Evito publicar matéria de política neste BLOG, mas este assunto transcende do político para o filosófico e jurídico. Daí, a inserção, com a devida informação que foi extraído do BLOG "DIÁRIO DO PODER" do Jornalista Claudio Humberto de Brasília.
Fernando Gabeira
Palácio do Planalto, Brasília
Publicado: 16 de agosto de 2014 às 9:50 - Atualizado às 9:54
Internet é isto mesmo:
um território livre onde se trocam informações, críticas e insultos. É
raro uma pessoa pública nela encontrar apenas elogios. E raro um texto
sobre ela que não desperte comentários sacanas. Wikipédias,
desciclopédias, com informações truncadas, dizem o que querem e, se as
pessoas acreditassem firmemente no que leem na rede, ficariam
paralisadas caso encontrassem um personagem dos verbetes, o médico e
monstro. Suas reações seriam como as de Alec Guines no Dr. Strangelove,
de Stanley Kubrick: os gestos desmentiriam as palavras, o abraço se
transfiguraria num soco, e vice-versa.
Num prefácio para o livro
do treinador Rômulo Noronha sugeri a natação como uma das táticas para
enfrentar comentários negativos. Você os lê, mergulha e, nos primeiros
cem metros, começa a achar que não foram tão graves assim. Nos 400
metros, já admite que talvez possam ajudar você de alguma forma, na
autocompreensão ou na aceitação do mundo.
Algo muito grave
acontece quando os ataques nascem num computador do Palácio do Planalto,
sede do governo federal. É o caso das inserções feitas na biografia dos
jornalistas Carlos Sardenberg e Miriam Leitão.
Como sempre, o
governo reagiu, a princípio, dizendo que era difícil rastrear a origem
das notas, os dados foram desmanchados – a mesma tática usada para as
gravações das câmeras naquele problema de Dilma Rousseff com uma
diretora da Receita Federal. A segunda explicação também é clássica: o
Wi-Fi do Planalto é usado por visitantes, pode ter sido alguém de fora –
de preferência, da oposição.
Às vezes paro para pensar: por que o
PT faz tanto mal a si próprio? Deixo o campo estritamente moral para
raciocinar apenas de uma forma política. O caso do Santander é típico:
uma nota realista sobre o comportamento do mercado provocou uma grande
reação, sua autora foi demitida e o banco, forçado a se derreter em
desculpas.
O mercado deve ser livre para fazer suas previsões. E
arcar com as consequências. O mercado tinha uma visão negativa no
primeiro mandato de Lula. E errou, pois o País iniciou um processo de
crescimento.
A pressão contra o Santander, além de sugerir
censura, amplificou a análise do banco, que em outras circunstâncias
ficaria restrita aos clientes especiais. Assim mesmo, aos que se
orientam politicamente por cartas bancárias. O governo conseguiu
transformar uma simples análise num debate nacional, o que era um
consenso entre analistas de mercado se tornou uma consistente crítica à
política econômica de Dilma.
A julgar pelo digitador do Palácio do
Planalto, as coisas estão pegando aí, na política econômica: os dois
jornalistas atingidos são críticos das medidas do governo com base nas
evidências.
No universo político, a artilharia sempre foi
comandada pelos blogueiros mantidos por empresas do Estado. Eles cuidam
de nos combater com dinheiro público e racionalizam essa anomalia com a
tese de que uma verba muito maior é usada pelos meios de comunicação que
criticam o governo.
Os intelectuais dissidentes em Cuba dão de
barato que o governo os vigia, os boicota e promove campanhas para
assassinar sua reputação. Mas é uma ditadura.
Num país
democrático, essas práticas, além de condenáveis, não são eficazes. Todo
este universo de rancor acaba se voltando contra os agressores, que,
como dizem os orientais, sempre se desequilibram no ataque. Os nove
jornalistas atacados, nominalmente, por um dirigente do PT tiveram a
solidariedade internacional, uma nota de apoio da organização Repórteres
sem Fronteiras.
…”Esse é um jogo muito
perigoso. Em primeiro lugar, porque há muitos homens e mulheres que não
se intimidam. Em segundo, porque envenena uma atmosfera que já é
medíocre com atos de campanha sem graça, muitos bebês no colo, Dilma
comendo cachorro-quente. Come cachorro-quente, pequena. Olha que não há
mais metafísica no mundo, senão cachorro-quente”…
O
PT sabe que existe um nível de rejeição ao partido nas grandes cidades –
em Vitória os petistas já não usam estrelas e bandeiras vermelhas,
talvez nem barba. O que parece não perceber é como seus movimentos
autoritários aumentam a rejeição. É como se um partido abrisse mão de
seduzir e se focasse apenas em intimidar.
Esse é um jogo muito
perigoso. Em primeiro lugar, porque há muitos homens e mulheres que não
se intimidam. Em segundo, porque envenena uma atmosfera que já é
medíocre com atos de campanha sem graça, muitos bebês no colo, Dilma
comendo cachorro-quente. Come cachorro-quente, pequena. Olha que não há
mais metafísica no mundo, senão cachorro-quente.
O PT conseguiu
construir uma linguagem própria. O verbete aloprado é um descoberta para
se distanciar de seus combatentes da guerra suja. Digo com conhecimento
de causa. Depois das eleições de 2006, interroguei todos os chamados
aloprados. Era estranho que aloprados tivessem coletado mais de R$ 1
milhão. Mais estranha, ao longo dos interrogatórios, a recusa em
responder, a frieza matemática em usar os mecanismos legais em sua
defesa. Aloprados?
Se um dia aparecer o aloprado do computador do
Planalto, observem como se esquiva, como é difícil achar nele algum
traço que o defina como aloprado, como resiste às provocações. Ele é
resultado de uma cultura que domina a política brasileira desde 1992. A
constante tentativa de liquidar o outro é uma arma típica de ditaduras.
Infelizmente, para uma grande parte da esquerda, a democracia ainda não é
um valor estratégico.
Não sei qual será o resultado das eleições.
Mas acho que o PT faz tudo para merecer uma derrota, algo que lhe dê
pelo menos a chance de refletir sobre o período sombrio que acabou
instalando no Brasil.
Uma força verdadeiramente democrática, à esquerda, seria boa para o futuro.
Será que é preciso que Cuba desmorone, que a Venezuela fracasse mais claramente, para que os petistas se convençam de que esse não é o caminho?
Será que é preciso que Cuba desmorone, que a Venezuela fracasse mais claramente, para que os petistas se convençam de que esse não é o caminho?
Sei que assim procedendo me exponho ao Twitter de todos
vocês. Mas é preciso combater essa cultura de ressentimento e
mediocridade que leva um digitador do Palácio do Planalto a dedicar sua
tarde ao ataque a jornalistas na Wikipédia.
Não é um aloprado, mas um caso extremo e talvez cristalino: revela, em toda a sua profundeza, o abismo em que nos lançaram.
Fernando Gabeira é escritor, jornalista e ex-deputado federal pelo Rio de Janeiro. Seu blog é www.gabeira.com.br
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