à
informalidade nos leva a buscar uma melhor compreensão da chamada terceirização.

Uma fenomenologia preliminar dos modos de ser da precarização demonstra a ampliação acentuada de


trabalhos submetidos a sucessivos contratos temporários, sem estabilidade, sem registro em carteira, trabalhando
dentro ou fora do espaço produtivo das empresas, quer em atividades mais instáveis ou temporárias, quando não

na condição de desempregado.5 Crescentemente, a busca da “racionalidade instrumental” do capital vem


impulsionando as empresas à flexibilização das relações de trabalho, da jornada, da remuneração, reintroduzindo
novas relações e formas de trabalho que freqüentemente assumem feição informal.
A substituição do trabalho contratado e regulamentado, dominante no século XX e sua substituição pelas

modalidades atípicas de trabalho, como o “empreendedorismo”, “cooperativismo”, “trabalho voluntário”, etc,


cada vez mais parecem se configurar como formar ocultar de trabalho que permitem aumentar ainda mais as
distintas formas de flexibilização salarial, de horário, funcional ou organizativa. (Antunes, 2013a).
É neste quadro, marcado por um processo tendencial de precarização estrutural do trabalho, em amplitude
global, em que o quadro na Europa e EUA são exemplares – que os capitais transnacionais estão exigindo
também o desmonte da legislação social protetora do trabalho nos mais distintos países. E flexibilizar a
legislação social do trabalho significa, é imperrioso dizer, quando se toma a sociologia do trabalho realizada com
rigor, que estão se ampliando as formas de precarização e destruição dos direitos sociais que foram arduamente
conquistados pela classe trabalhadora, desde o início da Revolução Industrial, na Inglaterra, e especialmente pós-
1930, quando se toma o exemplo brasileiro. (idem)
Estamos, portanto, frente a uma nova fase de desconstrução do trabalho sem precedentes em toda era
moderna, ampliando os diversos modos de ser da informalidade e da precarização do trabalho, que revelam um
processo de metamorfose da velha e histórica precariedade. A informalidade não é sinônimo de precariedade,
mas a sua vigência expressa formas de trabalho desprovido de direitos e, por isso, encontra clara sintonia com a
precarização. Apontar suas conexões, suas inter-relações e suas vinculações tornam-se, entretanto,

imprescindível. Se no século XX, presenciamos a vigência da era da degradação do trabalho, nas últimas
décadas do século XX e início do XXI, estamos defronte a novas modalidades e modos de ser da precarização,
da qual a terceirização tem sido um de seus elementos mais decisivos.
3. A precarização do trabalho e a terceirização no Brasil


No quadro mais geral da dinâmica da acumulação flexível, a precarização social contemporânea do
trabalho se torna o centro das transformações produtivas do capitalismo em suas várias dimensões. Nesta última
década no Brasil, o crescimento e a difusão da terceirização a reafirma como uma modalidade de gestão,
organização e controle do trabalho num ambiente comandado pela lógica da acumulação financeira, que, no

5 Em Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil, Vol. I e II, há um desenho amplo das características principais da


informalidade, bem como das diferentes dimensões do processo de precarização no Brasil. (Antunes, 2006 e

2013)

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âmbito do processo de trabalho, das condições de trabalho e do mercado de trabalho, exige total flexibilidade em
todos os níveis, instituindo um novo tipo de precarização que passa a dirigir a relação capital–trabalho em todas


as suas dimensões. E, num quadro em que a economia está comandada pela lógica financeira sustentada no
curtíssimo prazo, as empresas do setor industrial buscam garantir seus altos lucros, exigindo e transferindo aos
trabalhadores a pressão pela maximização do tempo, pelas altas taxas de produtividade, pela redução dos custos
com o trabalho e pela “volatilidade” nas formas de inserção e de contratos. É o que sintetiza a terceirização, que
como nenhuma outra modalidade de gestão, garante e efetiva esta “urgência produtiva” determinada pelo
processo de financeirização ao qual estão subordinados todos os setores de atividade, já que são também agentes
e sócios acionistas do capital financeiro. (DRUCK, 2011)
No plano do mercado de trabalho, onde se estabelecem as relações de compra e venda da força de
trabalho, as formas de inserção, os tipos de contrato, os níveis salariais, as jornadas de trabalho, definidos por
legislação ou por negociação, expressam uma recrudescimento da mercantilização, onde o capital reafirma a
força de trabalho como mercadoria, subordinando os trabalhadores a uma lógica em que a flexibilidade, o
descarte e a superfluidade são fatores determinantes para um grau de instabilidade e insegurança no trabalho,
como nunca antes alcançado. Assim, a terceirização assume centralidade na estratégia patronal, já que as suas

