sexta-feira, 23 de setembro de 2016

TST: ATUALIZA MAIS VERBETES JURISPRUDENCIAIS AO NOVO CPC

TST atualiza mais verbetes jurisprudenciais em decorrência do novo CPC



O Pleno do Tribunal Superior do Trabalho aprovou, na sua última sessão, na segunda-feira (19), novas alterações em súmulas e orientações jurisprudenciais em decorrência do novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), que entrou em vigor em março deste ano. Houve ainda um cancelamento de orientação jurisprudencial. Confira abaixo.
Alterações:
SÚMULA 192
AÇÃO RESCISÓRIA. COMPETÊNCIA. (Atualizada em decorrência do CPC de 2015)
I - Se não houver o conhecimento de recurso de revista ou de embargos, a competência para julgar ação que vise a rescindir a decisão de mérito é do Tribunal Regional do Trabalho, ressalvado o disposto no item II.
II - Acórdão rescindendo do Tribunal Superior do Trabalho que não conhece de recurso de embargos ou de revista, analisando arguição de violação de dispositivo de lei material ou decidindo em consonância com súmula de direito material ou com iterativa, notória e atual jurisprudência de direito material da Seção de Dissídios Individuais (Súmula nº 333), examina o mérito da causa, cabendo ação rescisória da competência do Tribunal Superior do Trabalho.
III – Sob a égide do art. 512 do CPC de 1973, é juridicamente impossível o pedido explícito de desconstituição de sentença quando substituída por acórdão do Tribunal Regional ou superveniente sentença homologatória de acordo que puser fim ao litígio.
IV – Na vigência do CPC de 1973, é manifesta a impossibilidade jurídica do pedido de rescisão de julgado proferido em agravo de instrumento que, limitando-se a aferir o eventual desacerto do juízo negativo de admissibilidade do recurso de revista, não substitui o acórdão regional, na forma do art. 512 do CPC.
V- A decisão proferida pela SBDI, em agravo regimental, calcada na Súmula nº 333, substitui acórdão de Turma do TST, porque emite juízo de mérito, comportando, em tese, o corte rescisório.
SÚMULA 417
MANDADO DE SEGURANÇA. PENHORA EM DINHEIRO. (Alterado o item I, atualizado o item II e cancelado o item III, modulando-se os efeitos da presente redação de forma a atingir unicamente as penhoras em dinheiro em execução provisória efetivadas a partir de 18/3/2016, data de vigência do CPC de 2015).
I - Não fere direito líquido e certo do impetrante o ato judicial que determina penhora em dinheiro do executado para garantir crédito exequendo, pois é prioritária e obedece à gradação prevista no art. 835 do CPC de 2015 (art. 655 do CPC de 1973).
 II - Havendo discordância do credor, em execução definitiva, não tem o executado direito líquido e certo a que os valores penhorados em dinheiro fiquem depositados no próprio banco, ainda que atenda aos requisitos do art. 840, I, do CPC de 2015 (art. 666, I, do CPC de 1973).
SÚMULA 419
COMPETÊNCIA. EMBARGOS DE TERCEIRO. EXECUÇÃO POR CARTA PRECATÓRIA. JUÍZO DEPRECADO. (Alterada em decorrência do CPC de 2015)
Na execução por carta precatória, os embargos de terceiro serão oferecidos no juízo deprecado, salvo se indicado pelo juízo deprecante o bem constrito ou se já devolvida a carta (art. 676, parágrafo único, do CPC de 2015).
OJ 120 SBDI-I
RECURSO. ASSINATURA DA PETIÇÃO OU DAS RAZÕES RECURSAIS. ART. 932, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC DE 2015. (Alterada em decorrência do CPC de 2015)
I - Verificada a total ausência de assinatura no recurso, o juiz ou o relator concederá prazo de 5 (cinco) dias para que seja sanado o vício. Descumprida a determinação, o recurso será reputado inadmissível (art. 932, parágrafo único, do CPC de 2015).
II - É válido o recurso assinado, ao menos, na petição de apresentação ou nas razões recursais.
OJ 25 SBDI-II
AÇÃO RESCISÓRIA. REGÊNCIA PELO CPC DE 1973. EXPRESSÃO "LEI" DO ART. 485, V, DO CPC DE 1973. NÃO INCLUSÃO DO ACT, CCT, PORTARIA, REGULAMENTO, SÚMULA E ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DE TRIBUNAL. (Atualizada em decorrência do CPC de 2015)
Não procede pedido de rescisão fundado no art. 485, V, do CPC de 1973 quando se aponta contrariedade à norma de convenção coletiva de trabalho, acordo coletivo de trabalho, portaria do Poder Executivo, regulamento de empresa e súmula ou orientação jurisprudencial de tribunal.
OJ 66 SBDI-II
MANDADO DE SEGURANÇA. SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DE ADJUDICAÇÃO. INCABÍVEL. (Atualizado o item I e incluído o item II em decorrência do CPC de 2015)
I – Sob a égide do CPC de 1973 é incabível o mandado de segurança contra sentença homologatória de adjudicação, uma vez que existe meio próprio para impugnar o ato judicial, consistente nos embargos à adjudicação (CPC de 1973, art. 746).
II – Na vigência do CPC de 2015 também não cabe mandado de segurança, pois o ato judicial pode ser impugnado por simples petição, na forma do artigo 877, caput, do CPC de 2015.
OJ 150 SBDI-II
AÇÃO RESCISÓRIA. REGÊNCIA PELO CPC DE 1973. DECISÃO RESCINDENDA QUE EXTINGUE O PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO POR ACOLHIMENTO DE COISA JULGADA. CONTEÚDO MERAMENTE PROCESSUAL. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO (Atualizada em decorrência do CPC de 2015 )
Reputa-se juridicamente impossível o pedido de corte rescisório de decisão que, reconhecendo a existência de coisa julgada, nos termos do art. 267, V, do CPC de 1973, extingue o processo sem resolução de mérito, o que, ante o seu conteúdo meramente processual, a torna insuscetível de produzir a coisa julgada material.
Cancelamento:
OJ 110 SBDI-I (cancelada em decorrência do CPC de 2015)
(Com informações da Secretaria Judiciária)
O Tribunal Pleno do TST é constituído pelos 27 ministros da Corte e precisa da presença de, no mínimo, 14 julgadores para funcionar. Entre suas atribuições está a aprovação de emendas ao Regimento Interno, a eleição da direção do Tribunal, a escolha de nomes que integrarão listas para vagas de ministro do TST, a decisão sobre disponibilidade ou aposentadoria de ministro do Tribunal por motivo de interesse público, a manifestação oficial sobre propostas de alterações da legislação trabalhista (inclusive processual), a declaração de inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do poder público, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula ou de precedente normativo e o julgamento dos Incidentes de Uniformização de Jurisprudência (IUJ).

sábado, 17 de setembro de 2016

TST: DECISÃO QUE SE FUNDAMENTA NA CARTA DO JOÃO SEM TERRA - DISCRIMINAÇÃO DO MPREGADO MOVEU AÇÃO TRABALHISTA

Este acórdão do TST que com base na "CARTA DO JOÃO SEM TERRA" de 1215, na Inglaterra,  foi objeto de destaque, por ser um dos dois únicos acórdãos da C.Corte que até 2015, que nela se havia fundamentado, para refutar discriminação contra empregado que havia movido ação em face do seu empregador.

Esta decisão foi objeto de destaque por ocasião do aniversário de 800 anos da referida Carta e o seu teor foi exposto no memorial do TST.

Só prá lembrar.

José A. Pancotti


A C Ó R D Ã O
4ª Turma
JCJP/SJ/JP/mmr                   

RECURSO DE REVISTA. DISCRIMINAÇÃO. EMPREGADO QUE MOVE AÇÃO EM FACE DA  EMPRESA. AFRONTA A DIREITOS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS QUE CONSAGRAM GARANTIAS FUNDAMENTAIS. CARACTERIZAÇÃO (CF/88, ARTS. 5º, CAPUT, INCISO XXXV, XLI; 7º, INCISO XXXII).  Afronta direito subjetivo público do cidadão trabalhador, arrolado entre os direitos e garantias fundamentais (Título II, Capítulo, I, art. 5º, XXXV, da CF/88), a alínea “d” do item 6, da decisão SEREC/DIRET.0840/94 da PETROBRÁS que cria “prêmio de incentivo à aposentadoria”, mas institui ressalva, excluindo o empregado que tiver movido ação trabalhista contra a empresa.  Esta ressalva fere de morte o princípio constitucional da igualdade, porque exclui o empregado que exerceu o direito de ação, além de constituir ameaça àqueles que vierem a exercê-lo,  revelando-se discriminação atentatória aos direitos e às liberdades fundamentais (CF/88, art. 5º, XLI). O ato patronal cria, portanto, discriminação entre seus funcionários, não tolerada porque afronta literalmente princípios constitucionais, como o da igualdade, da liberdade, do direito de ação e defesa e da segurança jurídica (CF/88, caput do art. 5º e art. 7º, XXXII). O princípio da igualdade, que está sempre associada ao ideal de justiça, repele a idéia de discriminação e consagra o ideal de que todos os cidadãos têm direito de tratamento igual perante a lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico (Alexandre de Morais, Constituição do Brasil Interpretada, 2ª ed.¸ 2003, p.180). O espectro do ordenamento constitucional veda as diferenciações desarrazoadas, arbitrárias, inaceitáveis e injustificáveis, porque redunda em discriminações, quando se dá um tratamento desigual, para casos iguais, revelando a negação do ideal de justiça. Não se cogita, in casu, como seria salutar, de “tratamento desigual dos casos desiguais, à medida que se igualam, como do  exigência do próprio conceito de Justiça”, pois o único critério adotado pela empresa é dar tratamento desigual a situações idênticas. O elemento discriminador, no caso em exame, por ser flagrantemente contrário a princípios constitucionais e direitos fundamentais, não pode ser aceito como legítimo. Recurso de revista conhecido e provido. TURNOS ININTERRUPTOS DE REVEZAMENTO. JORNADA. FLEXIBILIZAÇÃO. “A Constituição da República, ao disciplinar o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, fixa jornada de seis horas e permite transigência. A referência à negociação coletiva exclui a possibilidade de a sentença fixar jornada diversa daquela prevista no art. 7º, inciso XIV, da Constituição da República, porquanto a negociação pressupõe entendimento entre os atores da relação trabalhista enquanto a sentença normativa resulta, exatamente, da negociação frustrada a justificar a interferência da Justiça do Trabalho, que, ao invés de traduzir um acordo, impõe normas e condições de trabalho” (TST-ERR-515925/98, SDI-I, Rel. Min. João Batista Brito Pereira, DJU de 28.9.2001). Recurso de revista parcialmente conhecido e provido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Recurso de Revista nº TST-RR-541014/99.4, em que é Recorrente ANTONIO INACIO QUESADO e  Recorrida PETRÓLEO BRASILEIRO S.A.