diversas modalidades (tais como cooperativas, pejotização, organizações não governamentais, além das redes de


subcontratação), concretizam “contratos” ou formas de compra e venda da força de trabalho, em que as relações
sociais aí estabelecidas entre capital e trabalho são disfarçadas ou travestidas em relações interempresas/
instituições, além do estabelecimento de contratos por tempo determinado, flexíveis, de acordo com os
ritmos produtivos das empresas contratantes e as quase sempre imprevisíveis oscilações de mercado que
desestruturam o trabalho, seu tempo e até mesmo a sua sobrevivência.
No âmbito do processo e organização do trabalho, as mudanças nas políticas de gestão, inspiradas no
toyotismo e na acumulação flexível, conforme já referido, tem como uma das principais práticas o uso da
terceirização.
No caso brasileiro, constata-se uma verdadeira epidemia nas últimas duas décadas, que contaminou a
indústria, os serviços, a agricultura, o serviço público, generalizando-se também não só para as chamadas
atividades-meio, mas também para as atividades-fim. Neste campo – da organização do trabalho – se evidencia,
através da terceirização, condições de trabalho e salariais, que definem trabalhadores de primeira e segunda
categorias, como porta para o trabalho análogo ao escravo, e onde a discriminação se dá não apenas por parte da
empresa contratante, mas também entre os próprios trabalhadores contratados diretamente e os chamados
“terceiros”, cuja denominação já revela a distinção ou a condição aparte, de fora, externa. As diferenças entre
uns e outros se explicitam no tipo de treinamento, que em geral, é menor para os terceirizados, no acesso
limitado às instalações da empresa, (a exemplo de refeitórios e vestiários), nas revistas na entrada e saída da
empresa, nas jornadas mais extensas, na intensificação do trabalho, na maior rotatividade, nos salários menores,
nas mais arriscadas condições de (in)segurança, dentre outras.
Essas condições mais precárias de trabalho determinam uma outra dimensão, que também expressa a
discriminação e a inferioridade dos trabalhadores subcontratados, é o campo da saúde e segurança no trabalho,
pois todas as diferenças referidas anteriormente, têm graves implicações sobre as situações de riscos a que são
submetidos esses trabalhadores. O adoecimento ocupacional padece de um acompanhamento regular, dada a
instabilidade e rotatividade dos terceirizados que “saltam” de uma para outra empresa ou mesmo setor de
atividade, impedindo de se identificar o tipo de ambiente de trabalho que gerou o adoecimento e dificultando,
desta forma, o nexo causal entre a doenças e o trabalho. Ao lado do adoecimento, os acidentes de trabalho são,
invariavelmente, em maior número entre os trabalhadores terceirizados, assim como as estatísticas sobre vítimas
fatais indicam um índice maior entre eles. (Seligman-Silva, 1994, Franco, 2003, Druck, 2011, Sampaio, 2000,
DIEESE-CUT, 2011)
No que se refere ao coletivo de trabalhadores, a terceirização fragmenta, divide, aparta, desmembra as
identidades coletivas, individualiza e cria concorrência entre os que trabalham muitas vezes no mesmo local, nas
mesmas funções, mas estão separados de fato e simbolicamente pelo crachá diferente e pelos diferentes

uniformes, que identificam os de primeira e de segunda categoria. 6
6 Em pesquisa nas empresas petroquímicas e químicas na Bahia, onde foram entrevistados 358 trabalhadores


diretamente contratados por 52 empresas do setor, em 2000, revela-se como a terceirização é vista pelos
trabalhadores deste segmento industrial. Perguntados se gostariam de ser terceirizados, 93% respondeu que não.
Dentre esses, as principais justificativas para não ser terceirizado foram: para 47%, é a perda de direitos, de