O Eg. TRT da 5ª Região, por meio do v. acórdão de fls. 462/463, complementado às fls. 480, negou provimento ao recurso ordinário do reclamante.
Inconformado, o reclamante recorre de revista às fls. 483/501.  Aduz nulidade da decisão, que, não obstante a oposição de embargos declaratórios, permaneceu omissa quanto ao incentivo à aposentadoria. Aponta violação do art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, além de trazer arestos para confronto de divergência. Insurge-se contra a decisão quanto a “turnos ininterruptos de revezamento – jornada - flexibilização”, apontando violação do art. 7º, XIV, da CF e trazendo arestos para confronto.
Admitido à fl. 503, o recurso de revista recebeu contra-razões às fls. 504/508.
Os autos não foram remetidos ao Ministério Público do Trabalho.
É o relatório.

V O T O

O recurso de revista é tempestivo (fls. 481 e 483) e está subscrito por advogada devidamente habilitada nos autos (fls. 06/07).

I - CONHECIMENTO

I.1 – NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL

O reclamante argúi nulidade da decisão do Eg. TRT de origem, alegando que, não obstante a oposição de embargos declaratórios, esta permaneceu omissa quanto ao incentivo à aposentadoria. Aponta violação do art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, além de trazer arestos para confronto de divergência.
O v. acórdão regional dirimiu a controvérsia, nos seguintes termos (fl. 463): “PRÊMIO INCENTIVO À APOSENTADORIA. Correta a Decisão. Em se tratando de liberalidade empresarial, a reclamada está livre para estabelecer os pressupostos e requisitos para o deferimento do prêmio incentivo à aposentadoria, desde quando não contrariem as disposições legais e não anotem procedimento discriminatório, o que não restou demonstrado nos autos, a contrário do alegado pelo recorrente”.
Sem razão o reclamante.
Conforme se depreende da transcrição acima, a matéria foi devidamente enfrentada pelo Eg. Tribunal Regional, explicitando claramente ser a reclamada livre para estabelecer os pressupostos e requisitos para o deferimento do prêmio de incentivo à aposentadoria, logo não estava obrigado o Juiz a deter-se sobre o referido instituto da coisa julgada. Assim, não se vislumbra a omissão apontada pelo reclamante no decisum recorrido.
Por outro lado, não há como conhecer da preliminar de nulidade por negativa de prestação jurisdicional com fundamento no dissenso de teses e pelo dispositivo constitucional apontado como afrontado (art. 5º, inciso XXXV), nos termos da Orientação Jurisprudencial nº 115 da Eg. SDI-I e segundo a diretriz traçada pela jurisprudência do excelso Supremo Tribunal Federal, no sentido de que, em causas de natureza trabalhista, às alegações de desrespeito aos postulados da legalidade, do acesso ao Judiciário e outros previstos no art. 5º da Constituição Federal, podem configurar, quando muito, situações de ofensa meramente reflexa da Lei Maior, circunstância que impede o manejo de recurso de natureza extraordinária (ver AG-165.054-SP, Rel. Ministro Celso de Mello; AG-188.762-PR, Rel. Min. Sydney Sanches; RE-236.333-DF, Rel. Min. Marco Aurélio.)
NÃO CONHEÇO.

I.2 – PRÊMIO INCENTIVO À APOSENTADORIA

O  acórdão regional enfrentou tal pretensão do autor, vazando a decisão nos seguintes termos (fl. 463):

PRÊMIO INCENTIVO À APOSENTORIA. Correta a Decisão. Em se tratando de liberalidade empresarial, a reclamada está livre para estabelecer os pressupostos e requisitos para deferimento do prêmio incentivo à aposentadoria, desde quando não contrariem as disposições legais e não anotem procedimento discriminatório, o que não restou demonstrado, a contrário do que alegado pelo recorrente.
Conforme item 6, letra “d” do SEREC/DIRET 80.0840/94 (vide fls.173/175), uma das diretrizes básicas para a implantação do referido programa é, justamente, não permitir a participação de empregado que mantenha ação trabalhista contra a mesma companhia, caso “sub-judice”.

O reclamante, no seu recurso de revista, sustenta que está sendo vítima de procedimento discriminatório pela ré, pois outros colegas que receberam o referido prêmio se encontravam em nas mesmas condiçções que o autor. A sua exclusão da percepção da vantagem se deu tão-somente por ter movido ação trabalhista contra a ré. Sustenta violação ao art. 5º, caput e XXXV, art. 7º, XXXII, art. 37, caput, todos da Constituição Federal de 1988. Colaciona os arestos de fls.494/495 para confronto.
Com razão o autor.
O fundamento com que o acórdão regional refutou a pretensão do autor ao pagamento de “prêmio de incentivo à aposentadoria”, consagra uma arbitrária e brutal discriminação do cidadão trabalhador, na medida que legitimou ato patronal que cria um benefício que pode alcançar todos os seus funcionários que se preencham certos requisitos, porém, coloca uma ressalva, se tiver movido ação contra a empresa, será excluído da premiação, ainda que satisfaça os demais requisitos. Tal ressalva fere de morte um dos direitos fundamentais garantidos pela Constituição (CF/88,Título II, Capitulo, I, art. 5º, XXXV), qual seja, o exercício inalienável do direito de ação, como forma de obter do Estado um provimento jurisdicional, acerca de um litígio, em face do seu empregador.
O direito de ação é assegurado pelo art. 5º, XXXV (a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito), Título II, da CF/88,(DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS). Trata-se de um dos direitos fundamentais de primeira geração, consistente à liberdade da pessoa humana que não pode sofrer qualquer restrição de exercício pelo Estado, nem por particulares, seja pessoa física ou jurídica.
A história dos direitos humanos registra que as garantias constitucionais da ação e do processo têm origem no art. 39 da Magna Carta, outorgada em 1215, por João Sem-Terra a seus barões, em que se preconizava que Nenhum homem livre será preso ou privado de sua propriedade, de sua liberdade ou de seus hábitos, declarado fora da lei ou exilado ou de qualquer forma destruído, nem o castigaremos nem mandaremos forças contra ele, salvo julgamento legal feito por seu pares ou pela lei do país. Segue-se, entre tantos instrumentos do direito internacional, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, da ONU, 1948, estatuiu: Toda pessoa tem direito, em condições de plena liberdade, ser ouvida publicamente e com equidade e justiça por um tribunal independente e imparcial (...).
Assim, o direito de ação é garantia milenar do cidadão, sendo enfatizada, entre os povos civilizados, como a característica fundamental do moderno Estado Democrático de Direito que vem se consolidando durante o transcurso dos séculos XIX E XX.
Trata-se, portanto, de garantia qualificada entre os direitos fundamentais do cidadão, na CF/88. Os direitos fundamentais se caracterizam exatamente por serem irrenunciáveis, inalienáveis, intransferíveis, imprescritíveis e não patrimoniais (José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 9ª, ed., 1994. p. 162-163.)
O Poder Judiciário e o esforço para possibilitar ao cidadão a mais ampla garantia de acesso á justiça são igualmente marcas essenciais do Estado Democrático de Direito. É inadmissível, “data venia”, que se dê validade de uma manifestação de vontade patronal de tão elevado grau discriminação.
Como oportunamente apontado pelo recorrente o ato patronal se tipifica igualmente como atitude de flagrante discriminação dentro do quadro de seus servidores, afrontando literalmente o caput do art. 5º da Constituição Federal de 1988 (Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País à inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:)
O princípio constitucional da igualdade que não convive com qualquer forma de diferenciações entre pessoas que sejam desarrazoadas, arbitrárias, inaceitáveis e injustificáveis, porque redunda em discriminações, pois, por medida de justiça não se permite dar um tratamento desigual, para casos iguais, isto porque “se a justiça se relaciona com a igualdade e a igualdade repele discriminação, a discriminação é também uma negação da justiça”. (Estevam Mallet, Direito do Trabalho e discriminação, Revista Amatra, II, dezembro/2003, p.18-19). Não se vislumbra mera diferenciação tolerável entre pessoas, pelo critério da natureza da atividade profissional desenvolvida ou em razão do contexto de sua execução do trabalho, como talvez possa ter entendido o Eg. Regional, na medida que o direito do trabalho não convive com qualquer tipo de discriminação, quer no seu conceito genérico do art. 5º caput, quer especificamente no art. 7º, XXXII da CF/88.
Destarte, afronta direito subjetivo público do cidadão trabalhador, arrolado entre os direitos e garantias fundamentais (Título II, Capítulo, I, art. Art. 5º, XXXV, da CF/88), a alínea “d” do item 6, da decisão SEREC/DIRET.0840/94 da PETROBRÁS que cria “prêmio de incentivo à aposentadoria”, mas institui ressalva, excluindo o empregado que tiver movido ação trabalhista contra a empresa.  Esta ressalva fere de morte o princípio constitucional da igualdade, porque exclui o empregado que exerceu o direito de ação, além de constituir ameaçar àqueles que vierem a exercê-lo,  revelando-se discriminação atentatória aos direitos e às liberdade fundamentais (CF/88, art.5º, XLI). O ato patronal cria, portanto, odiosa discriminação entre seus funcionários, não tolerada porque afrontando literalmente princípios constitucionais, como o da igualdade, da liberdade, do direito de ação e defesa e da segurança jurídica (CF/88, caput do art. 5º e art. 7º, XXXII). O princípio da igualdade que está sempre associada ao ideal de justiça, repele a idéia de discriminação e consagra o ideal de que todos os cidadãos têm direito de tratamento igual perante a lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico (Alexandre de Morais, Constituição do Brasil Interpretada, 2ª ed.¸ 2003, p.180). O espectro do ordenamento constitucional veda as diferenciações desarrazoadas, arbitrárias, inaceitáveis e injustificáveis, porque redunda em discriminações absurdas, quando se dá um tratamento desigual, para casos iguais, revelando a negação do ideal de justiça justiça. Não se cogita, in casu, como seria salutar, de “tratamento desigual dos casos desiguais, à medida que se igualam, como do  exigência do próprio conceito de Justiça”, pois o único critério adotado pela empresa, é dar tratamento desigual a situações idênticas. O elemento discriminador, no caso em exame, por ser flagrantemente contrário a todos os princípios constitucionais e direitos fundamentais, não pode ser aceito como legítimo.
O campo da discriminação no direito trabalho, no Brasil, como se pode ver, a hipótese em exame, não se restringe aos casos de discriminação fundada em sexo, cor, idade, estado civil, religiosa e outras circunstância, como o ter origem em determinada região ou Estado da Federação ou dentro de uma região do próprio Estado (nordestinos, “caiçaras”- SP), mas alcança também o fato de ter o trabalhador exercido o direito de reclamar a reparação de direitos, na Justiça do Trabalho. Aliás, a utilização, por alguns empregadores das chamadas “listas negras”, rol de trabalhadores que já reclamaram ou têm reclamação na Justiça do Trabalho, bem como a exigência de prova de inexistência de ações trabalhista, como forma de discriminar trabalhadores, no ato da admissão. A instituição de vantagem contratual para todos os empregados, por ato unilateral da empresa, excluindo os trabalhadores que têm reclamação trabalhista contra si, não foge à caracterização igualmente de ato discriminatório arbitrário e absurdo e insuportável, porque fere um dos princípios basilares do Estado Democrático de Direito: pedir ao Judiciário provimento acerca de um litígio.
No caso, não bastasse ter o recorrente apontado a afronta ao princípio constitucional genérico da igualdade, invocou, ainda, o princípio da proibição de discriminação específico, dentre os direitos sociais (CF/88, art. 7º, XXXII), enfatizando que não se conforma com a discriminação  entre trabalhadores que se encontrem em igualdade de condições para auferir uma vantagem concedida pelo empregador.
O último aresto de fls. 495 veicula tese que se contrapõe frontalmente àquela veiculada pelo acórdão regional, quando argumenta que “É certo que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, e esta garante a igualdade de tratamento entre os empregados. Na hipótese, a empresa instituiu um prêmio para quem aderisse ao PDV e o pagamento do benefício a alguns empregados em detrimento do Reclamante, o que ensejou a desigualdade que foi corrigida pela decisão judicial”.
Por tais fundamentos, CONHEÇO o recurso de revista por afronta ao princípio constitucional da igualdade (art. 5º, caput), ao direito de ação e de defesa (art. 5º, XXXV), além da divergência jurisprudencial pertinente.

I.3 - TURNOS ININTERRUPTOS DE REVEZAMENTO. JORNADA. FLEXIBILIZAÇÃO


O Eg. Tribunal Regional negou provimento ao recurso do reclamante ao seguinte fundamento (fls. 462/463):

“Decerto que inexiste Acordo Coletivo. Contudo, a reclamada trouxe aos autos o Dissídio Coletivo nº 131.024/94.0, cuja cláusula 69ª (vide fls. 142) prevê o sistema de compensação para os trabalhadores sujeitos a turnos ininterruptos de revezamento. A sentença normativa é bastante clara ao fixar a jornada de oito horas diárias e carga semanal de 33,6 horas, sem o pagamento de qualquer hora extra.
A cláusula 108ª (fls. 146) prevê que o instrumento vigorará a partir de 1º.09.94 até 31.08.95. Embora o reclamante tenha se aposentado em 30.04.96, a inicial (item 02) alega que o labor em turnos ininterruptos de revezamento somente ocorreu até dezembro de 94. A Sentença Normativa abrange tal período, pelo que não se cogita do pagamento de horas extras.
Ao contrário do que alega o recorrente, esta Justiça Especializada utiliza-se de seu poder normativo, em conformidade com o artigo 114, parágrafo 2º, da CF/88, estabelecendo normas e condições de trabalho e respeitando as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalhador. Não há que se falar em extrapolação de competência, quando, por via de Sentença Normativa, fixou-se a jornada dos trabalhadores sujeitos a regime de turnos ininterruptos de revezamento. Em momento algum houve afronta ao texto do artigo 7º XIV da Carta Magna.

Insurge-se contra tal decisão argumentando que “a LEI MAIOR inseriu a jornada de trabalho de seis horas no Título das Garantias dos Direitos Fundamentais do Trabalhador e só permitiu qualquer modificação através de negociação Coletiva. A negociação Coletiva pressupõe a ocorrência de Acordo Coletivo ou Convenção Coletiva de Trabalho, não permitindo que tal assunto seja objeto de decisão normativa (....)”. Aponta violação do art. 7º, XIV, da CF e traz arestos para confronto.
Adoto, no particular, as razões de decidir constantes do voto proferido nos autos do processo nº TST-ERR-515925/98, SDI-I, Rel. Min. João Batista Brito Pereira, DJU de 28.9.2001, in verbis:

“A Constituição da República, pois, acolheu como forma de flexibilização da jornada de trabalho prevista para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento a negociação coletiva, que é uma forma voluntária de composição dos conflitos coletivos de trabalho (Ives Gandra da Silva Martins Filho. 7ª Ed. ver. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1998) e se viabiliza por meio de convenção ou acordo coletivo. Ensina Sérgio Pinto Martins que autocomposição é a forma de solução dos conflitos trabalhistas realizada pelas próprias partes, sem intervenção de um terceiro, e cita como exemplos de formas autocompositivas de solução de conflitos trabalhistas os acordos e as convenções coletivas (Direito processual do trabalho 15. ed. São Paulo: Atlas, 2001, pg. 71) .
Já a sentença normativa, que é proferida em sede de dissídio coletivo, é uma forma impositiva de composição dos conflitos coletivos de trabalho (Ives Gandra da Silva Martins Filho 7ª Ed. ver. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1998), em que há a intervenção da jurisdição estatal. Dispõe o art. 114, § 2º, da Constituição da República que, recusando-se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem , é facultado aos respectivos sindicatos ajuizar dissídio coletivo, podendo a Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições, respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho (grifamos). Assim, apenas tem cabimento o dissídio coletivo e a solução do conflito via poder normativo da Justiça do Trabalho quando frustada a negociação coletiva. Destarte, não há como concluir que o art. 7º, inciso XIV, da Constituição da República comporta para alteração da condição de trabalho ali estabelecida, relativa à jornada para trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, a sentença normativa, uma vez que esta não resulta de negociação coletiva; é fruto da heterocomposição do conflito em que a Justiça do Trabalho impõe a solução.
Nessa mesma linha de raciocínio, lembro a decisão proferida pela da Seção de Dissídio Coletivo no RODC-578.443/99, Rel.: Ministro Vantuil Abdalla, DJ de 24.11.2000, relativo à compensação de jornada de trabalho, in verbis : PISO SALARIAL. Esta Eg. Corte tem entendido que, existindo medida definidora da forma de composição dos salários, ou seja, a livre negociação, inexiste, sobre a questão, campo para a atuação desta Justiça Especializada. JORNADA DE TRABALHO. A matéria em questão é regulada pela Constituição Federal, e a estipulação de qualquer regramento que vá de encontro ao previsto na referida legislação somente seria viável mediante livre negociação entre as partes, nunca através de sentença normativa. Recurso ordinário provido (grifamos).
Conclui-se, pois, que a Constituição da República, ao disciplinar o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, fixa jornada de seis horas e permite transigência. A referência à negociação coletiva exclui a possibilidade de a sentença fixar jornada diversa daquela prevista no art. 7º, inciso XIV, da Constituição da República, porquanto a negociação pressupõe entendimento entre os atores da relação trabalhista enquanto que a sentença normativa resulta, exatamente, da negociação frustrada a justificar a interferência da Justiça do Trabalho, que, ao invés de traduzir um acordo, impõe normas e condições de trabalho”.

CONHEÇO, pois, do recurso por violação do art. 7º, inciso XIV, da Constituição Federal.

II - MÉRITO

II.1 – PRÉMIO DE INCENTIVO À APOSENTADORIA


Em face do conhecimento do recurso de revista por violação aos art. 5º, caput, e 7º, XXXII, da Constituição Federal de 1988, além de divergência jurisprudencial, o seu provimento é medida que se impõe.
Destarte, DOU PROVIMENTO ao recurso de revista do autor, para condenar a reclamada a pagar ao reclamante o prêmio incentivo à aposentadoria.

II.2 - TURNOS ININTERRUPTOS DE REVEZAMENTO.  FLEXIBILIZAÇÃO

Conhecido por violação do art. 7º, inciso XIV, da Constituição Federal, o seu provimento é medida que se impõe
DOU PROVIMENTO ao recurso de revista para deferir o pagamento como extras das horas excedentes da sexta diária, no período em que ativou em turno ininterrupto de revezamento.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de revista  quanto ao: I – “PRÊMIO INCENTIVO Á APOSENTADORIA”, por violação dos arts. 5º, caput, e 7º, XXXII, da Constituição e, no mérito, dar-lhe provimento para condenar a reclamada a pagar ao reclamante o prêmio incentivo à aposentadoria; II – “TURNO ININTERRUPTO DE REVEZAMENTO. FLEXIBILIZAÇÃO” por violação do art. 7º, inciso XIV, da Constituição Federal e, no mérito, dar-lhe provimento para deferir o pagamento como extras das horas excedentes da 6ª diária, no período em que ativou em turno ininterrupto de revezamento.  
Brasília, 28 de abril de 2004.


JUIZ CONVOCADO JOSÉ ANTONIO PANCOTTI

Relator

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

CÂMARA DOS DEPUTADOS REALIZA HOMENAGEM AOS 70 ANOS DO TST

Câmara dos Deputados realiza sessão solene em comemoração aos 70 anos do TST



A Câmara dos Deputados realizou na manhã desta quinta-feira (15), no Plenário Ulysses Guimarães, sessão solene em comemoração aos 70 anos do Tribunal Superior do Trabalho. Compuseram a mesa presidida pelo deputado federal Izalci Lucas, o presidente do TST, ministro Ives Gandra Martins Filho, a ministra Maria Cristina Peduzzi, diretora da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (Enamat), a vice-procuradora geral do trabalho, Cristina Aparecida Ribeiro Brasiliano, e o deputado Heráclito Fortes.
Izalci Lucas abriu os trabalhados com a leitura de pronunciamento escrito do presidente da casa, deputado Rodrigo Maia, no qual afirmou que a realização da solenidade é o reconhecimento da Câmara dos Deputados pelo importante papel realizado pelo TST na construção de uma sociedade mais fraterna, humana e solidária. No texto, Maia também destacou que o parlamento teve a oportunidade de corrigir, por meio da promulgação da Emeda Constitucional 92/16, em julho deste ano, "um lapso da Constituição Federal de 1988", que não explicitava o Tribunal Superior do Trabalho como órgão do Poder Judiciário entre os Tribunais Superiores.
Em seu discurso, o ministro Ives Gandra (foto) fez um breve relato histórico sobre o Tribunal Superior do Trabalho, ressaltando a vocação conciliadora e de mediação dos magistrados trabalhistas para pacificar os conflitos. O ministro destacou as mudanças na legislação, como o Decreto-Lei 9.797/1946 e as Emenda Constitucionais 24/1999, 45/2004 e 92/2016, como grandes influenciadoras na evolução da Justiça do Trabalho para alcançar um perfil cada vez mais técnico. "A Justiça do Trabalho, consciente do papel fundamental que deve desempenhar para promover essa pacificação social e harmonização das relações do trabalho, sabe que, encontrando o ponto de equilíbrio na distribuição dos frutos do trabalho entre o capital e o trabalho, vai conseguir, definitivamente, contribuir para o desenvolvimento econômico e social do nosso país", afirmou.
Para a ministra Maria Cristina Peduzzi, a solenidade promovida pela Câmara é uma reafirmação do princípio constitucional da harmonia entre os Poderes, além do reconhecimento pelos serviços prestados à sociedade. "Recebemos a iniciativa com muito orgulho e satisfação", agradeceu. "Temos motivos para comemorar, mas sabemos que nunca podemos descansar, pois sempre precisamos aprimorar e melhorar. O cidadão recorre ao judiciário e temos que dar uma resposta pronta, proporcionando meios para que essa prestação jurisdicional seja efetiva", concluiu.
Também participaram da solenidade, requerida pelo deputado federal Paulo Pereira da Silva, o ministro Barros Levenhagen, e as ministras Maria de Assis Calsing, Kátia Magalhães Arruda, Delaíde Miranda Arantes e Maria Helena Mallmann.
História
Em 1946, o presidente da República, Eurico Gaspar Dutra, assinou o Decreto-Lei 9.797/1946, que determinou mudanças no funcionamento da Justiça do Trabalho para integrá-la ao Poder Judiciário, como previsto na Constituição que seria promulgada dias depois. Entre outras mudanças, o Conselho Nacional do Trabalho tornou-se Tribunal Superior do Trabalho, sob a presidência do ministro Geraldo Montedônio Bezerra de Menezes e com sede no Rio de Janeiro. Os Conselhos Regionais passaram a Tribunais Regionais do Trabalho.
A Constituição da República de 1988 manteve a estrutura original da Justiça do Trabalho e de seus órgãos nos três graus de jurisdição – Juntas de Conciliação e Julgamento, TRTs e TST. Em 1999, a Emenda Constitucional 24 extinguiu a representação classista, e o TST passou a ser integrado apenas 17 por ministros vitalícios. Em 2004, uma nova alteração, introduzida pela Emenda Constitucional 45, ampliou não só a competência da Justiça do Trabalho – para abranger também os conflitos oriundos das relações de trabalho, e não somente das de emprego, como antes – como a composição do TST, que passou a ter 27 ministros.
Em 2016, a Emenda Constitucional 92 explicitou o TST como órgão do Poder Judiciário e alterou os requisitos para o provimento dos cargos de ministro.
(Alessandro Jacó e Carmem Feijó. Fotos: Fellipe Sampaio)

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

ASPECTOS DA HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS SOCIAIS

Revendo meus escritos acerca da disciplina das relações de trabalho no Brasil à luz da Constituição da República, resolvi rever este artigo que foi publicado na Revista n. 29 de 2006, do TRT-15 de Campinas que havia produzido, em meio à produção acadêmica do meu curso de mestrado. 