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Um apartheid que tem implicação direta sobre a potencialidade da ação coletiva e sindical, como um outro


campo do trabalho, à medida que a terceirização impõe uma pulverização dos sindicatos, ocorrendo muitas vezes
que numa mesma empresa os diferentes setores terceirizados, a exemplo da limpeza, vigilância, alimentação,
manutenção etc, congregam trabalhadores que estão enquadrados e representados por diferentes sindicatos.
Por fim, uma sexta dimensão da precarização do trabalho revelada pela terceirização: trata-se de como ela
encobre e oculta as relações de trabalho entre a empresa contratante e os trabalhadores subcontratados,
intermediadas por uma terceira, seja na forma de empresa, cooperativa, PJ (empresa do eu sozinho), ONG, se
eximindo da responsabilidade formal pelos trabalhadores e, desta forma, burlando a legislação trabalhista, seja
no claro descumprimento ao Enunciado 331 ou na transferência dos custos do trabalho (dos direitos sociais e
trabalhistas regidos pela CLT) para a terceira que frequentemente está ali intermediando a contratação dos
trabalhadores, pois é a empresa contratante que de fato gere, organiza e controla o processo de trabalho dos
terceirizados.
Neste último campo ou dimensão, trata-se da regulação dos direitos trabalhistas, onde o Estado e as
instituições que operam o direito do trabalho no Brasil (Auditores fiscais do trabalho, Promotores do Ministério
Público do Trabalho e Juízes da Justiça do Trabalho) cumprem um papel essencial para assegurar o respeito à
CLT e outros instrumentos de regulação, ou seja, tem a função de manter vivo o direito do trabalho, que tem por
objetivo colocar limites ao processo de exploração capitalista do trabalho diante da relação assimétrica e
desigual entre empresários e empregados. E é isso que está sendo colocado em xeque hoje em nosso país, através
do Projeto de Lei 4330, que propõe a total liberalização da terceirização, proposto e defendido pelo
empresariado, bem como as 101 propostas para modernização trabalhista da Confederação Nacional da
Indústria, que, em síntese, defende o fim da CLT.

3.1 - Uma breve radiografia da terceirização no Brasil.


As pesquisas mais recentes sobre terceirização, em várias regiões do Brasil, têm chegado, invariavelmente,

aos mesmos resultados, confirmando uma epidemia sem controle. 7


Conforme observado por Druck e Franco (2007), nos anos 2000, a terceirização cresceu em todas as
direções, destacadamente no setor público e nas empresas estatais. No caso do setor privado, atingiu as áreas
nucleares das empresas e passou a usar novas modalidades, a exemplo das cooperativas, das empresas

pejotizadas e do trabalho em domicílio, também chamado de teletrabalho. Os diversos setores pesquisados


nestes anos, como bancários, telemarketing, petroquímico, petroleiro, além das empresas estatais e privatizadas
de energia elétrica, comunicações, assim como nos serviços públicos de saúde, revelam, além do crescimento da
terceirização, as múltiplas formas de precarização dos trabalhadores terceirizados em todas estas atividades: nos

tipos de contrato, na remuneração, nas condições de trabalho e de saúde e na representação sindical.