Parecem-me mui atuais aquelas proposituras e aquelas colocações calham como uma luva no ambiente político-econômico da crise que o Brasil.

Espero que gostem da leitura, embora seja puramente técnico-jurídica. 

José A. Pancotti


ASPECTOS DA HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS SOCIAIS

José Antonio Pancotti, mestre pelo Centro Universitário Toledo, Araçatuba-SP
INTRODUÇÃO

Buscar-se-á neste ensaio demonstrar que os direitos sociais integram o conceito de direitos fundamentais, não por serem arrolados no Título II da nossa Carta Política, mas porque a República Federativa do Brasil definiu-se com um Estado Democrático de Direito com fundamento na soberania, na cidadania, na dignidade da pessoa humana, na igualdade, nos valores sociais do trabalho, da livre iniciativa, dentre outros.

Pretende-se sustentar que os direitos sociais, do ponto de vista científico, constituem pressupostos dos direitos fundamentais, porque são instrumentos jurídicos “inclusão social” que só com será efetiva, se fundamentada na cidadania.

O legislador constituinte de 1988 foi severamente criticado por alguns e enaltecido por outros ao romper com a tradição do constitucionalismo brasileiro, porque transpôs o rol dos “direitos sociais” do Título da “Da Ordem Econômica e Social” para o Título “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, na Constituição. No Brasil, tema adquiriu dimensão constitucional em 1934, no Título “Da Ordem Econômica e Social”. Nesta posição, vamos encontrá-lo nas Constituições de 1946, 1967 e na Emenda Constitucional nº 01 de 1969. A transposição para o Título “Dos Direitos e Garantias Fundamentais” não foi por mero capricho ou por amor à estética. Decorre, antes de tudo, da postura ideológica e filosófica do constituinte.
Não se ignora, ao contrário, enfatiza-se os reflexos desta opção ideológica do constituinte de 1988 na hermenêutica constitucional, sem a pretensão de neste reduzido espaço, esgotar o tema.
A pesquisa se inicia pelo exame na doutrina nacional e estrangeira, a noção do Estado Direito Democrático, inspirado no modelo Welfare state, a sua construção, desenvolvimento e a crise que o coloca em uma verdadeira encruzilhada, quando se propõe harmonizar o círculo entre crescimento econômico (criação de riquezas), sociedade civil (coesão social) e liberdade política. Segue-se no exame do significado e importância do que se convencionou denominar de “ordem econômica e social”. Desenvolve uma breve análise dos direitos fundamentais. Os direitos fundamentais e a nova concepção de cidadania. No passo seguinte, enfoca-se os “direitos sociais” sob o influxo dos direitos fundamentais.
1. DA ORDEM ECONÔMICA E SOCIAL
1.1 - O Estado e a economia –  Welfare state 
O Estado, na concepção clássica que tinha por fundamento os ideais do liberalismo, era por natureza absenteísta, reservando-se tão-somente atribuições restritas à produção do direito, garantia das liberdades e da segurança. A Constituição limitava-se a definir a forma de Estado, o regime político, a estruturação e organização do poder político e a declaração dos direitos individuais. A noção de democracia era exclusivamente política. Assim, não se admitia qualquer tipo de ingerência ou intervenção na ordem natural da economia e não se cogitava de uma atuação em prol do bem estar social “que garante tipos mínimos de renda, alimentação, saúde, habilitação, educação, assegurados a todo cidadão, não como caridade, mas como direito político [1].
O Estado pós-moderno, se caracteriza pela intervenção na atividade econômica, criação das regras e adoção dos princípios de direito econômico, além de intervir nas relações sociais, por meio de um conjunto de disposições concernentes tanto dirigismo econômico, como no estatuto do cidadão e nos direitos dos trabalhadores. As constituições dos Estados pós-modernos definem os seus fins e programas de ação, sob enfoque de uma orientação econômico-social com regras minuciosas e detalhistas, convivendo com normas genéricas que apenas enunciam princípios gerais, cujo conteúdo e efetividade ficam postergados para serem implementados ou desenvolvidos no futuro, conforme vier disciplinar o legislador infraconstitucional. É o conceito de Constituição-dirigente[2] característica do Welfare state.
Os autores identificam os problemas teóricos originados do aparecimento, consolidação e crise do Welfare state. Para uns, a evolução histórica e política das sociedades industriais pode ser distinta em três fases: a primeira, por volta do século XVIII, marcada pela luta em busca da conquista dos direitos civis (liberdade de pensamento, de expressão); no período seguinte (século XIX), constatam-se as reivindicações dos direitos políticos (participação e organização de partidos, propaganda, votar e ser votado etc) que culminam com a consagração do sufrágio universal. Finalmente, no terceiro período, o desenvolvimento da democracia política aumenta o poder político das organizações operárias e o acesso do operariado a um nível mínimo de instrução formal dá o tom das lutas e da conquista dos “direitos políticos e sociais”. Para outros, a causa principal da difusão do Welfare state foi conseqüência da transformação da sociedade agrária em industrial. 
Confrontando-se as duas correntes de pensamento, infere-se que ambas possuem elementos que se somaram para impulsionar a criação e desenvolvimento do Welfare state, essencialmente porque os “benefícios sociais” têm alto custo para o Estado, mas é um forte mecanismo de distribuição de renda e riqueza que reforça que dinamiza da atividade econômica. 
A crise do Estado assistencial é um fenômeno presente. Entretanto, o fenômeno que os economistas designam como “crise fiscal”, para definir o elevado endividamento público, não pode ser de fundamento para sustentar a absoluta incompatibilidade de duas funções relevantes do Estado: o fortalecimento do desenvolvimento social e o apoio à acumulação capitalista, ainda que com graves ônus à despesa pública. A harmonização destes dois grandes objetivos fundamentais deve ser a proposta do Estado contemporâneo, o Estado de Democrático de Direito, em que convivem os ideais da sociedade burguesa com uma forte atuação sindical operária e dos partidos políticos, admitindo-se, paralelamente, atuação efetiva de organizações não governamentais.
Em decorrência desta crise, a postura intervencionista do Estado é combatida nos últimos vinte anos, mediante ampla campanha por meio de palavras chaves muito em voga: “diminuição do tamanho do Estado”, “ajuste fiscal” e, no nosso caso, “redução do custo Brasil”, sob o argumento de que o Estado do bem estar social tem um custo econômico excessivamente elevado, acarretando uma insuportável carga tributária para a sociedade. Daí, o acentuado discurso em prol da desregulamentação das relações econômicas, flexibilização de normas ou mesmo de redução dos direitos sociais, diminuição da carga tributária, a fim de minimizar os custos de produção e tornar os produtos nacionais competitivos no mercado internacional, por imperativo da globalização econômica ou da integração dos mercados.
Na sociedade do chamado capitalismo maduro[3], a intervenção do Estado deve, por princípio, limitar-se à complementariedade, porque o capitalismo foi capaz de transformar a força de trabalho escravo em trabalho livre, mas não de estabelecer a qualidade e a quantidade de trabalho que necessita no processo de produção, de modo a absorver toda a força de trabalho disponível. Assim, exige-se que o Estado desempenhe as funções de proteção do trabalho, da seguridade social etc (formas de predisposição das condições materiais da produção); crie motivações consentâneas com o processo do trabalho (apoio à família e aos mecanismos de substituição da família – agentes de socialização burguesa); regulamente a força de trabalho (formação profissional, qualificação, requalificação, migrações internas, discipline as relações de trabalho etc). 
Enquanto se combate, no plano interno, a postura estatal intervencionista, no plano internacional, cada vez mais, pugna-se por mecanismos de nítido caráter protecionista. Assim, Estados que até pouco tempo eram parceiros comerciais, de um momento para outro, instituem barreiras alfandegárias entre si, a fim de preservarem mercados internos, numa verdadeira necessidade de afirmação da soberania econômica nacional.
Aliás, os perigos da globalização econômica são ressaltados pelo Professor Eros Roberto Grau[4], que alerta para perda da importância dos conceitos de “país” e de “nação” e do comprometimento da noção de Estado que se coloca como um desafio em harmonizar valores sem os quais a economia não sobrevive: o círculo entre crescimento econômico (criação de riquezas), sociedade civil (coesão social) e liberdade política.
Acrescenta o Professor e Ministro do Supremo Tribunal Federal que:
“[...] a globalização ameaça a sociedade civil, na medida que: (i) está associada a novos tipos de exclusão social, gerando um subproletariado (underclass), em parte constituído de marginalizados em função da raça, nacionalidade, religião e outro sinal distintivo; (ii) instala uma contínua e crescente competição entre indivíduos; (iii) conduz à destruição dos serviços públicos (= destruição do espaço público e declínio dos valores dos serviços por ele veiculados). Enfim, a globalização, na fusão de competição global e de desintegração social, compromete a liberdade.”
Não menos verdadeira é a constatação de que na formação de blocos econômicos regionais (CEE, MERCOSUL, NAFTA etc) estimula-se, no seu interior, a circulação de riquezas, com redução ou eliminação de tarifas alfandegárias, moeda única etc, porém, desacompanhada do mesmo grau de liberdade para circulação de pessoas e a troca de experiências culturais.  Em suma, os seus benefícios no plano social são meramente indiretos ou reflexos.
1.2 - Da ordem econômica e social nas constituições
O título da “Ordem Econômica e Social” nas constituições modernas foi introduzido nos primórdios do século XX com a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar de 1919. No Brasil, surgiu a partir da Constituição de 1934. A Constituição Federal de 1988 dividiu a matéria no Título VII, “Da Ordem Econômica e Financeira” e no Título VIII, “Da Ordem Social”.
O regime constitucional vigente, além de instituir as bases constitucionais do sistema econômico, legitima o Estado a se apropriar das formas e dos meios de produção antes utilizados exclusivamente pela iniciativa privada, para intervir na atividade econômica, em prol do desenvolvimento econômico sustentado. A justificativa é a necessidade de ordenar na vida econômica, impor condicionamentos e racionalizá-la, sem, contudo, substituir ou concorrer com as atividades privadas, mas atuar primordialmente dando-lhe suporte e, excepcionalmente, de forma direta, mas em caráter supletivo. 
Esta característica do Estado Democrático de Direito reflete nas Constituições modernas muitas idéias que têm origem no Socialismo, convivendo ou dando suporte às bases do Capitalismo moderno. Revela compromisso de equilíbrio entre as forças políticas tradicionais, liberalistas, e o atendimento das reivindicações populares de justiça social. 
Em sucinta análise do art. 170 da Constituição Federal, verifica-se que elenca os fundamentos e os princípios que se deve pautar a conduta do Estado: livre iniciativa, propriedade privada, livre concorrência, valorização do trabalho, justiça social etc. No art. 173, disciplina a exploração direta da atividade econômica pelo Estado, que só será permitida quando necessária aos imperativos de segurança nacional ou  relevante interesse coletivo, conforme definir a lei. Em seguida, traça regras para a criação de entes paraestatais como instrumentos de intervenção na ordem econômica, fixando o regime jurídico a que se submeterão, inclusive quanto às obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributárias, em igualdade com o setor privado; fixa a obrigatoriedade da licitação para a contratação de obras, serviços, compras e alienações, em semelhança ao que se exige para os entes da administração direta; finalmente determina que a lei estabelecerá a responsabilidade da pessoa jurídica (empresa pública, sociedade de economia mista e subsidiárias) por atos contra “ordem econômica e financeira” e contra a economia popular. 
São normas e princípios que traçam rumos a serem seguidos e criam os mecanismos para alcançar os fins a que se propôs o Estado  do bem estar social.  Assim, toda espécie normativa infraconstitucional que contrariar tais regras e princípios será reputada inconstitucional. No mesmo sentido, os atos e decisões judiciais ou administrativas que se desvirtuarem do que preconizam os comandos normativos e os princípios constitucionais.
1.3 - Interpretação especifica da ordem econômica na Constituição Federal
A peculiaridade da interpretação constitucional é o fato de estar diante de um estatuto jurídico-político. Esta circunstância nos leva a sopesar “valores[5] políticos, econômicos e sociais” e perquirir, como eles interferem no plano jurídico. Constatam-se os valores políticos pelos princípios expressos e implícitos que a Constituição adota. Sabidamente, a Constituição não é um simples conjunto de regras, mas de regras e princípios[6]. Estes é que vão dar coloração interpretativa às regras constitucionais. A função dos princípios é exatamente orientar para uma exegese conforme os ideais traçados pelo constituinte.
O Professor Gomes Canotilho[7] leciona que através do [...] princípio da interpretação das leis em conformidade com a constituição, se escolhe a interpretação sistemática que dá prevalência à Constituição, ou seja, não contrária ao texto e programa da norma constitucional. Por outras palavras, não se interpreta a lei a partir de uma particular expressão da Constituição, mas dentro do seu conjunto sistemático.
Em hermenêutica constitucional, não se pode ignorar a opção ideológica do constituinte, sob pena de realizar uma interpretação periférica e fora do seu contexto, isto é, não se conseguirá adentrar ao âmago da mensagem que contém os preceitos constitucionais. O direito positivo é decorrente da ideologia constitucionalmente adotada e que se extrai não só na literalidade dos preceitos, como dos princípios expressos e implícitos adotados pela Constituição.