É sabido que não há estatísticas precisas sobre a terceirização no Brasil, dada a dificuldade de captá-las
junto às empresas, mas o Dieese, através da PED – Pesquisa de Emprego e Desemprego, estimou para as
principais regiões metropolitanas, que em 2009, 11,6% dos empregados urbanos eram subcontratados em
serviços terceirizados e autônomos que trabalhavam para empresas. E em estudo mais recente, (Dieese-CUT,
2011), registrava que em 2010, os setores “tipicamente terceirizados” correspondiam a 25,5% dos empregos
formais no Brasil. Neste mesmo estudo, um conjunto de indicadores revelam as desigualdades entre
trabalhadores terceirizados e os demais, pois a remuneração dos empregados em setores tipicamente
terceirizados é 27,1% menor do que a dos demais empregados; a jornada de trabalho é de 3 horas a mais para os
terceirizados; o tempo de permanência no emprego é 55,5% menor do que o dos demais empregados e a taxa de
rotatividade nas empresas tipicamente terceirizadas é de 44,9% ,enquanto nas demais empresas é de 22,0%.
benefícios, de recompensa e de salários. Para 11%, é instabilidade e insegurança; para 7% faltam condições de
trabalho. Os demais entrevistados indicaram motivos diversos, que podem ser sintetizados em: discriminação,
desvalorização e humilhação. Relatório da Pesquisa Campanha Salarial 2000, Sindicato dos Químicos e
Petroleiros e Centro de Recursos Humanos/UFBa.

7 Ver o amplo leque de pesquisas sobre diversos ramos de atividade em Antunes, 2006 e 2013. Ver


também Pochmann, 2012, DIEESE-CUT, 2011, Filgueiras, 2012, Souza, 2012

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Para o estado de São Paulo, Pochmann (2012) mostra a evolução do número de trabalhadores formais em
atividades tipicamente terceirizáveis, que salta de 110 mil em 1995 para mais de 700 mil em 2010. No período
1996-2010 o crescimento médio anual do emprego formal terceirizado foi de 13,1% ao ano e de 12,4% o
aumento médio anual do número de empresas.

Em pesquisa realizada no Pólo Petroquímico de Camaçari, na Bahia8, em 2004, essas tendências também


se confirmaram, pois houve a difusão e generalização da terceirização para todas as áreas de atividade das
empresas; cresceu a proporção de trabalhador terceirizado/subcontratado por trabalhador contratado diretamente:
para dez empresas que forneceram essas informações, se constatou uma relação de 63,7% de trabalhadores
terceirizados contra apenas 36,3% de trabalhadores contratados diretamente; houve a diversificação e
implementação de novas modalidades, encontrando-se: empresas prestadoras de serviços especializados não
industrial, locadoras de mão-de-obra, cooperativas, prestador de serviços/firma individual (empresa filhote) e
ONG/Entidades Sem Fins Lucrativos; e para um subconjunto de seis empresas que forneceram informações
sobre remuneração de trabalhadores contratados e terceirizados, o custo do trabalhador subcontratado varia de
1,4 a 5 vezes menor do que o do trabalhador contratado.
No que concerne às condições de saúde e segurança no trabalho, as informações de estudos de casos
revelam o quanto os terceirizados estão mais vulneráveis, dadas as condições mais precárias de trabalho, onde o
o grau de riscos e de acidentes têm sido maiores. É o caso de setores estratégicos e também considerados como
perigosos, como o de energia elétrica, extração e refino de petróleo e siderurgia. Um estudo da subseção do
Dieese do Sindieletro Minas Gerais, realizado em 2010, com base em dados da Fundação Coge, revelou que
entre 2006 e 2008, morreram 239 trabalhadores por acidente de trabalho, dentre os quais 193, ou 80,7% eram
trabalhadores terceirizados. A taxa de mortalidade média entre os trabalhadores diretos no mesmo período foi de
15,06 enquanto que entre trabalhadores terceirizados foi de 55,53. (DIEESE, 2011)
Para o caso da Petrobrás, dados da FUP – Federação Única dos Petroleiros da CUT - mostram que de 1995
até 2010 foram registradas 283 mortes por acidentes de trabalho, das quais 228 ocorreram com trabalhadores
terceirizados. Números que se por um lado expressam a proporção entre trabalhadores contratados diretamente

pela empresa e o número de terceirizados, em 2012 era de 4 terceirizados para cada funcionário efetivo9, por


outro revelam também que há diferenças nos tipos de treinamento, nas políticas de segurança e saúde e nas

jornadas de trabalho, que variam de acordo com o “crachá” da empresa.10


O crescimento da terceirização na Eletrobrás também é alarmante, em 2011 havia 8248 terceirizados e em