A Constituição Federal, destaque-se, já na definição “Dos Princípios Fundamentais”, declara os fundamentos do Estado de Democrático: a dignidade da pessoa humana; os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (no art. 1º, III e IV);  construir uma sociedade livre, justa e solidária;  garantir o desenvolvimento econômico; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e qualquer outras formas de discriminação (no art. 3º, I, II, III e IV); a independência nacional, prevalência dos direitos humanos (art. 4ª, I e II). Estes são fundamentos do Estado de Direito Democrático que se desdobram e ou estão definidos, de forma particular,  no Título VII “Da Ordem Econômica” e cria mecanismos de proteção e garantia do sistema capitalista, define política de contenção de abusos do poder econômico (art. 170 a 192); e na definição “Da Ordem Social” institui mecanismos de desenvolvimento social, proclama a necessidade de redução de desigualdade social e da pobreza, através de ações que garanta ao cidadão: acesso ao trabalho, previdência social, saúde, educação, assistência social, proteção do meio ambiente, cultura, família, criança, adolescente e idoso etc. (art. 6º, 7º e 193 a 232).
 É possível sustentar, diante do sucinto quadro acima, que os ideais explícitos e subjacentes no texto constitucional é de um Estado Democrático de Direito que não abre mão de preservar e reforçar mecanismos de acumulação de Capital, mas intervém para conter os abusos do poder econômico; desenvolver ações e reforçar as bases de políticas sociais bem definidas para preservar valores típicos do Socialismo: redução das desigualdades, distribuição de renda, acesso aos serviços e bens públicos etc, em conformidade com os ditames da justiça social.
2. DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
2.1 - considerações iniciais
O estudo dos direitos fundamentais ganha especial relevância, porque são alicerce do Estado Democrático de Direito, na medida em que nele repousa e legitima-se. Assim, não há como dissociar a noção de Estado de Direito e direitos fundamentais.
Não é por outra razão que o Mestre Perez Luño[8] sustenta que há um nexo de interdependência genético e funcional entre o Estado de Direito e os Direitos Fundamentais, ya que el Estado de Derecho exige e implica para serlo garantizar los derechos fundamentales, mientras que éstos exigem e implicam para su realización al Estado de Derecho.
O enfoque temático deste modesto trabalho permite fixar-se na noção de “direitos fundamentais”[9] no sentido limitação imposta pela soberania popular aos Poderes constituídos do Estado que dela dependem.São fundamentais, como salienta José Afonso da Silva[10] porque se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive
No plano Direito Público Internacional, são diversos os instrumentos políticos e jurídicos que revelam a preocupação em proteger o direito à vida, segurança, dignidade, liberdade, hora, moral, propriedade, entre outros. É um reconhecimento da necessidade primordial de proteção e efetividade do que se convencionou denominar de “direitos humanos”.
No plano jurídico interno de cada Estado, os Direitos Fundamentais se constituem pelo conjunto de direitos e garantias de conteúdo negativo, cuja finalidade básica é o respeito à dignidade da pessoa humana, contra o arbítrio estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade no plano material e espiritual. Daí, Pontes de Miranda considerá-los “supreaestatais” por que são direitos frente ao Estado ou são devidos ao ser humano, por exigência da ordem jurídica supraestatal, ou conseqüência da altura das liberdades no ambiente mesmo da Constituição.[11]
As constituições dos Estados pós-modernos e os tratados internacionais recentes revelam evolução da concepção de Direitos Fundamentais com significativa ampliação, para compreender prestações positivas do Estado. Assim, nos primórdios tinha significado vertical (na relação indivíduo x Estado). Hoje, tem sentido horizontal (nas relações privadas). Agiganta-se, assim, a eficácia de valores intrínsecos como a dignidade da pessoa humana e a igualdade entre os homens.
Dentre todos os valores que a Constituição Federal de 1988 define com fundamento do Estado Democrático de Direito, sob o ponto de sua conexão íntima com os direitos sociais, destacam-se a cidadania, a dignidade da pessoa humana, da igualdade, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.
A cidadania, como ensina José Afonso da Silva[12], é o reconhecimento do indivíduo como integrante da sociedade estatal. (...) consiste na consciência pertinente à sociedade estatal como titular de direitos fundamentais. Não se resume à titularidade de direitos políticos, mas de cidadão que requer providências estatais no sentido de satisfação de todos os direitos fundamentais em igualdade de condições.
A dignidade da pessoa humana é um conceito que reúne dois valores indissociáveis: pessoa humana e sua dignidade. A pessoa humana é o ser racional, dotado de livre arbítrio que existe como fim em si mesmo, já que não pode servir de objeto-meio para outros fins. Nisto difere das coisas, objeto-meio para a consecução de fins outros. É por isso que a pessoa humana se revela como valor absoluto, porque sua natureza racional existe como fim em si mesma (Kant). A dignidade é um atributo intrínseco da pessoa humana, constituindo sua essência. O único ser que compreende um valor interno, superior a qualquer outro, que não admite substituição por valor equivalente. É o valor supremo do qual decorrem todos os direitos fundamentais. Com efeito, não basta a liberdade formalmente declarada na Constituição, sem que se reconheça a dignidade da pessoa, como condição mínima de existência. Existência digna conforme os ditames da justiça social, como fim da ordem econômica justa.
As funções sociais do trabalho não só na liberdade de escolha da atividade ou profissão, mas de acesso ao mercado de trabalho em igualdade de condições e sem discriminação, direito à remuneração que assegure ao trabalhador e sua família existência digna. Os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa entram na formulação do conceito do Estado neoliberal, em que a propriedade e o lucro se inserem contexto de justiça social.
O princípio da igualdade deve orientar-se a partir da máxima de Aristóteles que preconiza tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais, na medida dessa desigualdade.[13]
Não é fácil, porém, determinar, em cada caso concreto quem são os iguais, quem são os desiguais e qual a medida dessa desigualdade. Assim, o empregador no exercício do poder legítimo de zelo, guarda e controle de seu patrimônio, tem o direito de fazer revista íntima dos empregados da fábrica de jóias, na saída do trabalho. Entretanto, se comete excessos e abusos à intimidade, incorre em ofensa à dignidade da pessoa humana, ensejando a reparação por dano moral. É razoável, porém, que a indenização seja atribuída em valor menor para os funcionários do que para as funcionárias, sem ferir o princípio da igualdade. O tratamento é desigual, justificando-se pelo maior grau de sensibilidade da mulher, na preservação da sua intimidade. O princípio da igualdade legitima que o juiz e o legislador dêem tratamento distinto, com fundamento razoável, sem descambar para o arbítrio[14]. Neste sentido, a Constituição autoriza discriminações justificáveis, para proteger grupos de pessoas que merecem tratamento diverso, quando assegura o privilégio da posse de terras aos indígenas (CF/88, §2º art. 231); a proteção ao mercado de trabalho da mulher (CF/884, art. 7º, XX); proibição do trabalho noturno, perigoso ou insalubre do menor de 18 anos etc.
Não é possível sustentar, como o saudoso Pontes de Miranda[15], que há direitos fundamentais absolutos e relativos. Os absolutos existiram, não conforme a lei os cria ou regula, mas a despeito das leis (“supraestatais”), como à liberdade pessoal, à vida, à inviolabilidade do domicílio ou da correspondência, enquanto os relativos valem conforme a lei, como o direito de propriedade.
Não há como discordar do Professor Alexandre de Moraes[16] que preconiza o Princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas, sob o argumento de que os direitos humanos fundamentais não podem ser utilizados com um verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, nem tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de se consagrar o desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito. Assim, há julgados do Supremo Tribunal Federal que não se reconhece como absoluto a inadmissibilidade de provas obtidas por meios ilícitos (CF/88, art. 5º, LVI), como se observa do excerto de acórdão:
“Objeção de princípio — em relação à qual houve reserva de Ministros do Tribunal — à tese aventada de que à garantia constitucional da inadmissibilidade da prova ilícita se possa opor, com o fim de dar-lhe prevalência em nome do princípio da proporcionalidade, o interesse público na eficácia da repressão penal em geral ou, em particular, na de determinados crimes: é que, aí, foi a Constituição mesma que ponderou os valores contrapostos e optou — em prejuízo, se necessário da eficácia da persecução criminal — pelos valores fundamentais, da dignidade humana, aos quais serve de salvaguarda a proscrição da prova ilícita: de qualquer sorte — salvo em casos extremos de necessidade inadiável e incontornável — a ponderação de quaisquer interesses constitucionais oponíveis à inviolabilidade do domicílio não compete a posteriori ao juiz do processo em que se pretenda introduzir ou valorizar a prova obtida na invasão ilícita, mas sim àquele a quem incumbe autorizar previamente a diligência.” (STF, HC 79.512, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 16/05/03)
Não se desconhece ser possível sustentar que o direito subjetivo de não ser torturado é absoluto, com amparo na regra do art. 5º, III da Constituição.
2.2 - Natureza das normas e o conteúdo dos direitos fundamentais
Como vimos acima, insigne Mestre Pontes de Miranda[17] os considerava “supraestatais”. Para o Professor José Afonso da Silva[18] são situações jurídicas (objetivas e subjetivas) definidas no direito positivo, em prol da dignidade, igualdade e liberdade da pessoa humana. Trata-se, portanto, de normas de direito constitucional, porquanto nascem e se fundamenta na própria Constituição, tendo por fonte da soberania popular. Este mesmo autor se posiciona no sentido de que a eficácia e aplicabilidade de tais normas dependem muito do seu enunciado. Neste sentido, enfatiza, o § 1º do art. 5º da Constituição Federal estatui que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. Ressalva, no entanto, que as normas que definem os direitos econômicos e sociais são de eficácia limitada, porque dependem de legislação ulterior que a discipline para a sua eficácia e aplicabilidade. Curiosamente, há regras que não se qualificam como “direitos sociais”, mas que definem direitos públicos subjetivos que dependem de normas infraconstitucionais para ter eficácia. É o caso da gratuidade do registro de nascimento e da certidão de óbito, aos reconhecidamente pobres (CF/88, art. 5º, LXXVI) e a proteção aos locais de cultos e suas liturgias, para assegurar o direito à liberdade de manifestação de crença religiosa (CF/88, art. 5º, VI).
Não há dúvida que nas hipóteses em que a Constituição proclama a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade, à dignidade da pessoa  etc, nos termos em que se desdobram nos incisos do seu art. 5º, tais normas têm  eficácia e aplicabilidade plena e imediata. Não se pode esquecer, porém, que há inúmeras situações em que se remete à lei (espécie normativa infraconstitucional), a disciplina ou regramento para o exercício deste ou daquele direito. Assim, não se encontra esta limitação tão-somente em normas que estatuem o rol de direitos sociais. Por outro lado, com ensina o Professor Canotilho[19] O fato de a Constituição ter feito um esforço sistematizador, tornando mais extenso e completo o catálogo dos direitos, liberdades e garantias, não está excluído que alguns dos direitos econômicos, sociais e culturais, possam ser configurados como direitos de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias.
 Enfim, a distinção que faz o Professor José Afonso da Silva não parece ser critério definitivo (sob a ótica da eficácia e aplicabilidade) para explicar a natureza jurídica das normas que disciplinam os direitos e garantias fundamentais. Não se pode dele discordar, no entanto, que por se tratar de direito positivo, o interprete fica limitado ao enunciado da norma.
Os direitos fundamentais são também humanos, na medida em que direitos de natureza de direitos humanos são declarados na Constituição. Há, porém direitos fundamentais que não têm natureza de direitos humanos. Os direitos humanos apresentam-se como o grupo de valores básicos para a vida e dignidade humanas atribuídos universalmente. São valores ínsitos e indispensáveis para o desenvolvimento do homem em sua dimensão biológica, psíquica e espiritual. Eles são o conteúdo dos direitos fundamentais, porque estes lhe dão apenas forma jurídica. A transformação daqueles valores indispensáveis à vida e dignidade humanas em direitos subjetivos coincide com a passagem do Estado monárquico absolutista francês à República, decorrente da Revolução Francesa de 1798 e da Declaração dos Direito do Homem e do Cidadão que lhe segue, também em 1789.
Os direitos fundamentais por declararem valores primordiais tornados jurídicos, apresentam-se como a racionalização ética por excelência, situando-se no ápice do ordenamento jurídico nacional. São direitos matizes de todos os demais, por lhes dar fundamento e devem, portanto, ser dispostos na lei máxima nacional, a Constituição. Os direitos fundamentais não têm uma concepção jusnaturalista, pois são frutos da cultura humana e não algo concedido pela natureza à pessoa humana desde o seu nascimento. Neste sentido, pertinente a afirmação de Cláudia Toledo[20]: Os direitos fundamentais são, destarte, construídos, conquistados pelo homem, não lhe sendo meramente dados pela natureza.
3. DOS DIREITOS SOCIAIS