2012 subiram para 12815, 55% em um ano, enquanto o número de empregados cresceu apenas 13%.11


Em contraposição ao discurso empresarial que justifica a terceirização como parte da modernização das
empresas na era da globalização, como expressão da especialização e focalização dos negócios, as investigações
de instituições acadêmicas e sindicais, assim como os registros de experiências e estudos de operadores do
direito do trabalho no Brasil, atestam que as empresas terceirizam porque realizam a transferência de riscos para
os trabalhadores se desobrigando em relação aos direitos trabalhistas, em nome da redução de custos. Assim,
transfere para uma terceira a responsabilidade pelo comprimento da legislação do trabalho, enquanto a gestão do
processo do trabalho é feita em geral pela própria tomadora. Ou seja, esta repassa a responsabilidade legal, mas
não a gestão. Isso explica o número de processos na Justiça do Trabalho e no Tribunal Superior do Trabalho
contra as empresas tomadoras, conforme justificativa do edital de convocação da Audiência Pública sobre
Terceirização convocada pelo TST, em 2011.

8 Ver análise apresentada em Druck, G. e Franco, T. (2007)
9 De acordo com o Relatório de Sustentabilidade, Petrobras, 2012, p. 160, a estatal contava com 85.065


empregados e 360.372 terceirizados.

10 Conforme depoimentos de dirigentes sindicais: “É bem conhecida pelo conjunto dos trabalhadores a


desigualdade das condições de segurança nas empresas da categoria (...) Frequentemente os terceirizados,
embora em uma mesma planta industrial, por vezes desenvolvendo as atividades com maior exposição ao risco,
estão completamente desprotegidos coletiva e individualmente. Quando da ocorrência de acidentes, tem sido
habitual a omissão das empresas principais contratantes, alegando que não têm nada a ver com o trabalhador e
que o contrato é de serviço e não de pessoal. (...) o número de vítimas é crescente entre os trabalhadores
terceirizados (SINDIQUÍMICA, 2001, p. 7 apud DRUCK ; FRANCO, 2007).

11 Segundo Relatório Anual e de Sustentabilidade, Eletrobrás, 2012, p.184.

 
 
Em síntese, a terceirização é o fio condutor da precarização do trabalho no Brasil. E se constitui num
fenômeno omnipresente em todos os campos e dimensões do trabalho, pois é uma prática de
gestão/organização/controle que discrimina, ao mesmo tempo que é uma forma de contrato flexível e sem
proteção trabalhista, é também sinônimo de risco de saúde e de vida, responsável pela fragmentação das
identidades coletivas dos trabalhadores, com a intensificação da alienação e da desvalorização humana do
trabalhador, assim como é um instrumento de pulverização da organização sindical, que incentiva a
concorrência entre os trabalhadores e seus sindicatos, e ainda a terceirização põe um “manto de invisibilidade”
dos trabalhadores na sua condição social, como facilitadora do descumprimento da legislação trabalhista, como
forma ideal para o empresariado não ter limites (regulados pelo estado) no uso da força de trabalho e da sua
exploração como mercadoria.

3.2 - O Projeto de Lei 4330: a terceirização como regra?