3.1 - Considerações iniciais

O “problema social” surge a partir da “Questão Social”, em meados do século XIX, como decorrência da “Revolução Industrial” que iniciou na Inglaterra no Século XVIII. A “Questão Social” é um fenômeno que eclodiu em conseqüência da concentração do capital industrial e da falta de condições de infra-estrutura social do Estado. O quadro é reconhecido: o empobrecimento da massa de trabalhadores, inclusive dos artesãos sem meios para massificação da produção industrial; a aglomeração urbana resultante da migração da mão-de-obra do campo; a desagregação familiar pela mobilização da mão-de-obra feminina e das crianças para as fábricas; e o grande distanciamento entre classes sociais. Tudo longe de constituir um fenômeno individual e transitório, era um problema coletivo e duradouro que trazia graves prejuízos à ordem pública, social, política e à atividade econômica.
Informa Bobbio, Matteucci e Pasquino[21] que até o início do século XIX as corporações de artes e ofícios desempenhavam inclusive a tarefa assistencial. Com o fim destas corporações, as sociedades de socorro mútuo passaram a desenvolver atribuições previdenciárias que não incorporavam a grande massa de trabalhadores.
A “Revolução Industrial” e a “Questão Social” são fenômenos que evidenciam o fim de uma concepção orgânica de sociedade e do Estado, segundo Bobbio, Matteucci e Pasquino[22]. Desde, então, ficou clara a separação absoluta entre a sociedade e Estado, cabendo a este apenas a detenção do poder político e a intervenção policial, para “restabelecer a ordem pública”.
O “problema social” que assustava a burguesia requeria pronta e eficaz intervenção do Estado, porque cedo se concluiu que só colocar a polícia na rua “para manter a ordem pública”, não seria a solução. Sentiu-se a necessidade da intervenção estatal nas relações de trabalho, fixando garantias mínimas, para desestimular as mobilizações torno de reivindicações operárias. Assim, passou a limitar a jornada máxima diária, adotar medidas de higiene e segurança do ambiente de trabalho, fixar remuneração mínima mensal etc. Somava-se a isto um conjunto de medidas capazes de propiciar as massas trabalhadoras recobrarem os valores individuais e profissionais, bem como políticas públicas de acesso ao mercado de trabalho, à moradia, à educação, à assistência à saúde; a criação de seguro ou previdência social etc.
3.2 - Dos direitos sociais nas constituições
É na Inglaterra e na Alemanha de Bismarck que se põem em prática, no final do século XIX, uma legislação de disciplina da atividade nas fábricas e cria um sistema de previdência social, com seguro obrigatório contra doença, velhice e invalidez. A Bélgica e a Dinamarca aplicam a lei alemã no capítulo referente às disposições de pensionistas (1891-1898). A Suíça cria a lei de seguro social, através de Emenda Constitucional (1890). Esta emenda é a gênese da constitucionalização dos direitos sociais. Segue-se a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar de 1919. No Brasil, surgiu a partir da Constituição de 1934 e mantido em todas as Cartas Políticas posteriores.
A Constituição de 1988 discrimina o rol dos direitos sociais: a educação, saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados (art. 6º). O patamar mínimo de direito dos trabalhadores urbanos e rurais são arrolados no art. 7º da Constituição. No Título VII “Da Ordem Social” define as formas de custeio e de seguro social (previdência social), a assistência social e a proteção à saúde; o direito de acesso à educação, à cultura e aos desportos; o incentivo ao desenvolvimento científico, à pesquisa e à capacitação tecnológica; a liberdade de manifestação de pensamento, artística e cultural; garantia de meio ambiente ecologicamente equilibrado; reconhecimento às diversas formas de organização familiar, além da proteção à criança, ao adolescente e ao idoso; preservação valores sociais e culturais e prestação de assistência às comunidades indígenas.
Os direitos sociais, na doutrina do Professor Alexandre de Moraes[23]
[...] se caracteri­zam como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória no Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria das condições de vida aos hipossuficiente, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como de fundamentos do Estado Democrático, pelo art. 1º, IV, da Constituição Federal.
Enquanto os “direitos individuais” que têm por característica fundamental a imposição conduta negativa ou de não fazer para o Estado, os direitos sociais exigem do Poder Público diversas atividades e prestações positivas, com vistas à propiciar o bem estar e ao pleno desenvolvimento da personalidade humana, sobretudo o amparo em momentos que, por contingências da própria existência, exigem maiores recursos, quando têm menos possibilidades de conquistá-los por seus próprios meios[24], como na doença, infância, velhice etc.
É neste sentido que Canotilho[25] afirma tratar-se de [...] direitos a prestações significam, em sentido estrito, direito do particular obter algo através do Estado (saúde, educação segurança social).  
Canotilho e Vital Moreira[26] ressaltam que a garantia de direitos mínimos dos trabalhadores, nestes termos:
[...] a individualização de uma categoria de direitos e garantia dos trabalhadores de caráter pessoal e político, reveste-se de um particular significado constitucional, do ponto em que ela traduz o abandono de uma concepção tradicional dos direitos, liberdades e garantias como direitos do homem ou do cidadão genéricos e abstractos, fazendo intervir também o trabalhador (exactamente: o trabalhador subordinado) como titular de direitos de igual dignidade.
Esta postura intervencionista, no que toca especificamente aos trabalhadores, revela o abandono da posição absenteísta do Estado, para assumir postura pró-ativa em favor da igualdade substancial entre as partes no contrato de trabalho, preservar a dignidade da pessoa humana do cidadão trabalhador.
3.3 - Natureza dos Direitos Sociais
Como visto acima, o Professor Canotilho[27] ensina que muitos dos Direitos Fundamentais são direitos de personalidade e que hoje em dia, dada a interdependência entre o estatuto positivo e o estatuto negativo do cidadão, cada vez mais os direitos fundamentais tendem a ser direitos de personalidade.
O fator trabalho não é mais considerado algo degradante e vergonhoso para o homem livre. O homem moderno não pode limitar-se à vida contemplativa e à atividade militar, como os antigos. Ao contrário, o trabalho tem hoje a concepção de um valor social prestigiado, porque é a atividade humana destinada a transformar ou adaptar recursos naturais com o fim de produzir bens e serviços que satisfaçam as necessidades individuais e coletivas[28].
A importância do trabalho não tem só esta dimensão econômica, mas psicológica e ética que permite ao homem e à mulher realizar-se como pessoa. Sob este aspecto, chega-se a divinizar o trabalho, sem considerar apenas os seus fins sociais e econômicos.
É por isso que se pode dizer que o trabalho é manifestação da personalidade, porque se constitui numa atividade que se pode exercer com liberdade e dignidade, nos limites de aptidão profissional de cada indivíduo. É através do trabalho que o indivíduo se realiza como pessoa, não só para auto-sustentar, mas também para ganhar respeito no contexto social. O trabalho fator fundamental de integração social com cidadania.
A proteção jurídica dos operários foi tolerada, nos primórdios, por autodefesa do próprio capitalismo, mas hoje deve evoluir para consolidar o respeito à dignidade da pessoa humana, do cidadão trabalhador e de sua família.
No início, os direitos sociais foram concebidos para preservar bens e valores que assegurem condições mínimas de vida digna, a determinado grupo de pessoas: oportunidade de trabalho em ambiente higiênico (físico e mental) e sem discriminação; remuneração que garanta o sustento próprio e da família, assistência à saúde e previdência social. Eram os trabalhadores que prestavam serviços subordinados – da fábrica (chapeleiro, calçadista, tecelão, metalurgia, cerâmica etc) ou de serviços urbanos (ferroviários, tróleibus, motorneiros e cobradores de bondes). Não beneficiava a generalidade da população trabalhadora, como aqueles que prestavam serviços por conta própria – autônomos – e os trabalhadores rurais, domésticos etc, embora vivessem em condições sociais semelhantes, idênticas ou inferiores às várias categorias de altos empregados..
O significativo avanço deu-se na medida em que à tutela daqueles valores jurídicos somaram-se outros, como o acesso à moradia, à educação, à cultura e aos desportos; o incentivo ao desenvolvimento científico, à pesquisa e à capacitação tecnológica; a liberdade de manifestação de pensamento, artística e cultural; garantia de meio ambiente ecologicamente equilibrado; reconhecimento às diversas formas de organização familiar, além da proteção à criança, ao adolescente e ao idoso; preservação valores sociais e culturais e prestação de assistência às comunidades indígenas.
Nesta nova dimensão, os direitos sociais têm o nítido propósito de assegurar vida digna, com perspectiva de “inclusão social” e erradicação da pobreza, não podendo, portanto, ser restrito a um grupo social (dos operários fabris e de serviços). A noção de vida digna passa a ter a conotação de dignidade com cidadania. Um conceito de cidadania não mais restrito à titularidade de direitos políticos, mas de cidadão com aptidão de participar da vida do Estado, ou reconhecimento do indivíduo como pessoa integrada na sociedade estatal[29]. 
Por esta razão que o Professor Canotilho sustenta que os direitos sociais estão estreitamente associados a um conjunto de condições que a moderna doutrina dos direito fundamentais designa como pressupostos dos direitos fundamentais:
“Considera-se pressupostos de direitos fundamentais a multiplicidade de factores – capacidade econômica do Estado, clima espiritual da sociedade, estilo de vida, distribuição de bens, nível de ensino, desenvolvimento econômico, criatividade cultura, convenções sociais, ética filosófica ou religiosa – que condicionam, de forma positiva e negativa, a existência e proteção dos direitos econômicos, sociais e culturais. Estes pressupostos são pressupostos de todos os direitos fundamentais” [30]
Além destes pressupostos que condicionam os direitos fundamentais, existem os elementos estruturais que são a base da proteção dos direitos sociais:
Assim, a concepção da dignidade da pessoa humana e do livre desenvolvimento da personalidade pode estar na origem de uma política de realização de direitos sociais activa e comprometida ou de uma política quietista e resignada consoante se considere que, abaixo de um certo nível de bem-estar material, social, de aprendizagem e de educação, as pessoas não podem tomar parte da sociedade como cidadãos e, muito menos, como cidadãos iguais, ou se entenda que a cidadania social é basicamente uma conquista individual[31].
Com efeito. Não se concebe cidadania sem respeito à dignidade da pessoa humana. Não é sem razão que o art. 1º da Constituição Federal proclama entre os fundamentos do Estado Democrático de Direito a cidadania (II) e a dignidade da pessoa humana (III). Estes dois princípios fundamentais têm dimensão além das relações entre a pessoa humana e o Estado, na medida em que transcende para relações privadas. Neste sentido,  o direito passa a tutelar as manifestações da personalidade, através dos princípios jurídicos da “boa fé nos contratos”, da “solidariedade social”, da “função social do contrato”, da “finalidade social do direito”, da razoabilidade e da proporcionalidade, da equidade e equivalência das prestações, do acesso à justiça, da efetividade do processo etc. São princípios que visam proclamar valores e idéias universalmente indissociáveis da trilogia: ética, a moral e o Direito, eixo que dá às normas sociais caráter homogêneo e legitimidade.
Esta nova concepção de cidadania decorre da idéia de Constituição dirigente[32] que não se conforma com um rol de direitos sociais cuja efetividade fique na dependência do momento político e das vicissitudes da vida econômica. Esta nova dimensão de cidadania deve ser construída a partir do enriquecimento dos direitos fundamentais, com a participação ativa do indivíduo.
Neste contexto, a disciplina das relações de trabalho (empregado x empregador) é apenas um aspecto dos direitos sociais. É um regramento que insere em um conjunto maior de medidas interventivas e protecionistas do Estado, com a especificidade de tutelar da pessoa humana do cidadão trabalhador. Esta postura intervencionista protecionista, sem cunho paternalista, se materializa em “políticas públicas” que tenham a potencialidade de incrementar o desenvolvimento material, intelectual, cultura e espiritual a pessoa humana, a partir da preocupação de eliminar barreiras e oferecer oportunidade de inclusão social.
Assim, a inserção dos direitos sociais como subespécie de direitos fundamentais se justifica, ainda mais, porque o trabalho é manifestação da própria perso­nalidade humana e vital para a cidadania.
3.4 - A desregulamentação, a flexibilização, a terceirização[33] e a hermenêutica constitucional
Como já ressaltado neste trabalho, ultimamente difundiu-se a preocupação de que os encargos atribuídos ao Estado do bem estar social acarreta custos econômicos e financeiros excessivamente elevados e, por conseguinte, uma insuportável carga tributária para os cidadãos em geral. Estes custos tornam a produção econômica menos competitiva no mercado internacional, não compatível com um “capitalismo maduro”. 
Com esta visão, a partir da década de 1980, acentuou-se o discurso em prol da “desregulamentação” das relações econômicas e sociais e da “flexibilização” ou mesmo de redução dos direitos sociais, dentre tantos outros meios, para minimizarem os custos de produção, a fim de tornar a produção nacional competitiva no mercado internacional, por imperativo da globalização econômica ou pela integração dos mercados. Outro meio de redução de custo de produção foi a idealização da “terceirização de serviços”, pelas empresas.
A Constituição admite expressamente a “flexibilização” de alguns direitos sociais como a redução salarial (art. 7º, VI), a ampliação de jornada máxima de trabalho (art. 7º, XIII, XIV), mediante controle sindical. Em todas estas hipóteses, o constituinte brasileiro admitiu que a convenção e o acordo coletivo de trabalho são os instrumentos de flexibilização das regras trabalhistas. Isto porque, o papel tradicional destes pactos normativos sempre foi de alteração dos níveis salariais e das condições de trabalho para melhorá-los, nunca para reduzir vantagens, como se passou a admitir. A Constituição não impede, pelo contrário, legitima a ampliação de certos direitos e vantagens, como a participação nos lucros e resultados; ampliação do prazo do aviso prévio (“aviso prévio proporcional”); elevação da taxa de adicionais de remuneração (serviços extraordinários, insalubridade, periculosidade, etc). Entretanto, admitiu a “flexibilização” de direitos dos trabalhadores como forma de redução de custos, em prol da manutenção de postos de trabalho etc.
No que se refere à redução de direitos e vantagens, contudo, a “flexibilização”, ainda que sujeita ao controle sindical, por meio de negociação coletiva, não pode ser ampla e irrestrita, a ponto de reduzir vantagens que a Constituição Federal erigiu como direitos e garantias mínimas, indispensáveis a uma vida digna do trabalhador e sua família. Abaixo deste patamar mínimo de proteção ficará seriamente comprometido um padrão de vida com dignidade e cidadania. Logo, se constituiria em uma afronta às normas e princípios de Direitos Fundamentais. Reforça este argumento, o fato de a norma constitucional trazer alguns benefícios ao empregado que expressamente declara serem vantagens mínimas (salário mínimo, adicional de remuneração por trabalho extraordinário, insalubre e perigoso, gratificação de natal com base no salário integral, trabalho noturno superior ao diurno, abono de férias de 1/3 do salário normal etc,). Não se admite a supressão, nem a redução do valor de tais benefícios, ainda que mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho. Sempre que a “norma coletiva” assim dispuser deve ser considerada inconstitucional.
O argumento de que a Constituição, ao admitir a redução salarial e a ampliação prejudicial de jornada, por serem as cláusulas mais importantes do contrato de trabalho, legitima a redução de outros direitos, não procede. Isto porque, a redução salarial é medida excepcionalíssima para permitir que a empresa supere período de dificuldade econômico-financeira. A sua disciplina infraconstitucional é rigorosa, tanto que para ter validade, fica condicionada à limitação de retirada de pro labore dos sócios. A ampliação prejudicial de jornada é restrita a um grupo de trabalhadores que têm por benefício jornada reduzida de seis horas (CF/88, art. 7º, XIV).
No tocante à “terceirização a Constituição é silente e a disciplina jurídica é toda infraconstitucional. Aliás, é precária a legislação sobre terceirização de mão-de-obra. A lacuna legislativa ensejou a construção jurisprudência pelo Tribunal Superior do Trabalho, através da Súmula 331. Não há uma definição jurídica do instituto. Dir-se-á, porém, que se fundamenta no princípio da livre iniciativa (CF/88, art. 1º, IV e art. 170). Tem prevalecido a máxima: se não há regra que proíba, permite-se a terceirização de atividade-meio, jamais da atividade-fim do empreendimento empresarial.
A Constituição não arrolou o exercício da livre iniciativa como um princípio fundamental isolado e absoluto, porque expressamente jungiu, atrelou e limitou-o aos valores sociais do trabalho, outro princípio fundamental do Estado Democrático de Direito (CF/88, art. 1º, IV). Não é demais lembrar que os princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana e da cidadania (CF/88, art. 1º, II, III), igualmente fundamento do Estado Democrático de Direito, convergem para os objetivos fundamentais de uma sociedade livre, justa e solidária (CF/88, art. 3º, I). Não há aí conflito de princípios fundamentais, porque os princípios dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa só têm sentido se interpretados de formar harmônica, porque um é complementar do outro. Daí, serem indissociáveis.
Afronta, portanto, direitos e princípios fundamentais a terceirização de mão-de-obra, em que o atravessador, as pessoas que praticam a merchandage, não anota a Carteira de Trabalho, remunera o trabalhador com salário inferior ao “piso da categoria”, não fornece equipamentos de proteção contra acidente de trabalho, nem presta os primeiros socorros em caso infortunística. A afronta se torna mais grave se o contrato de trabalho estabelece o ganho por unidade de produção (peça de sapato, confecção de vestuário, tonelada de cana cortada, caixa de laranja colhida etc), condicionando o valor da remuneração à produção diária, isto é, proporcional ao esforço físico durante à jornada. Esta forma de remuneração foi apontada como provável causa de morte de onze (11) trabalhadores rurais em serviço de corte de cana, por exaustão, no Estado de São Paulo, diagnosticada como “parada cardio-respiratória”, por excesso de trabalho[34]
Estas condições de trabalho são degradantes, em relação aos trabalhadores que têm vínculo direto com as Destilarias de Álcool e Usinas de Açúcar, no interior do Estado de São Paulo. Os empregados destas agroindústrias desfrutam de situação privilegiada, na maioria dos casos, porque recebem os benefícios da legislação social, circunstância nem sempre alcançada pelos trabalhadores de “empresas terceirizadas”.  A terceirização nestes moldes afronta Direitos Fundamentais do cidadão trabalhador.