Mais recentemente, a inexistência de uma legislação específica que limite ou proíba a terceirização tem
sido debatida numa perspectiva de sua total liberalização. Está para ser votado no Congresso Nacional, o Projeto
de Lei nº 4.330, de 2004, que dispõe sobre o contrato de prestação de serviços a terceiros e as relações de
trabalho dele decorrentes, de autoria do deputado Sandro Mabel, empresário do setor de alimentação.
O Enunciado 331 de 1993, do Tribunal Superior do Trabalho, apesar de colocar alguns limites, ainda é
impotente para balizar os julgamentos das diversas modalidades de terceirização e não tem impedido o seu brutal
crescimento nestes últimos 17 anos, mesmo que, em algumas situações pontuais, tenha propiciado a condenação
de empresas públicas, privadas e a administração direta do Estado.
No que se refere à atuação do poder público, especialmente o Ministério Público do Trabalho (MPT) e o
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), através da fiscalização dos auditores do trabalho, inúmeras são as
notícias sobre os processos, as condenações e sanções em curso nestas instituições que envolvem a terceirização,
quando considerada ilícita (de acordo com o Enunciado 331).
No caso do MPT, há uma definição de setores/empresas prioritárias a serem investigadas, que toma por
base as denúncias de trabalhadores e de suas entidades de representação. Nos últimos anos são os centros
industriais mais importantes em cada região do país que têm sido objeto de denúncia e investigação, como é o
caso das siderúrgicas e da terceirização do processo produtivo de carvão e reflorestamento em Minas Gerais.
Nos últimos oito anos, o órgão ajuizou 23 ações civis públicas contra cerca de 40 empresas da área. No interior
de São Paulo, que abrange 599 municípios, o MPT da 15ª Região propôs 24 ações civis públicas e firmou 104
Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) nos últimos dois anos. Os municípios de Campinas, São José dos
Campos e São Carlos, que abrigam diversas multinacionais, foram alvo das principais ações.
Na Bahia, o Polo Petroquímico de Camaçari tem sido objeto de investigação e, desde 2008 até o início de
2010, o MPT firmou 23 TAC com empresas e ajuizou seis ações (RAMIRES, 2010). Em 2008, o órgão ajuizou
ação civil pública contra a Empresa Baiana de Águas e Saneamento S/A (Embasa) por terceirizar mão de obra
para a prestação de serviços ligados à sua atividade-fim. A Justiça do Trabalho julgou procedente a ação e
determinou a realização de concurso público para a contratação de mão de obra no prazo máximo de 15 dias,
indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 400 mil reais e, em caso de descumprimento das obrigações,
multa diária de R$ 5 mil, por trabalhador encontrado em situação irregular (TRT5.JUS.BR)
No âmbito das fiscalizações do Ministério do Trabalho, são encontradas as mesmas tendências, isto é, a
terceirização ilícita: via intermediação de mão de obra, contratação de empresas fantasmas e atividades nucleares
desenvolvidas por trabalhadores terceirizados sob a gerência da contratante.
Quando se analisam as decisões do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e do Tribunal Regional do
Trabalho (TRT-BA), encontram-se, para a região da Bahia, 61 processos com sentenças definidas somente em

2010, contra 53 em 2009, 48 em 2008 e 44 em 2007. 12


Mais recentemente, em agosto de 2010, o Tribunal de Contas da União (TCU) recomendou o fim da
contratação de terceirizados nas empresas estatais, sugerindo um prazo de cinco anos para substituição destes
empregados por concursados. Isto porque foram identificadas várias irregularidades, com um grande número de
terceirizados exercendo funções previstas em planos de carreiras, conforme afirmou o ministro-relator.
Assim é possível afirmar que, apesar da limitada legislação em vigor em relação à terceirização, algumas
iniciativas do poder público em suas diversas instituições, manifestam tentativas de contornar ou limitar a

12 Conforme informações disponíveis no site do Tribunal Regional do Trabalho 5ª Região.

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epidemia da terceirização no país. As notificações, recomendações, ajustamentos de conduta e as condenações,
mesmo que expressando tipos de penalidade diversos, mais ou menos graves, indicam o reconhecimento de que
a terceirização não só cresce, mas cria um ambiente favorável à precarização do trabalho e à burla dos direitos
dos trabalhadores.
Entretanto, estas iniciativas estão sendo fortemente questionadas e deverão perder sua força se o Projeto de
Lei 4330 for aprovado. As justificativas para as principais proposições do Projeto de Lei estão em perfeita
sintonia com as ”101 propostas para modernização trabalhista”, apresentadas pela Confederação Nacional da
Indústria (CNI) em 2012, pois o espírito que as ilumina é retirar qualquer limite e regulação do estado no que se
refere às formas de uso da força de trabalho, isto é, a liberalização para o capital para a terceirização sem limites.
No plano mais geral, a CNI formula 101 proposições de modificação na legislação trabalhista, cuja síntese é
estabelecer o “negociado sobre o legislado”, isto é, a negação e anulação da Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT).O PL 4330 libera a terceirização para qualquer tipo de atividades, ou seja, nenhuma diferenciação entre
atividade meio e atividade fim, como hoje estabelecido pelo Enunciado 331. É o que diz o relatório: letra “j)
estabelece que o contrato de prestação de serviços pode versar sobre o desenvolvimento de atividades inerentes,
acessórias ou complementares à atividade econômica da contratante”. (CCDJ, PL4330, 2013, p.2) Isto é,
qualquer atividade, inclusive aquela que é própria ou especialidade da contratante, caindo por terra o (falso)
argumento do patronato de que uma das principais justificativas para a terceirização é a especialização ou
focalização.
Também libera e legaliza a cascata de subcontratação, o que tem sido objeto de denúncia e de fiscalização
do Grupo Móvel de Erradicação do Trabalho Escravo, criado pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTe),
formado por auditores fiscais, procuradores do Ministério Público do Trabalho (MPT) e da Polícia Federal (PF).
Pois é exatamente através da ilimitada cadeia de subcontratação que se encontra o uso do trabalho análogo ao
escravo, conforme divulgado na imprensa e pelo MTe, para o setor têxtil, construção civil, agronegócios, dentre
outros. Conforme consta no relatório: “O Substitutivo prevê, ademais, que a empresa prestadora de serviços é a
responsável pelo planejamento e pela execução dos serviços, nos termos previstos no contrato entre as partes, e
que ela contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus trabalhadores, ou subcontrata outra empresa ou
profissionais para realização desses serviços.” (CCDJ, PL4330, 2013, p.21) Isto implica a total liberalização da
terceirização, tão desejada pelo empresariado brasileiro, e agora com a segurança jurídica tão reivindicada pelo
patronato e seus “legisladores”.
Uma das principais propostas que visa limitar à terceirização, defendida pela maioria dos sindicatos e
agentes do direito do trabalho – a responsabilidade solidária –, é negada pelo PL, para as empresas contratantes,
mas defende para o caso das terceiras que subcontratarem outras empresas. Ou seja, é válida para as empresas
menores e subordinadas às contratantes que, teoricamente estabelecem uma relação contratual entre empresas,
mas não aceita que a mesma relação contratual realizada entre a contratante e a contratada, isto é, também entre
empresas, estabeleça a responsabilidade solidária. É o que diz a letra q do relatório: “q) dispõe que, no caso de
subcontratação de outra empresa para a execução do serviço, a empresa prestadora de serviços a terceiros é
solidariamente responsável pelas obrigações trabalhistas assumidas pela empresa subcontratada;” (CCDJ,
PL4330, 2013, p.3) Para as contratantes, define a responsabilidade subsidiária (hoje já existente), acrescentando
o direito de “ação regressiva contra a devedora”.
Em resposta a essa iniciativa, desencadeou-se uma ampla mobilização nacional contrária ao Projeto.
Através de cartas, manifestos e abaixo assinados, as principais instituições que congregam os operadores do
direito do trabalho no Brasil condenaram a proposta, considerando-a uma das principais formas de precarização
e de desrespeito aos direitos dos trabalhadores. Manifestaram-se pela rejeição do PL 4330, a ANAMATRA
(Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho), ANPT (Associação Nacional dos Procuradores do
Trabalho), o Conselho Superior do Ministério Público do Trabalho, o Conselho Federal da OAB, o Sindicato
Nacional dos Auditores-Fiscais do Trabalho – SINAIT, o Fórum Permanente em Defesa dos Trabalhadores
Ameaçados pela Terceirização, que congrega pesquisadores, estudiosos do tema, entidades representativas que
atuam no mundo do trabalho, a ALAL (Asociacion Latinoamericana del abogados laboralistas), dentre outros e
uma carta assinada por 19 ministros do total de 26 que compõem o Tribunal Superior do Trabalho – TST,
instituição máxima do poder da Justiça do Trabalho, que tem uma visão nacional do que ocorre com a
terceirização no país, julgando processos nas mais diferentes áreas.