CONCLUSÃO
É costume sustentar-se que no Brasil predominou uma tendência estatizante que refletiu intensamente na elaboração do texto constitucional de 1988, especificamente no que se refere aos direitos sociais. Diz-se que a conseqüência foi a concessão paternalista de numerosos benefícios trabalhistas e a criação de um sistema de previdência social excessivamente generoso, incompatível com a realidade social e econômica do País. O Brasil estaria, então, na contramão da história, pois os principais países do mundo ocidental, como os Estados Unidos da América, Inglaterra, Alemanha, França, Itália, Espanha vêm há algum tempo se afastando do modelo Welfare state.
Não há dúvida que o modelo clássico do Welfare state, tal como concebido nos seus primórdios está sofrendo revisão porque a sua evolução se faz necessária. O seu aprimoramento se dará através de um processo paulatino de atualização e adaptação aos tempos modernos e que se convencionou denominar de “capitalismo maduro” e da globalização.
O capitalismo no Brasil, porém, não está mais estruturado ou assentado em uma economia rural de latifúndio “semi-feudais”, como as fazendas de café de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo ou de rústicos engenhos de cana para produção de açúcar do Nordeste, nem em meia dúzia de fábricas rudimentares e incipientes, como se encontrava no primeiro quartel do século XX.
O desenvolvimento industrial e tecnológico transformou o parque industrial do País entre os mais desenvolvidos do globo. As agroindústrias de produção de açúcar e álcool para combustível, de sucos de frutas e o agrobussines são a expressão da pujança agropecuária. Vários setores industriais é o berço de tecnologia de ponta, como as montadoras de veículos e máquinas pesadas, da aviação civil, de eletro-eletrônico, da construção civil e metalurgia, por exemplo. O setor financeiro é um dos mais avançados do mundo (não sei se para a felicidade ou infelicidade do povo). No campo da energia temos uma estrutura gigantesca usinas hidroelétricas e estamos às vésperas da auto-suficiência de produção de petróleo[35]. Não é possível enumerar de forma exaustiva o avanço tecnológico e o crescimento econômico do País. Constata-se uma acumulação de capital talvez aquém do desejável, mas muito significativo.
Por outro lado, pelos dados do IBGE, em outubro de 2003[36] o País contava com 10.335.962 empresas urbanas na informalidade que ocupavam 13.830.868 trabalhadores, dentre estes, trabalhadores por conta própria, pequenos empregadores, trabalhadores sem carteira assinada e trabalhos não remunerados. Em 2004[37], 17,8% da população não dispunha de água encanada, 34,5% não tinha esgoto. Neste mesmo ano, segundo dados do IBGE, a taxa de analfabetismo era de 10,5% entre homens e 10,8% entre mulheres. Se acrescentarmos estes aos dados da população sem moradia digna, residindo em favelas, palafitas nas periferias urbanas e os trabalhadores rurais expulsos do campo sem trabalho, o quadro se agrava ainda mais.
Os dados disponíveis permitem constatar um brutal descompasso no desenvolvimento econômico e social. Diante deste quadro, cabe pergunta inevitável: considerando os altíssimos níveis de trabalho e atividade informais, a taxa crescente de desemprego, a falta de oportunidade de trabalho para a população jovem, a péssima distribuição de renda e o restritivo acesso da população de baixa renda aos serviços públicos básicos, como falar em Direitos Fundamentais como cidadania, igualdade, dignidade, liberdade, direitos da personalidade, acesso à justiça etc, para esta parcela da sociedade?
A conclusão é inevitável, aquilo que se convencionou denominar de “inclusão social” é pressuposto essencial para a efetividade dos direitos fundamentais. E a inclusão social só se dará pela efetividade dos direitos sociais preconizados pela “Constituição Cidadã”, amparados pelo manto da imutabilidade prejudicial, contemplada no art. 60, § 4º da Constituição Federal.


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[1]BOBBIO, Norberto et al, Dicionário de Política, Brasília:UNB, 2004, 5ª ed, p.76-707.
[2]“Ibidem”. p. 706-707.
[3] BOBBIO, Norberto et al, Dicionário de Política, 2004, Brasília:UNB, 5ª ed..,p. 407.

[4]  A Ordem econômica na constituição de 1988. São Paulo: Malheiros.2002.7ª ed., p.40
[5] “’Valor’, em sentido normativo, é tudo aquilo que orienta (indica diretriz) a conduta humana. É um vetor (indica sempre um sentido) que guia, atrai, consciente ou inconscientemente, o ser humano. O valor comporta sempre um julgamento, e, pois, uma possibilidade de escolha entre caminhos diferentes. Isso porque a cada valor corresponde um desvalor. Nesse sentido, a democracia é um valor político; a ditadura, um desvalor. Os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (inciso IV) são, assim, os elementos que lhe dão o rumo do bem-estar social”.  cf., José Afonso da Silva, op.,cit. p.35)
[6] A expressão princípio “Aparece com sentidos diversos. Apresenta a acepção de começo e início e de mandamento nuclear de um sistema...”  Afonso da Silva, José, op. cit.,. p.35.
[7] Direito constitucional e teoria da constituição, Portugal, Lisboa: Amedina, 2001. 3ª ed.,1151-1152.
[8] FERRAJOLI et al, Los derechos fundamentales, pp. 19-20. Zeno Simm, apud, Os direitos fundamentais nas relações de trabalho.  São Paulo:Revista LTr 2005. n. 69, p.11/1287.
[9] “Não é uniforme o emprego dos termos 'direitos humanos', 'direitos fundamentais', 'direitos fundamentais do homem', pois depende do enfoque que se der ao tema. Assim, do ponto de vista da: a) ciência jurídica positiva, entendida como análise empírica das normas de direito positivo de um determinado ordenamento, seja estatal ou internacional; b) a filosofia política ou da justiça,  entendida como doutrina normativa em torno de valores ético-políticos que merecem ou clamam ser tutelados como direitos fundamentais; c) a teoria do direito, entendida como sistema de conceitos e afirmações idôneas para denotar e explicar as formas e estruturas do direito positivo”. Cf., FERRAJOLI et all, Lo fundamentos de los derechos fundamentales”, p. 287, apud Zeno Simm, Os direitos fundamentais nas relações de trabalho. São Paulo:Revista Ltr.2005.n 69,p.11/1289.
[10] Direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 1989, 5ª edição, p. 159.
[11] Comentários à constituição de 1946. Rio de Janeiro: Bolsoi. 1960. 3ª ed., p. 242-243.
[12] Comentário contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005, 1ª edição, p.36.
[13]DAVID ARAUJO, Luiz Alberto e NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional, São Paulo: Saraiva, 1999, 2ª ed., p.76.
[14]CANOTILHO, J.J. Gomes, Direito constitucional e teoria da constituição, Coimbra (Portugal):Almedina, 1999, 3ª ed., p.401.
[15] op. cit. p. p. 257-268.
[16] Direitos humanos fundamentais, São Paulo: Atlas, 2005, 6º edição, p28.
[17] op. cit. p. 257-268.
[18] op.cit, p. p160
[19] op.cit,.p.379.
[20] Ibidem, p. 60.
[21] Op. cit, p.403
[22] Op. cit p.403
[23] Curso de direito constitucional. São Paulo: Atlas, 1989,4ª ed., p.181.
[24] RIBEIRO BASTOS, Celso, Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 1990, 13ª edição, p.227.
[25] Op.cit. p.384.
[26]CANOTILHO, J.J. Gomes, MOREIRA Vital. Fundamentos de direito constitucional. Coimbra (Portugal): Coimbra.1994, Ed., p.41
[27] op. cit., p.372.
[28]BARILE, Giusseppe, Enciclopédia del diritto e del economia garzanti, apud, AFONSO DA SILVLA, José, op.cit.,39.
[29] AFONSO DA SILVA, José, op.cit.,p.36.
[30] Op.cit.,p.444.
[31] Op.cit., p.444
[32] AFONSO DA SILVA, José. op.cit., p.36.
[33] Desregulamentação é uma tendência de eliminação do princípio protetor do direito do trabalho, segundo o qual o Estado não intervém nas relações de trabalho, remetendo a sua disciplina exclusivamente à autonomia da manifestação de vontade individual (liberdade contratual) e coletiva (liberdade sindical). O fenômeno da flexibilização surge com a paulatina substituição do modelo de sociedade industrial que vai cedendo à uma sociedade tecnológica, cuja base é a automação que reduz postos de trabalho e exige especialização de mão-de-obra, com qualificação muito bem definida. Essa nova realidade sócio-econômica não conviveria mais com normas trabalhistas excessivamente protecionistas, imperativas, inflexíveis e inderrogáveis pela vontade das partes. Daí, necessidade de políticas salariais flexíveis, liberdade de contratar e despedir trabalhadores, maior mobilidade interna, com facilitação de transferências de trabalhadores e de introduzir novos sistemas produtivos e de contratações atípicas (precários, temporários e meias jornadas).  A terceirização surge, inicialmente, porque as grandes fábricas passaram a depender, cada dia mais, do fornecimento de linhas de produtos componentes do seu produto final, ou realização de serviços especializados que exigem elevada especialização tecnológica que elas não dominam ou que seria inviável de executá-los diretamente por exigirem investimentos elevados, quando há empresas especializadas com tecnologia avançada capaz de fazer frente a essa demanda. No Brasil, a terceirização passou a ser também estratégia para diminuir custos (salários, encargos trabalhistas e fiscais), mediante a transferência para um terceiro da execução de tarefas que seriam normalmente executadas diretamente pela empresa.
[34] O Procurador do Trabalho, Dr. Aparício Querino Salomão, na conclusão da diligência para apurar as causas da morte do trabalhador rural José Mário Alves Gomes, o “Timba”, 47 anos, em lavouras da Usina Rio das Pedras, Piracicabap-SP, declarou que “Numa avaliação preliminar estou convencido de que a morte ocorreu por excesso de trabalho, conseqüência do pagamento por produtividade. (...) Eles trabalham por produção e quanto mais cortam mais ganham. No esforço de ganhar mais acabam adoecendo”.A morte de Timba é a décima primeira em condições semelhantes desde o ano passado, denunciadas pela Pastoral do Migrante de Guariba”. Cf., BOLETIM INFORMATIVO. Campinas: Procuradoria Regional do Trabalho/15ª Região, Ano I,  nº 05- dezembro 2005, páginas 6-7,

[35]ISTO É – DINHEIRO. Petróleo 100% brasileiro, logística para a auto–suficiência. São Paulo: Editora Três, n. 1250, p. 95. 
[36] IBGE, banco de dados sobre economia informal, disponível em http:/www.ibge.gov.br
[37]IBGE, banco de dados sobre Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio - PINAD, http:/www.ibge.gov.br