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Diversas centrais sindicais, ainda que contemplando significativas diferenças, se posicionaram contra o PL
4.330, onde afirmam que o projeto de lei reúne proposições que incrementam o processo de terceirização ao
instituir a rotatividade da força de trabalho, acentuando ainda mais a precarização das condições de trabalho;
sublinham a discriminação sofrida pelos trabalhadores subcontratados, institucionalizados como profissionais de
segunda categoria; desmistificam que a terceirização, ao contrário do que é veiculado, não gera emprego e,
muito menos, implica alocação de força de trabalho especializada; ressaltam que libera a terceirização em todos
os setores de uma empresa, sem limites para sua adoção e defendem que "Um projeto de lei que garanta
“segurança jurídica às empresas” deve também garantir “segurança social” aos trabalhadores e estar assentado na
isonomia de direitos, de salário e de tratamento dos terceirizados" (Ver, por exemplo, a Carta Aberta das
Centrais, s/d, p. 2). A CONLUTAS e o movimento INTERSINDICAL, que estão mais à esquerda do movimento
sindical, têm se definido claramente contra o processo de terceirização.
Entretanto, às vésperas da votação do Projeto de Lei no Congresso Nacional, foi criada uma Comissão
Tripartite, constituída por representantes do governo, dos empresários, dos trabalhadores e do parlamento, para
tentar chegar a um consenso em torno do PL 4330. Ou seja, a estratégia das principais centrais sindicais passou
a tomar este Projeto de Lei, como passível de negociação. Resta saber o que era possível negociar nos termos das
proposições ali contidas, conforme já comentado anteriormente, já que as suas principais proposições confluem
para a liberalização total da terceirização, aumentando ainda mais a precarização do trabalho. E como se poderia
prever, não houve consenso na comissão, levando-a a sua dissolução.
Diante deste quadro, houve mobilizações (dia nacional de paralisação) chamadas pela maioria das centrais
sindicais brasileiras, de um acampamento em frente ao Congresso Nacional e a tentativa de participar da reunião
da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara de Deputados, organizados pela Central única
dos Trabalhadores, cujos dirigentes foram violentamente reprimidos pela polícia.
A campanha desenvolvida pelas principais instituições representantes dos operadores do direito do
trabalho, coordenados através do Fórum Permanente em Defesa dos Trabalhadores Ameaçados pela
Terceirização, associada às iniciativas de mobilização das centrais sindicais e inúmeros sindicatos, teve uma
importante repercussão social e política, conseguindo adiar sistematicamente a votação do PL 4330, apesar de
todo a enorme pressão dos empresários junto ao congresso nacional.

Uma Nota de conclusão


No momento em que finalizamos este artigo, a questão ainda está em aberto, em disputa intensa e em fase
decisiva. Resta saber se prevalecerá a terceirização como regra, que será legalizada com a aprovação do PL
4330, como deseja o patronato, ou se a classe trabalhadora e seus aliados conseguirão impedir o alastramento da
epidemia da terceirização, através de uma luta mais profunda contra a liberalização do capital no uso predatório
e sem limites da força de trabalho.
Suas conhecidas falácias, tais como: a “terceirização cria empregos”, os “terceirizados percebem salários”
e são “providos de direitos”, a “terceirização é positiva”, pois permite a “especialização e qualificação das
empresas”, esconde o fundamental, ou seja, que a terceirização têm como objetivos centrais a redução dos
salários, a retração crescente dos direitos do trabalho e, o que é também de enorme relevância, aumentar a
fragmentação, procurando desorganizar ainda mais a classe trabalhadora, tanto na esfera sindical, como nas
distintas formas de solidariedade coletiva que florescem no espaço produtivo.
Percebendo salários menores, enfrentando jornadas de trabalho bem maiores do que o conjunto dos
assalariados contratados sem tempo determinado, sofrendo cotidianamente as vicissitudes que decorrem da burla
da legislação social protetora do trabalho e das altas taxas de rotatividade, a terceirização vem se assumindo como a modalidade dominante no processo de corrosão do trabalho que se expande em escala universal. Mas que, exatamente por isso, está no centro dos levantes e rebeliões que também já são parte presente em todos os todos os quadrantes do mundo.
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